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sexta-feira, 7 de junho de 2024

O MISTÉRIO PORTUGUÊS

 Dizia algum literato, que a cultura é aquilo que resta, depois de se ter esquecido todas as outras coisas.

Eu sou daqui, desta praia ocidental. Porém, tive ocasião de frequentar universos culturais variados desde a minha infância. Considero que as minhas referências culturais são tanto de Portugal, como de diversas outras nações (principalmente europeias). 

Mas, o meu espanto - que não é de agora - perdura, quando sou confrontado com produções artísticas de portugueses. Dentro de um espaço geográfico modesto, numa economia subordinada, desde há centenas de anos, às potências maiores, e com uma massa de gente muito sincera e boa, mas com fraca instrução (não são as pessoas que têm a culpa, mas os governantes, os poderosos)... 

O mistério é que, dentro desse espaço chamado Portugal, surgem em séculos passados e neste, autores literários, poetas, músicos, artistas plásticos, cientistas, que se colocam ao mesmo nível do melhor que existe no estrangeiro, nas capitais europeias mais prestigiosas... Ainda por cima, com uma forte originalidade.

Não sou nacionalista [ talvez só um pouquinho em relação à língua, a bela língua de Camões e de Fernando Pessoa], pelo que meu cosmopolitismo permite-me rejeitar algo, seja qual for a sua proveniência, se não for esteticamente ou cientificamente significativo. Algo que não tenha qualidade, para mim, não presta; seja de Portugal ou de qualquer outra proveniência. Inversamente tenho de me render à evidência de que uma produção intelectual de primeira qualidade pode ser obra de pessoas dum país atrasado, até mesmo atávico, por vezes, um país subdesenvolvido. Onde uma classe política abjeta se pavoneia, esbanjando os recursos (financeiros e outros) deste magnífico país. Um país destes, parece-me uma aberração lógica, que seja o solo onde floresceram tantos homens e mulheres de talento. 

Será devido à necessidade dos intelectuais se expatriarem, para usufruírem de novas oportunidades, trazendo a sua bagagem própria, mas que misturam com o que encontraram nos países de acolhimento?

Sem dúvida que o número de grandes vultos portugueses nas artes e nas letras não é assim tão impressionante, se confrontado com países como a França, a Itália, o Reino Unido, a Alemanha e a Espanha. Mas, estes países têm e tiveram uma população muito maior que a população portuguesa. O fenómeno da criatividade não pode ser visto como «linear», como uma função direta do número de indivíduos que compõe uma nação. 

Podemos dar as voltas que quisermos, mas temos de assentar em dois pontos: 

A produção artística e literária portuguesa tem sido de grande qualidade, ao longo dos séculos (por vezes menosprezada). 

Não se consegue isolar um fator (ou uns poucos fatores), que explique(m) a continuidade de produção ímpar. Pelo contrário; Pode-se invocar fatores diversos, geográficos, históricos, étnicos ou psicológicos, mas nenhum deles é convincente, tanto mais que fatores semelhantes estão presentes noutras nações europeias. 

Acredito que aquilo que empurrou os portugueses para o mar, para a exploração do além, desencadeou neles um complexo cultural único. E não vejo outro povo que tenha sido tão moldado pela  aventura marítima. Pesem embora as  potências marítimas, como o Reino Unido, a Holanda e outras.

A existência duma tendência nostálgica, misteriosa, insatisfeita, produziu letras e músicas como o fado, mas outras produções também espelham esta característica em muitos poetas e escritores.

Mais tarde, depois da decadência económica e política de Portugal, muitos dos melhores sonharam com um renovo, com um "novo renascimento", com a passagem dum império físico, para um império do espírito (ideação do Quinto Império).

No século presente, estamos -nós, humanos - coletivamente e sem consciência clara disso, a construir a «Nooesfera» (o domínio universal das trocas sem hierarquias, da comunicação instantânea, da multiplicação do saber em todos os domínios, etc.), sonhada ou profetizada por Teilhard de Chardin.  

Se este planeta Terra não for definitivamente destruído pela brutalidade criminosa dos dirigentes, os que detêm as rédeas do poder, seja económico, financeiro, político, militar ou tecnológico, talvez exista  oportunidade para um florescimento, das ciências  às artes, neste cantinho europeu ocidental.

Portugal sempre acolheu bem os estrangeiros. No passado, houve a grande mancha da expulsão dos judeus (reinado de D. Manuel I) e a violenta repressão das «heresias» pela Inquisição (que durou até meados do século XVIII). Mas, o povo, em geral, não aplaudiu. Em qualquer dos casos, não foi ouvido nem chamado, como em relação a muitos outros assuntos. 

Como hipótese, posso estimar que essa vitalidade das coisas do espírito dos portugueses, reside na dupla característica seguinte: 

-  facilidade em se expatriarem e absorverem as culturas dos países para onde emigraram,

 - abertura em relação aos estrangeiros que vêm para aqui, de tal maneira que eles possam viver e produzir, influenciando o povo-hóspede.

Mas, isto tudo são conjeturas e não há nenhuma afirmação, que não possa ser contrariada com certos factos, invalidando as referidas conjeturas.  Pelo que, no essencial, considero que o «mistério de Portugal» permanece por explicar.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

PERCORRENDO O CAMINHO DA ESTUPIDEZ


                                    Psicologia do totalitarismo: reunião do partido Nazi, presidida por Hitler


Será um caminho estreito e tortuoso, ou uma grande e larga avenida?

- Pelo que me é dado observar, estou mais inclinado a pensar que se trata de uma larga avenida, pois consegue facilmente acomodar uma mole de gente, que está sempre pronta a tomar este caminho e com entusiasmo!

Mas, afinal, as técnicas da informática e da Internet não foram potenciar a capacidade das pessoas aprenderem tudo, sobre quaisquer assuntos e até onde quisessem, e de se informarem livremente?

-Estes meios foram postos à disposição das massas, a partir dos anos 1990, como instrumentos para potenciar a sociedade de consumo. Os conteúdos, sendo ditados por mamutes mediáticos e sua disseminação potenciada pelos gigantes tecnológicos (Facebook, Google, etc, etc), a enorme maioria deixou-se facilmente enganar.

A linguagem, o vocabulário, o próprio médium empregue não são neutros, mas a imensa maioria dos utilizadores dos meios digitais não percebe isso. Os seus cérebros estão completamente feitos reféns. Estão encerrados numa prisão cognitiva, mas julgam-se livres.

A incultura galopa. As pessoas já não leem livros. O número de livros requisitados nas bibliotecas universitárias desceu a pique. Estudantes universitários apresentam textos como sendo seus mas, na verdade, são produzidos por algoritmos de IA (Inteligência Artificial). Os professores e os membros de comités de revistas científicas deixam passar; preferem ignorar, como cobardes que são.

A cultura será - em si mesma - subversiva ?

- Sim, hoje em dia, a cultura verdadeira está em contradição com todas as falsas produções, com os simulacros de saber, que proliferam. Porque a cultura verdadeira é crítica, veicula o espírito crítico e ensina as pessoas a refletir criticamente, nada mais perigoso para o status quo.

