Muitas pessoas estarão de acordo em considerar a liberdade de opinião como pilar essencial das nossas sociedades ocidentais. Neste momento, desenvolve-se uma cruel e seletiva caça à dissidência, que tem como vítimas jornalistas, escritores e outras figuras públicas conhecidas, respeitadas e apreciadas. Perante isto, nota-se uma indiferença da cidadania e um olhar para o lado de pessoas metidas na luta política (leia-se política = meios de alcançar o poder). Não só são passivos perante esses crimes, como perante os crimes que justamente foram denunciados pelos dadores de alerta (Assange, Snowden, etc, etc). Dessa forma, estão a dar cobertura aos senhores do poder, que irão «tratar-lhes da saúde», assim que tiverem a situação inteiramente sob controlo.
Parece que muitos dos intelectuais dos países ocidentais ignoram os escritos de Hannah Arendt, e de muitos outros autores importantes, sobre a ascensão dos totalitarismos. Para mim, não é surpresa que os neoliberais os ignorem, quer no sentido de nunca os terem lido, ou de terem esquecido por conveniência (oportunismo) esses escritos fundamentais de reflexão em filosofia política. Mas, choca-me ainda mais que pessoas com elevadas credenciais académicas e culturais se comportem «como se» ignorassem tudo sobre a natureza dos sistemas totalitários, as suas manhas para subverter por dentro as democracias, etc. Será possível que esqueçam os contributos de Hanna Arendt, de Bertolt Brecht ou de Soljenitsin e de muitos outros, que seria demasiado longo citar?
O problema não é ter-se mais ou menos conhecimento: é muito mais central e premente. Tem relação com a dignidade e a coragem do ser humano; dizer-se «não colaboro, a minha consciência não mo permite»; ou «já não posso continuar sem fazer nada, como se nada houvesse, ou como se isso nada tivesse que ver comigo e com a sociedade em que vivo».
Eu compreendo melhor, agora, o desespero de Stefan Zweig, que o levou ao suicídio quando pensou que os nazis iriam vencer a II Guerra Mundial. Ele não queria viver num mundo assim. Também o existencialismo de Albert Camus, que teve a coragem de contribuir ativamente para a Resistência francesa durante a IIª Guerra Mundial. Não cito aqui muitos outros, que merecem a nossa homenagem e são exemplos de dignidade humana e de elevado valor moral.
A minha postura pode ser considerada estranha, face ao tempo em que vivemos. Pois eu sou testemunha, mas não participo nesta cultura hedónica, materialista (no sentido de procura dos bens materiais), de adoração do poder, do dinheiro, do «estrelato»... que é hoje o substrato cultural da maioria das pessoas.
Mas, isto não acontece por acaso. Note-se que - por enquanto - o ensino nos países ocidentais não veicula estas ideologias - pelo menos, de um modo explícito. As religiões correntes nestas paragens (a cristã, mas também as outras), não encorajam, até condenam explicitamente, esta adoração do vitelo de ouro.
Penso que a influência da comunicação social de massas é avassaladora e impregna, ao nível subconsciente, quase todas as pessoas: isto inclui, obviamente, pessoas inteligentes e de elevado nível cultural. Por isso, os verdadeiros donos deste mundo querem ter o controlo da media, sobretudo das redes sociais, como temos visto nos casos de Elon Musk, Marc Zuckerberg, etc.
A cultura das pessoas em Portugal tornou-se quase uniformemente ocidentalizada, assimilando a cultura anglófona, em particular a dos EUA, sob todos os aspetos; desde a música pop-rock, às modas de linguagem - a utilização do inglês no comércio e publicidade - aos valores ideológicos e aos modelos comportamentais das «stars».
Por contraste, vai aumentando a ignorância do que seja português, ibérico, e de tudo o resto que não seja anglo-saxónico, mas europeu ou extraeuropeu. Isso faz com que tenham «uma vaga ideia», no melhor dos casos, das produções e personalidades que marcaram as outras culturas.
Não sou parcial, não tenho qualquer ódio e raiva aos americanos e ingleses, nem à maioria dos intelectuais, homens e mulheres com elevado padrão moral, além de talento. Eu aprecio a coragem de alguns jornalistas, ensaístas e políticos, dos EUA, como Chris Hedges ou como Paul Craig Roberts (e muitos outros).
Criticar o imperialismo e a repressão aos «de baixo», não me afasta (ideológica e eticamente) deles; pelo contrário, isso aproxima-nos. O que há de bom na cultura anglo-saxónica, é por mim reconhecido, tanto em relação ao passado, como ao presente. De facto, o combate pela liberdade atravessa fronteiras geográficas ou físicas, mas também de cultura e ideológicas.
A censura não é um «problema de intelectuais», porque o próprio âmago da liberdade está aqui em causa, a liberdade de todos; sejam de esquerda, ou direita; radicais ou conservadores; crentes ou ateus, etc...
O autor, dramaturgo esquerdista, é acusado por tribunal de Berlim de «propaganda nazi»!
Se alguns são amordaçados por causa das suas ideias, daquilo que pensam e escrevem, então, qualquer um de nós pode também ser, de um momento para o outro. Estamos todos ameaçados. Estou convicto disso: a realidade tem trazido, ultimamente, imensas provas em apoio desta convicção.