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domingo, 27 de junho de 2021

O SILÊNCIO FÉRTIL

Ele tem espessura, tem vibração. É um momento eterno de escuta interior.

Outros sons podem ouvir-se à distância, mas o cerne do meu ser está recolhido no silêncio. Depois, é como uma ave que levanta voo.

Estamos prontos para agir, para fazer qualquer coisa, mesmo que isso seja um percurso imaginado nos neurónios do cérebro. Fazer e pensar são a mesma coisa; quando penso estou a agir, não existe praticamente nenhuma diferença: O cérebro, este é que decide - consciente ou inconscientemente - o que é, o como, o quando, o quanto, a ação deverá ser.

O movimento interno do cérebro é real, se eu pensar que estou numa corrida; e isto, de forma bastante parecida com uma corrida de verdade. É estranho, mas faz todo o sentido. Se não houver representação de um ato, como é que ele pode ser desencadeado e sustentado no tempo?

Por isso, eu me refugio no silêncio, algumas vezes. Não preciso de estar em postura de lótus, ou noutra qualquer. Estou atento ao que se passa dentro de mim, simplesmente. Estou ouvindo o meu ser. Não preciso de pensar, nem de reprimir qualquer pensamento que me ocorra.

Em muitas ocasiões estes momentos são frutuosos, pois me dão o compasso. A música do pensamento precisa do compasso, da batida, de marcação do ritmo.

Os meus sentimentos e pensamentos, todos eles, desprendem-se das camadas mais profundas e sobem à consciência, como uma bolha de gás que se desprende do fundo de um charco e sobe à superfície.

Não é necessário eu estar constantemente à escuta de mim próprio, felizmente. Só em certos momentos: Quando preciso de me recentrar. Quando preciso de retomar uma postura de serenidade atenta, que me permite encarar as situações, sejam elas quais forem.

Estar no «aqui e agora». O silêncio tem de se fazer, para darmos início a um discurso ou a um canto. Mas, também para realizar qualquer outra coisa que precisa de ser feita com concentração.

Isto, que acabo de escrever é um pálido reflexo da realidade: o discurso não é uma boa forma para se chegar ao silêncio interior.

Mas, é verdade que o silêncio é a boa forma de se iniciar um discurso - exterior ou interior - verbal ou não verbal, diálogo comigo próprio ou com os outros.

Também a palavra escrita precisa de respiração. Também ela precisa de fazer pausas, para o conteúdo sobressair, para ser inteligível ao leitor. E este, do mesmo modo, tem de fazer um silêncio interior, para poder captar o sentido do que está lendo.

A nossa «não-civilização» está permanentemente poluída com ruído. As pessoas estão imersas num ruído que lhes enche o «ouvido interior». É uma forma de poluição muito séria, pois nunca, ou quase é reconhecida como tal. Mas, os seus efeitos são devastadores.

A mente precisa de silêncio, para poder centrar-se numa tarefa, seja ela a leitura de um livro, seja uma atividade dita «manual», pois não existe atividade manual ou física que não seja sensual, mental e espiritual, ao mesmo tempo. O facto de não o reconhecermos, é uma forma de bloqueio, que nos impede de focalizar as nossas energias.

Fazer algo de modo aplicado, concentrado, é um exercício espiritual. Pensar, é uma atividade física. Não existe pensamento sem despesa energética, com todas as ligações que se estabelecem ou se quebram, entre neurónios ou dentro deles, ou com outras células do corpo. São trocas de energia e de informação. Qualquer troca de energia é bioquímica, é uma transformação molecular, é «material».

Gosto de comunicar com os outros, mas isto torna-se - por vezes - complicado, porque há uma dificuldade maior, hoje em dia, das pessoas se entenderem. Creio que o problema reside na ausência de treino para ouvir o outro: Algo que deveria ser exercitado, desde pequenino, de uma forma natural, não formal.

No silêncio do meu estúdio, escrevo as reflexões que eu acho pertinentes. Depois, com uma série de leituras do meu escrito, faço correções que vão desde os aspetos formais, até modificações substanciais, retirando ou acrescentando conteúdo. Posso tentar um «diálogo interior» na rua, ou em qualquer outro lugar, mas não consigo mais do que faíscas, laivos de ideias: Ideias não completadas, como esquissos, que precisam de ser trabalhados para se tornarem obra, ou parte dela.

A coisa mais preciosa na vida, talvez seja a nossa capacidade de comunicar, de forma significativa com os outros e connosco próprios, também: É uma arte que tem de ser aprendida e praticada.

Nós temos de estar atentos ao(s) outro(s), às suas reações, quando falamos. Temos de estar atentos ao nosso ser íntimo, quando pensamos, quando nós falamos connosco próprios: Isto é o que se chama meditação, em filosofia, seja ela oriental ou ocidental.

Se algum guru te disser que meditação, é fazer o vazio, está - simplesmente - a iludir-te. Ele pode estar - ele próprio - iludido, pode não ser com má intenção da sua parte. Mas o facto permanece; há uma confusão.

O silêncio é necessário para se dar a emergência da palavra exterior (discurso) ou interior (meditação). O silêncio não é o vazio, pois é vibrante, é denso, é chão de criatividade. É propiciar as condições para ouvir e ser ouvido por outros; ou para nos ouvirmos a nós próprios. Sem o silêncio interior, não há reflexão, não há pensamento filosófico possível.