Chegámos ao ponto em que percebemos claramente os vários autores de ficções sociais e políticas (George Orwell, Aldous Huxley, etc.). Estão diante de nós, podemos perfeitamente identificar os traços desses regimes totalitários, que deixaram de ser ficções: São realidade.

O mesmo se pode dizer em relação às análises de Hannah Arendt e de outros filósofos políticos do século XX, que analisaram o fenómeno totalitário e seus efeitos nas sociedades. Hoje em dia, o novo totalitarismo é combatido por alguns intelectuais corajosos. Mas, grande parte, ou se submete integralmente e apoia os globalistas, ou fala, mas evitando tocar nos «assuntos sensíveis» para não alertar a cidadania.

A maior parte das pessoas crê, com fé totalmente ingénua, na «verdade da ciência». Mas, não têm verdadeiro treino em ciência e em pensamento crítico; elas aderem a quaisquer idiotias. Por exemplo: Os lockdown para «combater» a pandemia de covid; ou «combater» as alterações climáticas através da destruição das  pequenas e médias explorações agrícolas e concentrando ainda mais a produção nos gigantes da agroindústria, etc.

A política deixou de ter que ver com propostas para a gestão da pólis (a cidade-Estado dos gregos) em benefício e de acordo com os desejos dos seus cidadãos. Tornou-se um campo onde se digladiam paixões, tanto mais radicais e extremistas, quanto se fundamentam apenas em aparências, em sombras, no teatro de marionetas e nas pulsões dos egoísmos extremados da mentalidade hedónica atual.

Os órgãos de «informação» passaram a ser órgãos de influência (propaganda) do seu público. O jornalismo de investigação desapareceu, praticamente, da media corporativa. As pessoas continuam a engolir propaganda, disfarçada de notícias. Nunca questionam tais notícias, em particular, se estas reforçam os seus preconceitos. «É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha, do que alguém do status quo dizer a verdade.»

Como explicar o comportamento das pessoas?

- As pessoas podem estar hipnotizadas, mas não terem consciência disso. Existem vários tipos de hipnose. Num deles, as pessoas levam a cabo sua vida normal, na aparência. Mas, comportam-se de maneira automática, estereotipada, em resposta a um certo estímulo, quando este é desencadeado pelos que controlam o jogo.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Descobertas gravuras atribuídas a Neandertais, com 57 mil anos

 https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0286568


               thumbnail

Acima, um dos painéis com traçados de dedos; em baixo, o desenho esquemático da mesma gravura da gruta de La Roche-Cotard

[Ler o artigo, clicando no link acima; o meu comentário parte do princípio que os leitores tomaram conhecimento do seu conteúdo primeiro]



Comentário

Os Neandertais têm estado por cá (em toda a Europa, desde a Península Ibérica ao limite oriental dos Urais e, para além destes, na Sibéria; no Médio Oriente, desde o Levante/Israel, até ao Iraque) nos últimos 200 mil anos, tendo saído de África muito antes do «Homem Moderno Antigo» (ou seja, a nossa espécie Homo sapiens). Eles conseguiram sobreviver a períodos de glaciação, a modificações acentuadas do habitat e tiveram tempo de se adaptar a climas de um frio extremo, como mostram a sua anatomia entroncada, muito musculosa, o seu nariz grande (para aquecer o ar inspirado), etc. 

Segundo os padrões de beleza contemporâneos (e da antiguidade clássica) eles não seriam elegantes. Foram classificados como «sub-humanos» por arqueólogos e paleontólogos do século XIX, que estavam muito mais preocupados em encontrar «o elo perdido» entre o homem e o macaco, do que em avaliar objetivamente os restos fossilizados e as culturas que correspondiam aos Neandertais. 

O facto de que os homens nessa zona da Europa, na época em causa ( -57 mil anos) só podiam ser Neandertais tem a ver com a extrema dificuldade dos H. sapiens conseguirem colonizar o continente Euro-asiático. Com efeito, sabe-se hoje, que o «Homem Moderno Antigo», embora surgido primeiro em África, por volta de 300 mil anos atrás,  não ocupou definitivamente a Europa senão vários milénios após a referida data de 57 mil anos antes do presente. Porém, tinha havido 2 colonizações anteriores, do continente euroasiático pelo H. sapiens, que não deixaram continuidade. Eles tomaram o caminho do Mar Vermelho e não do Mediterrâneo.

Os vestígios europeus mais antigos de arte parietal, como na Gruta de Chauvet, atribuídas ao Homo sapiens, datam de 35 mil anos. No Norte da Espanha, na Gruta del Castillo, existem pinturas parietais datadas com mais de 40 mil anos; pensa-se que, nessa época, somente neandertais aí habitavam. Noutros pontos da Península Ibérica, são abundantes sítios arqueológicos, com artefactos e restos fossilizados de neandertais, que revelam a sua grande difusão nesta península. Mas, também são conhecidos exemplares de neandertais na Sibéria e noutros pontos distantes.

Este estudo - agora publicado - vem na sequência de trabalhos anteriores, que já tinham revelado muitos elementos de cultura neandertal. Pessoalmente estou convencido que estas descobertas  [que se vêm juntar às de misteriosas pinturas parietais em vários pontos da Península Ibérica e com indícios de ornamentação corporal, como conchas com vestígios de ocre (para pintar o corpo) assim como restos fossilizados de penas (de aves de grande porte, como águias e abutres) ] obrigam a comunidade científica a alargar o conceito de arte paleolítica.

A arte - em geral - pode ser vista segundo dois prismas, essencialmente: 

 ou é vista como representação do real. Isto inclui o sobrenatural, pois ele é considerado real pelo artista que o representa.

ou é vista como signo, como sinal, como mensagem codificada; a pertença a um clã, a uma tribo, será identificável com os sinais exclusivos desse clã ou tribo. 

Isso existe na nossa espécie o Homem Moderno, desde o princípio, visto que as grutas decoradas do paleolítico, estão cheias de sinais «abstratos» , mas que não são arbitrários, pois se repetem (alguns, apresentam-se em locais distantes, no tempo e no espaço). 

Na espécie nossa estreita parente, Homo neanderthalensis, suas condições de vida foram muito mais rudes, durante boa parte da sua existência no continente europeu. Não é difícil compreender que estavam forçados pela natureza do clima (de tipo peri-ártico; de tundra) a deambularem de sítio para sítio, ficando em cavernas ou abrigos temporários, sem continuidade, quanto muito visitando, ano após ano, determinados locais.  Lembro também que os locais mais ricos em imagens e gravuras no paleolítico superior (ex. Na gruta Chauvet), estão nos locais mais recônditos das grutas. Por vezes, são quase inacessíveis: seria uma prova tremenda se aventurar no seu interior, segurando apenas lamparinas com gordura, para se iluminarem. 

A representação não é - de qualquer modo - um critério para se avaliar o grau de desenvolvimento duma cultura. Basta lembrar que existem tabus (proibições religiosas) em sociedades como as islâmicas, em representar figuras de humanos ou de animais. Evidentemente, estas sociedades não estão num «estádio menos avançado» de desenvolvimento, por comparação com aquelas onde a representação do humano não é tabu. 

Analogamente, a «superioridade» do Homo sapiens sobre o neanderthalensis é apenas um efeito de nos projetarmos a nós próprios no cume, a realização máxima da Evolução. Como biólogo, estou consciente de que houve um conjunto muito diferente de circunstâncias, nomeadamente para as duas espécies: Um clima peri-ártico do habitat dos neandertais e um clima tropical ou de savana africana, nos sapiens que migraram para a Europa. 

O que se pode esperar em populações longamente separadas, submetidas a diferentes pressões ambientais, senão que divirjam como consequência da sua adaptação e tenham portanto traços anatómicos próprios e também comportamentos, incluindo tradições culturais? Homo neanderthalensis e H. sapiens viveram em quase total separação entre -300 mil anos (a data aproximada de aparecimento do homem moderno, em África) e cerca de -45 mil anos (aproximadamente, o  encontro das duas populações no Levante). São 255 mil anos de separação, no mínimo, ou seja, cem vezes o intervalo temporal desde a antiguidade*, aos nossos dias.

Espero que as pessoas se interessem pela Paleoantropologia, ela dá uma perspetiva de como viemos de longe e de como sabemos pouco, demasiado pouco, sobre nós próprios!!

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* Contando a partir da idade de ouro da civilização grega antiga, cerca 2550 anos antes da atualidade.


quinta-feira, 8 de junho de 2023

O PROBLEMA DA CENSURA E PERSEGUIÇÃO DAS VOZES DISSIDENTES

 Muitas pessoas estarão de acordo em considerar a liberdade de opinião como pilar essencial das nossas sociedades ocidentais. Neste momento, desenvolve-se uma cruel e seletiva caça à dissidência, que tem como vítimas jornalistas, escritores e outras figuras públicas conhecidas, respeitadas e apreciadas. Perante isto, nota-se uma indiferença da cidadania e um olhar para o lado de pessoas metidas na luta política (leia-se política = meios de alcançar o poder). Não só são passivos perante esses crimes, como perante os  crimes que justamente foram denunciados pelos dadores de alerta (Assange, Snowden, etc, etc). Dessa forma, estão a dar cobertura aos senhores do poder, que irão «tratar-lhes da saúde», assim que tiverem a situação inteiramente sob controlo.

 Parece que muitos dos intelectuais dos países ocidentais ignoram os escritos de Hannah Arendt, e de muitos outros autores importantes, sobre a ascensão dos totalitarismos. Para mim, não é surpresa que os neoliberais os ignorem, quer no sentido de nunca os terem lido, ou de terem esquecido por conveniência (oportunismo) esses escritos fundamentais de reflexão em filosofia política. Mas, choca-me ainda mais que pessoas com elevadas credenciais académicas e culturais se comportem «como se» ignorassem tudo sobre a natureza dos sistemas totalitários, as suas manhas para subverter por dentro as democracias, etc. Será possível que esqueçam os contributos de Hanna Arendt, de Bertolt Brecht ou de Soljenitsin e de muitos outros, que seria demasiado longo citar?

O problema não é ter-se mais ou menos conhecimento: é muito mais central e premente. Tem relação com a dignidade e a coragem do ser humano; dizer-se «não colaboro, a minha consciência não mo permite»; ou «já não posso continuar sem fazer nada, como se nada houvesse, ou como se isso nada tivesse que ver comigo e com a sociedade em que vivo».

Eu compreendo melhor, agora, o desespero de Stefan Zweig, que o levou ao suicídio quando pensou que os nazis iriam vencer a II Guerra Mundial. Ele não queria viver num mundo assim. Também o existencialismo de Albert Camus, que teve a coragem de contribuir ativamente para a Resistência francesa durante a IIª Guerra Mundial.  Não cito aqui muitos outros, que merecem a nossa homenagem e são exemplos de dignidade humana e de elevado valor moral. 

A minha postura pode ser considerada estranha, face ao tempo em que vivemos. Pois eu sou testemunha, mas não participo nesta cultura hedónica, materialista (no sentido de procura dos bens materiais), de adoração do poder, do dinheiro, do «estrelato»... que é hoje o substrato cultural da maioria das pessoas.

 Mas, isto não acontece por acaso. Note-se que - por enquanto - o ensino nos países ocidentais não veicula estas ideologias - pelo menos, de um modo explícito. As religiões correntes nestas paragens (a cristã, mas também as outras), não encorajam, até condenam explicitamente, esta adoração do vitelo de ouro. 

Penso que a influência da comunicação social de massas é avassaladora e impregna, ao nível subconsciente, quase todas as pessoas: isto inclui, obviamente, pessoas inteligentes e de elevado nível cultural. Por isso, os verdadeiros donos deste mundo querem ter o controlo da media, sobretudo das redes sociais, como temos visto nos casos de Elon Musk, Marc Zuckerberg, etc.

A cultura das pessoas em Portugal tornou-se quase uniformemente ocidentalizada, assimilando a cultura anglófona, em particular a dos EUA, sob todos os aspetos; desde a música pop-rock, às modas de linguagem - a utilização do inglês no comércio e publicidade - aos valores ideológicos e aos modelos comportamentais das «stars». 

Por contraste, vai aumentando a ignorância do que seja português, ibérico, e de tudo o resto que não seja anglo-saxónico, mas europeu ou extraeuropeu. Isso faz com que tenham «uma vaga ideia», no melhor dos casos, das produções e personalidades que marcaram as outras culturas. 

 Não sou parcial, não tenho qualquer ódio e raiva aos americanos e ingleses, nem à maioria dos intelectuais, homens e mulheres com elevado padrão moral, além de talento. Eu aprecio a coragem de alguns jornalistas, ensaístas e políticos, dos EUA, como Chris Hedges ou como Paul Craig Roberts (e muitos outros). 

Criticar o imperialismo e a repressão aos «de baixo», não me afasta (ideológica e eticamente) deles; pelo contrário, isso aproxima-nos. O que há de bom na cultura anglo-saxónica, é por mim reconhecido, tanto em relação ao passado, como ao presente. De facto, o combate pela liberdade atravessa fronteiras geográficas ou físicas, mas também de cultura e ideológicas. 

A censura não é um «problema de intelectuais», porque o próprio âmago da liberdade está aqui em causa, a liberdade de todos; sejam de esquerda, ou direita; radicais ou conservadores; crentes ou ateus, etc...

     O autor, dramaturgo esquerdista, é acusado por tribunal de Berlim de «propaganda nazi»!

Se alguns são amordaçados por causa das suas ideias, daquilo que pensam e escrevem, então, qualquer um de nós pode também ser, de um momento para o outro. Estamos todos ameaçados. Estou convicto disso: a realidade tem trazido, ultimamente, imensas provas em apoio desta convicção.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A CRISE DAS RELIGIÕES E O SEU SIGNIFICADO

 Este século,  ainda tão jovem, já está bem cheio de acontecimentos - mas não de quaisquer!

 - Acontecimentos suficientemente graves e irreversíveis para mudarem para sempre a(s) civilização/ões, que estamos acostumados a associar a determinadas zonas geográficas e a determinadas tradições: A História, a Arte, a Literatura e a Religião, são - entre outras - identificadoras de determinado complexo cultural ou civilização. 

Embora saibamos que todas as civilizações são mortais, tal como os humanos, não sabemos que género de morte espera cada uma delas. Será uma morte por colapso catastrófico? Será um definhar progressivo, até ser englobada por outra, ascendente? Serão outras modalidades, demasiadas para enumerar aqui?

As religiões não podem ser estranhas à construção civilizacional pois, em qualquer civilização, mesmo nas que se proclamam oficialmente «ateias», acaba por haver fenómenos de tipo religioso. 

Inversamente, em civilizações que se identificam, a si próprias, como cristãs, nota-se a dissolução progressiva dos laços da população com o elemento cristão. 

Isto traduz-se - por exemplo - numa paganização do Natal, a época do ano em que tradicionalmente os cristãos de todas as confissões saudavam a vinda do Salvador. O mesmo, em relação à paganização da Páscoa, transformada em ocasião para dar ovos e coelhos de chocolate às crianças.

Esta paganização não se faz, no mundo cristão, sob forma de um qualquer ressuscitar das religiões pagãs que antecederam o aparecimento do Cristianismo nesses territórios. Faz-se com o abandono de tradições e, sobretudo, de assistência ao(s) culto(s).  Muitos são aqueles que dizem professar o cristianismo e, no entanto, não observam quase nenhuma tradição, não vão à missa (ou culto) dominical, apenas frequentam igrejas, quando se trata de um casamento, batizado ou enterro. 

O estádio último desta descristianização, verifiquei-o há poucos anos, na belíssima capital da República Checa. As igrejas do centro de Praga (magníficos monumentos barrocos, na sua maioria) estavam transformadas em locais de concertos (de música clássica em geral, mas não de música clássica sacra) e isto não era temporário. Tinham sido permanentemente transformadas em «salas de concerto históricas», pela muito pragmática razão de que o número de pessoas, na vizinhança, dispostas a frequentar essas igrejas era tão diminuto, que elas deixaram de ter sustentabilidade económica e, sobretudo, de centros vivos de cristianismo. 

O principal «culpado» aqui, não é o Estado, diretamente - pelo menos - mas o processo de «gentrificação» dos centros históricos, que também afeta - de modo insidioso, mas brutal - Lisboa e muitas outras capitais da Europa. 

Assim, o turismo, fonte preciosa de divisas e estimulador de atividade económica está a contribuir para matar os centros culturais. Isto passa-se em países como França, Espanha, Itália, Grécia e outros, muito turísticos. Todos sofrem de uma gentrificação dos locais mais emblemáticos. Estes centros mais investidos pelo turismo, são locais com maior significado monumental e histórico, os centros civilizacionais desses países. 

A «verdadeira religião é o dinheiro», mas esta frase banal, não deixa de soar como grave sentença de morte, de civilizações que se construíram em torno de determinada espiritualidade. 

Pode-se argumentar que a espiritualidade se mantém em indivíduos que não são religiosos. É verdade: No entanto, ao nível de um todo civilizacional, de uma sociedade inteira, isso nunca aconteceu. Basta ver-se o renovo do  cristianismo ortodoxo, que já antes da queda da URSS, tinha um aumento sensível de adesão. É portanto, uma regra empírica, constatar-se que onde esmorece a tradição religiosa, com cultos e clero, também a religião «popular» recua.  Verifica-se o inverso, quando há um renovo da(s) Igreja(s), este acompanha, em paralelo, a evolução da sociedade.

Tudo o que sei sobre as civilizações do passado, é que uma civilização em ascenso vai propulsionar, senão criar mesmo, um determinado movimento religioso. Por outro lado, a espiritualidade não desaparece quando, por motivos políticos e ideológicos (como no Estalinismo ou na Revolução Cultural Maoista), se combatem ativamente a difusão ou, mesmo, a existência de religiões. 

Há uma necessidade profunda, que pode ultrapassar a explícita adesão a determinado credo religioso. Penso que a humanidade não pode viver com uma visão estreita, «materialista» da vida, da Natureza e do próprio ser humano.  O materialismo de hoje, acantona-se numa forma estreita de propaganda antirreligiosa. Não me parece que haja uma oposição entre a espiritualidade de hoje e a aceitação e mesmo a procura ativa de saber científico. Acho mesmo que esta contradição é um subproduto de ideologias do século XIX (sobretudo, do cientismo e do ateísmo «militante»). 

É verdade que as religiões, na sua vertente exterior, perante a sociedade concreta, não foram capazes, muitas vezes, de fazer atualizações que se impunham. Imagine-se alguém do clero, formado/a na perspetiva de que, aceitar a ideia de Evolução biológica e do Homem, era uma heresia intransponível e um passo para a mais total negação de Deus, ou seja, para o ateísmo. Este doutrinamento atravessou várias gerações. Portanto, não se pode ter a ilusão de que as formas de pensar morrem quando desaparecem os criadores ou primeiros cultores de determinada corrente.

Para ilustrar isso, basta-me evocar a estranha - para mim - forma de abordar a sociedade e todos os fenómenos através de um prisma marxista. O marxismo é um exemplo importante e típico de uma religião sem Deus. Mas tudo nele aponta para o fenómeno religioso, como forma de ver o Mundo e o Universo, como se fossem apenas inteligíveis através da «ciência marxista» (que, afinal, é apenas «cientismo»).

Seria muito estranho que, caso a «ciência do marxismo» fosse verdadeira, o mundo científico atual estivesse totalmente divorciado da filosofia / ideologia do marxismo: Note-se que não é uma teoria esotérica, muitos terão tido contacto com ela; muitos cientistas terão mesmo estado convencidos, durante uma etapa de suas vidas, de que se tratava de uma forma de pensar adequada à ciência. Mas, nada disto é verdadeiro, para a imensa maioria dos cientistas de hoje. 

Ao fazerem ciência, não invocam « S. Marx ou S. Engels, ou S. Lenine», da mesma forma que não invocam os Santos cristãos, nem os Deuses pagãos. Têm, como pessoas cultas, conhecimento de correntes filosóficas e de religiões. Mas, na sua imensa maioria, nem escrevem sobre a relação da ciência que praticam, com a espiritualidade.  

Noutras partes do globo, eventualmente, os fenómenos serão divergentes. Eu tenho de me limitar ao que conheço melhor. Não acredito que as diversas civilizações se tenham fundido numa só, ou que esta fusão esteja em curso. Tenho observado mesmo que diversas civilizações afirmam cada vez mais as suas idiossincrasias, para fazer face ao globalismo, largamente promovido por ocidentais. 

Embora não seja uma ideologia cristã, o globalismo da nossa época, enquanto veículo de dominação ideológica, é propagado por pessoas, algumas das quais se afirmam como «cristãs» (não é senão uma capa, para elas, a meu ver).

Estou convicto de que as ideias profundas que os homens podem produzir hoje, estão radicadas na essência da humanidade, daí que não seja difícil encontrar ensinamentos de sabedoria, de espiritualidade e sensibilidade estética, em civilizações passadas, hoje consideradas «mortas». Porém, sua existência foi um passo, uma etapa, para o que a humanidade é, hoje. 

Os aspetos espirituais, têm a sua evolução própria, de certa forma, análoga com a evolução biológica. Os traços da evolução biológica não pararam nos alvores da espécie humana, pois a evolução continua aos vários níveis (genético, anatómico, fisiológico, comportamental) nos humanos do século XXI. 

A cultura e a religião, a pertença a um dado universo mental, a uma forma de compreender o Todo Universal, nada disso pode congelar, tudo se vai transformando. As formas de religião também evoluem; cabe aos contemporâneos atuar no sentido de não «deitar fora o bebé, com a água do banho», isto é, não se deixarem iludir com formas transitórias do fenómeno religioso, como se estas fossem a essência e razão de ser das religiões. 

Sou tão incapaz de descrever as formas que as religiões irão adotar no futuro, como de antever como as sociedades serão organizadas. A minha aposta, porém, é que continuarão a existir valores e que podemos procurá-los em civilizações passadas. Não posso saber quais serão selecionados, da profusão de filosofias, de formas e conteúdos, de mitos, de relatos, etc.. Mas possuo a certeza íntima de que as civilizações futuras irão guardar alguns valores, adaptando-os à sua época. 

                       Foto de ruínas do Convento do Carmo, Lisboa

domingo, 14 de agosto de 2022

CONSCIÊNCIA

 Grande parte daquilo que tomamos por informação, no nosso mundo contemporâneo, não o é. Pode ser propaganda, pode ser uma afirmação narcísica de escritores, ensaístas ou filósofos, que estejam mais virados para se apresentarem nos fogos da ribalta, do que para debater seriamente as questões. 

Verifica-se um paradoxo relativo à informação, na época em que estamos: quanto mais fácil o acesso, quanto menos esforço é necessário para adquirir e propagar informação, mais as pessoas são inundadas de lixo, o que lhes dá rapidamente uma sensação de «over-flow» e se refugiam num certo número de táticas de sobrevivência. Acabam por só serem alimentadas mentalmente com nutrientes que elas aprioristicamente consideram adequados ao seu metabolismo psíquico, com exclusão doutras correntes e autores, que se afastem do que elas consideram  ser a verdade. É um efeito paradoxal, sem dúvida, creio que Marshall Mc Luhan não o equacionou, porque ele viveu em época anterior à revolução da Internet. Mas, no entanto, enfatizou a importância do veículo, do medium, do suporte da informação. Ora, hoje em dia, a «inenarrável» leveza do ser, parafraseando Milán Kundera, leva-nos a pensar que temos todo o conhecimento na ponta do nosso smartphone. 

Na verdade, a capacidade cognitiva não é uma função linear, nem nunca o foi. Os estudantes da universidade onde estudou Lutero, em Wittenberg, nos princípios do século XVI, tinham à sua disposição na biblioteca da Universidade apenas vinte volumes amarrados às mesas de leitura para não serem roubados! Uns eram manuscritos, outros eram impressos (já se estava na «era Gutenberg»!) pois os livros, nessa altura, eram caros e raros. Mas, seriam eles uns ignaros, os estudantes desse tempo? Não, o ensino era essencialmente oral e quer nas aulas magistrais, quer nos diálogos com discípulos, os mestres não se limitavam a transmitir, mas também orientavam os estudantes. Eles tinham de aprender a raciocinar e a discorrer, de forma adequada. Estou convencido de que um aluno de universidades do início do século XVI, estava muito acima de doutores da treta que se pavoneiam nas nossas televisões ou noutras montras virtuais.

A incapacidade das pessoas em compreender a realidade, primeiro espantou-me; agora, assusta-me. Por exemplo, num assunto gravíssimo como a guerra e a paz, a maior parte das pessoas arrota sentenças sem verdadeiro conhecimento da História, seu discurso é feito de chavões, não sabe positivamente nada sobre povos, nações e civilizações «longínquos». Porém, já não existe «longínquo» em distância; esta foi anulada de várias maneiras. A distância existiu nos séculos passados, mas as pessoas tinham natural curiosidade pelo «outro». Hoje, a distância já não é física, mas simbólica, mental. 

A sociedade contemporânea está inundada por autómatos e zombies mentais, incapazes de equacionar de forma satisfatória um problema um pouco complexo, com várias variáveis, com várias incógnitas. São totalmente incapazes de se colocarem na pele do outro, de conceber como será o universo mental desse outro, aquele que vive noutra cultura, noutro contexto, diferente do deles. 

Não há pior ignorante do que aquele que não quer aprender e julga que já «sabe muito», ou que pode aprender em três tempos «tudo» sobre um assunto com uma consulta à Wikipédia, ou algo semelhante. É realmente triste, a situação de incultura galopante, de analfabetismo funcional, em que a sociedade mergulhou.

Por isso, defendo que sejamos como monges e freiras (mas em termos laicos, claro), que na Idade das Trevas mantiveram comunidades autónomas, autossuficientes e capazes de preservar a cultura. Na realidade, o que eles fizeram ao recopiar os escritos da antiguidade, incluindo de filósofos que nada tinham de cristão, foi fundamental para o Renascimento. Sem este trabalho paciente de copistas, o saber acumulado na antiguidade teria sido perdido definitivamente. 


Existe um tempo imediato, o instante, que «fagocita» o tempo longo, o tempo geracional, secular. Isto é devido à pressão enorme sobre os indivíduos em serem produtivos, mas não no sentido de produzirem verdadeiro valor. De facto são condicionados a tomarem como valor, o contrário de valor,
 «dinheiro», um não-valor, um mero símbolo fantasmagórico da mercadoria. Este culto pagão (alguns dirão satânico) ao dinheiro, faz com que as pessoas tenham ancorado no seu subconsciente que o dinheiro é algo «concreto», que é lícito fazer tudo - seja o que for - por algo «tão concreto como o dinheiro». Tal inversão de valores, no cerne do pensamento dos indivíduos, é o triunfo das forças dominantes e mesmo hegemónicas na sociedadeElas conseguiram colocar os indivíduos em posição de servidão voluntária e já não somente em relação ao «monarca» (o poder político), como no tempo de Étienne de La Boétie.

Resta-me esperar que o triunfo dessas forças, seja uma vitória de Pirro, pois quem está completamente dominado pela religião do dinheiro não compreende o mundo da moral, da ética, dos valores verdadeiros, da elevação da alma. Para os voluntariamente escravos, existe toda uma literatura que os enaltece, que se reveste dos ouropéis da modernidade e sobretudo, da pós-modernidade, em que não existe mais nada senão [ prazer- poder- dinheiro] , num ciclo fechado. Elas estão intoxicadas pelo seu ego, funcionando por impulsos, num niilismo que se traduz em comportamentos hedónicos. A droga egolátrica é a droga mais potente que se possa conceber, pois mantém os adictos na ilusão de realidade, na ilusão de potência, de plenitude. 

Este estado de coisas convém aos senhores que dominam a população escravizada. Mas mulheres e homens livres têm muito maior potencial e capacidade de construir no longo prazo. Porque, se estiverem associados com base nas necessidades reais da vida e de como as satisfazer, aqui e agora, com trabalho e com dignidade, com esforço e com recompensa merecida, então estão muito mais capazes de manter e propagar sua cultura (e também os seus genes), do que os zombies  teleguiados pela manipulação da «realidade virtual» na qual habitam. 

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

[Dr. Callum Nicholson] CULTURA EM CRISE: O que o COVID-19 revela em relação ao Ocidente

Culture in Crisis: what the COVID-19 pandemic reveals about the West and its prospects

 A conferência, no Danube Institute (Budapeste) por Dr Calum TM Nicholson pareceu-me muito apropriada para encerrar este ano de 2021. O conferencista aborda as questões com profundidade, num inglês puro (podem accionar as legendas automáticas em inglês). Vale a pena!

terça-feira, 20 de outubro de 2020

A 250 ANOS DO NASCIMENTO DE BEETHOVEN

                   Valentina Lisitsa - Sonata nº17 Op. 31 No.2 «A Tempestade»  [*]


 A 250 anos do nascimento de Beethoven, estou um bocado triste. Porque me parece que a cultura europeia, da qual ele é um expoente, está em franca involução, para não dizer que se tornou um pálido e fantasmagórico reflexo da civilização centrada no continente europeu. 

Se isto significasse que a mesma civilização está a definhar, mas que outras civilizações se ergueram entretanto e tomaram a dianteira, óptimo! Não sou eurocêntrico, nem na cultura, nem no resto.

Mas, para grande pena minha, verifico que existe uma preocupação maior em cultivar a música europeia, dita clássica ou erudita, nos países do extremo-oriente asiático, do que -propriamente - em países ditos «ocidentais». Estes incluem EUA,  Canadá, Austrália, Brasil... ex-colónias britânicas, espanholas, francesas e portuguesas. 

O movimento de destruição dos vestígios do passado, a que se tem assistido nos EUA, impulsionado por forças obscuras, em franca contradição com supostas filiações ideológicas (**), não nos deixa agoirar nada de bom para o futuro deste país e doutros. Muitos têm estado sob influência e tentam imitar tudo o que vem dos EUA. 

Durante mais de meio século, nos EUA e na Europa Ocidental, foi-se propagando, porque convinha aos poderes, uma cultura de irresponsabilidade, de promoção/sedução da juventude, com intensa propaganda comercial de toda a ordem, da música mais abastardada, aos adereços de moda, erigidos em padrão identitário geracional. Com isso, os senhores do poder, não apenas reservavam lucros fáceis, como alimentavam a ilusão dos jovens estarem a manifestar  irreverência, revolta, e não a consumir determinados produtos

A promoção dessa «cultura jovem» pelos mesmos que eles odiavam e desprezavam, enquanto burgueses exploradores... deveria tê-los feito sobressaltar. Mas, estas formas inócuas de manifestar suas diferenças, estavam radicadas somente num sentimento de frustração, sem uma análise das causas profundas das disfunções sociais, na sua base.

O triunfo, além Atlântico, da visão anti-classista, anti-progressista, que consiste em arrumar as pessoas em categorias estanques, faz o jogo dos poderosos. Além de dividir o povo em inúmeras categorias identitárias (falsas), impede-os de ver a realidade em frente: muito poucos se interrogam «em que consiste realmente a opressão e que origem tem essa mesma opressão?»

 Os que dominam o discurso da media, querem que as pessoas, incluindo as mais esclarecidas, fiquem confusas.  Impõem o discurso deles, a narrativa deles, excluindo ou distorcendo - até à caricatura - qualquer outra visão e análise que entre em contradição com a sua propaganda. 

Estamos já num universo totalitário. O totalitarismo dito «soft» da nossa época, consiste em deixar os dissidentes discursar no quase vazio, na ausência de meios para difundir sua mensagem: bem podem falar no «Speakers Corner» de Hyde Park, ou algo equivalente, no universo da Internet, mas... o grande público nunca os ouvirá, pois está colado/condicionado ao que consideram «bonito» (cool), ou na moda (trendy). Estão condicionados pelos que controlam as «redes sociais» (social networks) e grandes empresas de comunicação (media mainstream). Ambas são propriedade de um número muito pequeno de multi bilionários.

Estar «fora de moda», gostar realmente de Beethoven e de outros, é - hoje - uma forma real de dissidência. Porque, para se apreciar música clássica, deve-se ter aperfeiçoado a sua instrução musical e continuar a fazê-lo. Além disso, é preciso cultivar o conhecimento, não apenas dos sons, como do contexto civilizacional que os produziu. Ter este comportamento durante a vida inteira, não é um capricho de seguir uma moda. 

As pessoas ignorantes do passado, em todos os sentidos, são as mais manipuláveis, pois os poderes podem facilmente iludi-las. O aligeirar da história, da filosofia e mesmo da língua, enquanto expressão rigorosa e subtil dos pensamentos e sentimentos, tem-se verificado nos programas do ensino básico e secundário.   Isto é demonstrativo de que a cultura, a verdadeira, a viva ... é correctamente percebida como um perigo pelos poderosos.

Se eu fosse compositor, escreveria uma sinfonia: Uma sinfonia que começasse com um instrumento solo, por exemplo uma flauta, para se irem juntando outros instrumentos, variando  e transformando, até ao infinito, o tema do início. 

Faria empréstimos a grandes compositores do passado: não disfarçaria a utilização dos seus temas, evocando-os enquanto homenagem aos mestres do passado e às épocas em que viveram. 

Num tempo destes, é revolucionário preservar o passado, sob todas as formas, em todas as artes!

Manuel Baptista

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[*] Para mim, é impossível escolher uma peça de Beethoven, sem sentir que estou a fazer injustiça a várias outras, que são, no meu gosto subjectivo, tão notáveis e tão preciosas como a que escolhi. 

(**) Nem Martin Luther King, nem Malcom X, nem Franz Fanon, nem Marx, nem Bakunin, nem Malatesta, nem Gramsci...etc. nada têm a ver com isso!


quarta-feira, 21 de novembro de 2018

NÓS, OS PEQUENOS DEUSES (Nº4)

[ver artigos anteriores nº1, nº2, nº3]

Embora eu use, por vezes, um vocabulário comum em autores marxistas, não o sou, pois não considero existir uma direccionalidade, um sentido da História. Para a minha forma de pensar, bem mais úteis do que as categorias teóricas marxistas, são a teoria do caos, a termodinâmica dos sistemas abertos e a antropologia, aplicadas nas análises das sociedades contemporâneas.

Com efeito, não existe imutabilidade do humano. Não existe uma «natureza humana» imutável. Por mais que se diga, a natureza do Homem de Cro-Magnon, embora totalmente «moderno» na sua anatomia, não é a mesma que o homem dos períodos históricos. Atrevo-me mesmo a dizer que o homem de depois da revolução informática não é exatamente o mesmo que o homem das épocas anteriores.

No entanto, existem constantes antropológicas, existem aspetos psíquicos que se traduzem em comportamentos visíveis (ou retraçáveis pelos arqueólogos) cujo fundamento profundo tem a ver com nossa pertença ao grupo dos primatas antropoides. 

O estudo das espécies símias é de grande valor para compreensão da espécie humana. Com efeito, observamos nestes animais comportamentos originados por forças internas cuja manifestação nos humanos é semelhante, apenas com uma sofisticação maior. Nomeadamente, os seus comportamentos em sociedade, revelam o seu parentesco com a nossa espécie. Aqui, não se trata de projeção antropomórfica, de interpretação subjetiva que os cientistas façam de comportamentos não-humanos.

O entorno material e social, do animal e do homem, são decisivos na construção do sentido de todos os seus gestos, de todas as reações e comportamentos. Assim, o organismo, como totalidade, vai ter uma resposta, dentro do contexto em que está imerso. Esta resposta, que define o comportamento social, tem um valor de sobrevivência. Ao contrário de que alguns possam pensar, a importância em termos de sobrevivência do comportamento, acentua-se com a artificialidade do meio, do entorno imediato do indivíduo.

Ao criar «cultura», uma redoma artificial que o separa dos perigos e carências, que são o desafio quotidiano do animal selvagem, o homem cria também um ambiente completamente novo, ao qual terá que se adaptar. A seleção social torna-se muito exatamente o substituto da seleção natural: Na seleção natural, as forças às quais o ser vivo se confronta, são primariamente originadas «externamente», pela natureza físico-química e pelos outros seres vivos. Na seleção social, o entorno é moldado por uma teia de relações sociais, tão densa e sofisticada, quanto a complexidade dessa mesma sociedade.

Nesta perspetiva, o meio em que evoluiu o ser humano condiciona-o de uma maneira indelével. A ficção de se transportar imaginariamente para os nossos dias, um bebé de há cinquenta ou cem mil anos atrás e de imaginar que, integrado numa família, na sociedade contemporânea, ele evoluiria e se tornaria indistinguível de outras crianças da sua idade, é justamente …. uma ficção.

Conhecem-se vários casos de pessoas provenientes de culturas de caçadores-recolectores forçadamente, transportadas para a «civilização» (fenómeno que ocorreu muitas vezes na expansão dos europeus no século XVI e seguintes). Eles foram exibidos como se fossem uma espécie diferente, como animais de zoo. As pessoas contemporâneas ficam chocadas com a crueldade dos «civilizados» no século XIX, que assim trataram homens e mulheres, caçadores-recolectores, os Bosquímanes da África austral, aborígenes australianos, etc…
Porém, a um nível mais profundo, devemos ter a noção de que, embora se trate da mesma espécie humana, esta tem uma grande adaptabilidade coletiva a um certo viver, a um certo entorno natural e social.
Os índios do Amazonas, que nunca estiveram em contacto com «civilizados», ou outros grupos de caçadores-recolectores, têm maior capacidade de se auto- sustentar, de sobreviver e de prosperar, em contextos onde um grupo «civilizado», atirado de paraquedas, ficaria dizimado e extinto pela fome, pelas doenças, pelos ataques de animais selvagens…
Para qualquer espécie, a capacidade de adaptação tem limites, pois qualquer espécie foi «ensinada» pela evolução a interpretar o ambiente (os sinais vindos do exterior) de determinada maneira, a dar determinadas respostas perante certos desafios, etc. Portanto, a capacidade do ser humano evoluir num ambiente cada vez mais artificial e sofisticado, também foi sujeita a seleção ao longo de muitos séculos. Os humanos com maior flexibilidade e adaptabilidade ao meio social complexo, foram os mais bem-sucedidos ao longo de milhares de gerações e isso condicionou a história da humanidade, desde os seus alvores.
O que se tem tendência a esquecer é que, numa evolução adaptativa, enquanto certos traços se reforçam, outros se atenuam ao ponto de desaparecer. Como espécie essencialmente social, não interessa tanto analisar as performances individuais dos humanos, mas sim os seus desempenhos em contexto social, de grupo, em comunidade. O ser humano contemporâneo, mergulhado na sociedade que lhe é própria, pode ser muito eficaz, brilhante mesmo, desenvolvendo os seus talentos e relacionando-se com sucesso, ao nível social. Mas, o mesmo é completamente incompetente – como uma criança – se for mergulhado, repentinamente e sem preparação prévia, noutra sociedade, por exemplo, num meio rural, já para não falar da sociedade de caçadores-recolectores.
A minha hipótese é de que se deve aplicar a teoria da evolução e seus conceitos associados, à análise das sociedades contemporâneas. Não o faço no sentido reducionista e simplificador, como o fizeram várias ideologias que se serviram do darwinismo, aliás deformando completamente o pensamento original de Darwin. Coloco, porém, a hipótese complementar de que a evolução cultural se tenha tornado o motor principal da evolução da espécie humana, embora não anulando, nem atenuando, a evolução biofísica, bioquímica, anatómica, fisiológica… mas, sendo os componentes culturais que agora determinam todos os restantes, incluindo os «orgânicos».
Por exemplo, a seleção natural será inflexível em relação a organismos portadores de mutações debilitantes. Muitos não chegarão à idade adulta, praticamente nenhum se reproduzirá… assim, não haverá propagação de genes defeituosos nessas populações.
O contrário passa-se nas populações de hoje: o aumento da incidência de doenças genéticas, como a hemofilia, o diabetes, etc., etc., é perfeitamente detetável. Se, por um lado, podemos considerar que é um bem haver maneira de se tratar e manter em vida pessoas com doenças que – na ausência de medicina sofisticada – estariam condenadas a morrer cedo, por outro, devemos interrogar-nos como fazer em termos coletivos. 
Constata-se que, hoje em dia, é aceite nas sociedades mais afluentes, um eugenismo e não apenas no sentido de eliminar traços genéticos claramente negativos, debilitantes, mas também no sentido de obter uma descendência que corresponda a uma imagem idealizada, projetada pelos pais. Este eugenismo pode facilmente evoluir para as formas mais abjetas de comportamentos racistas e de exclusão dos «fracos», «inadaptados», etc. Tal deriva não está dependente, nem das técnicas de manipulação da vida, nem de legislações restritivas, relativas a como usar (ou não) essas mesmas técnicas. Sabemos que, no regime nazi, as condições técnicas de manipulação dos humanos eram muito menores que hoje e, no entanto, foram aplicados, de modo generalizado, os princípios racistas de seleção na espécie humana. 
O principal obstáculo será sempre de ordem moral, de consciência dos humanos: Por outras palavras, de auto- limitação na aplicação de um saber técnico, cujo resultado possa originar piores problemas, do que aqueles que pretenda remediar.

Contrariamente ao período de há cerca de 75 mil anos atrás, em que houve quase extinção da espécie humana, num período de arrefecimento e de escassez de alimentos, como resultado da explosão de um super- vulcão, a ameaça de extinção agora é devida à multiplicação desordenada dos humanos e simultânea escassez de recursos alimentares, causada por uma atitude depredatória em relação aos solos, aos oceanos, aos ecossistemas, que são a sustentação da vida de todas as espécies e da vida humana, em particular, neste planeta.
Um tal processo pode arrastar-se durante milénios, eventualmente, mas a questão fundamental e à qual ninguém consegue cabalmente responder, é a seguinte: Qual o nível mínimo de biodiversidade, que permita o restauro completo dos ecossistemas naturais, após degradação dos mesmos?
- Sabemos que a floresta tropical-equatorial não se consegue auto- regenerar facilmente, quando é muito explorada, quando vastas áreas são desflorestadas para obter madeiras, ou outras matérias-primas. Até mesmo, quando se deixam «ilhas de floresta não depredada», um repovoamento por espécies autóctones não ocorre. A razão disto, tem a ver com mudanças irreversíveis no solo e nos micro- climas, afetando as condições de germinação de plantas nativas e devido também à competição com espécies «oportunistas», que aproveitam as condições criadas pelo desbaste, para se multiplicarem rapidamente e dominarem.
Como cada espécie que se extingue, é uma experiência da evolução biológica que fica irreversivelmente cortada, não poderá haver uma depredação em larga escala, como há agora, sem consequências no longo prazo. 
O empobrecimento dos ecossistemas pode estar na origem de muitas situações, que já trazem consequências graves, atualmente. O sistema é de tal maneira complexo, que não conseguimos equacionar essa complexidade. Efeitos que parecem, à primeira vista, pontuais podem trazer consequências numa escala muito alargada. O clima e os ciclos climáticos podem ser afetados. 
Outras consequências com efeitos catastróficos podem observar-se: o alastramento de doenças epidémicas a novas zonas, onde antes só havia uma presença esporádica.
O que é crítico - no longo prazo - será a reversão para um estado que permita a sustentação do ecossistema planetário, onde o consumo de recursos seja contrabalançado por sua renovação ou reciclagem. 
 Antes da espécie humana se tornar um fator de grande peso no funcionamento dos ecossistemas, estes tinham a capacidade própria de se regenerarem, de reequilibrarem as populações das diversas espécies. Havia momentos com perdas súbitas, por exemplo, por ação de um tufão ou duma erupção vulcânica, mas essas perdas eram rapidamente compensadas. 
A depredação causada pelos humanos é - pelo contrário – de efeitos muito mais duradoiros, em geral.


Não devemos contar com uma consciência planetária global e generalizada, da parte dos humanos, mesmo das elites. Tal não se verificou no passado. Duvido que se venha a manifestar no futuro.
Os cenários futuros possíveis são muitos mas, afinal, resumem-se a dois: 

-A extinção da espécie humana, devido às depredações constantes do ambiente,

-Ou a sobrevivência da nossa espécie, após uma fase de transição, havendo salvaguarda dos equilíbrios ecológicos globais e possibilitando a regeneração de zonas anteriormente depauperadas pela sobre-exploração.

domingo, 6 de agosto de 2017

PENSAMENTO CRÍTICO



É realmente paradoxal verificar-se que, na época em que se dá uma explosão das tecnologias de informação, as pessoas sejam tão pouco e sobretudo tão mal informadas. 

O que passa por informação e por cultura é, quase sempre, ao nível dos mexericos, das frases feitas, dos slogans; não tem nada que ver com o trabalho interior da pessoa que reflecte, que assimila verdadeiramente, ou seja, faz suas as palavras e ensinamentos dos grandes mestres. 
Aliás, as pessoas só estarão aptas a exercer um papel verdadeiramente crítico, de leitores críticos, das obras dos seus contemporâneos, quando realizam o tal «trabalho interior».

Em qualquer domínio, somos confrontados essencialmente com o mesmo fenómeno. Descrevo abaixo alguns exemplos:

- Na música pop, sucedem-se vertiginosamente «celebridades», fabricadas por máquinas mediáticas, como meros produtos lançados no mercado à custa de campanhas publicitárias. 
Estas mesmas «celebridades», que ocupam agora as primeiras páginas dos jornais, ou os primeiros planos das notícias televisivas, dentro de meses ou, no máximo um ou dois anos, estarão relegadas para um lugar perfeitamente secundário, quando não completamente esquecidas. 

-  A política tornou-se uma espécie de corrida para a fama, para a popularidade. Todos os partidos e agrupamentos políticos, por esse vasto mundo, embarcaram nessa maneira de fazer política.
A dimensão de «pedagogia cívica» desapareceu completamente. Ela pode ser invocada ao nível do discurso, mas a prática é exactamente o contrário disso: chame-se endoutrinamento, propaganda, «public relations», o facto é que os partidos políticos se transformaram em gigantescas máquinas de caçar votos e dinheiro.  
O dinheiro e o poder são as duas faces da mesma realidade. Os estados-maiores que estabelecem as linha-mestras das campanhas eleitorais constroem o discurso que mais agrade ao eleitorado. Esta construção e difusão beneficia das contribuições pecuniárias, nada desinteressadas, de pessoas e de empresas interessadas em influir nos eleitos. 

- Ao nível da transmissão, os saberes académicos, sobretudo em áreas sensíveis para o exercício do poder político/económico, como economia, sociologia, e outras ciências sociais e humanas, mas também nas ciências «duras» (física, química, biologia, etc...), estão fossilizados. Só se ensinam teorias «consensuais», não havendo realmente espaço de difusão do conhecimento de outras formas de teorizar, de construir um discurso científico. 
Quaisquer tendências críticas são postas à margem pelos que ocupam lugares de poder dentro da academia. 
Este exercício do poder, nas esferas do conhecimento, tem como corolário que a grande maioria das pessoas que frequentam estudos e se diplomam têm um pensamento perfeitamente estereotipado, convencional, nada propício a «rasgos de génio». São pessoas que meramente repoduzem o que assimilaram: as formas de pensar, de estar na vida, de encarar os problemas sociais, totalmente convencionais. 

Poderia dar outros exemplos, mas penso que estes acima já são suficientes para o leitor ajuízar e procurar por si próprio, observando à sua roda. 
É certo que existem múltiplos casos, que ilustram como as coisas funcionam verdadeiramente nesta sociedade. 

Face a esta situação generalizada, a minha resposta tem sido a de construir pequenos ilhéus de  pensamento crítico, de diálogo e intercâmbio sem fronteiras. 
Claro que estes espaços reais e/ou virtuais são obra colectiva. Logicamente, não estou isolado a realizar esta tarefa. Não pretendo liderar aqueles que comigo têm participado, ao longo dos anos, nesta construção. 
Porém, parece-me importante chamar a atenção para um aspecto da questão, às vezes descurado: tenho visto que muitas pessoas, ao pretender agir no âmbito social, falham porque não têm um propósito claro, bem estabelecido, bem amadurecido. 
No meu caso pessoal, o meu combate essencial, em vários domínios de intervenção social, política (e, mesmo, no domínio da teoria) tem sido o de abrir espaços de discussão livre, de diálogo desinibido, de construção colectiva de um saber crítico, aplicável no quotidiano das pessoas. 
Desde há décadas que tenho este propósito, embora talvez não o tenha confessado nunca, tão explicitamente. 
Seja este ou outro qualquer, o que me parece importante é que as pessoas tenham um propósito claro naquilo que fazem. Podem não o explicitar para o exterior, mas devem fazê-lo para si próprias.