Concertos de Vivaldi, transcritos para cravo
por J.S. Bach
Sempre fui adepto de Vivaldi, desde que me conheço. A sua música é penetrante pela melodia endiabrada ou de pathos contido; suas orquestrações deixam-nos sempre agradavelemente surpreendidos. A sua criatividade é imensa, como imensa é a sua obra. Nunca me deixa indiferente. Tenho de confessar que a sua música foi, é, e será sempre o meu grande amor. Mesmo que não seja exclusivo, é uma espécie de âncora para nós podermos mergulhar no universo do barroco. Todos os grandes compositores tinham as suas fórmulas de sucesso. Tinham alguns processos de composição que gostavam de usar sistematicamente. O caso de Vivaldi não difere, neste aspecto, do de Haendel ou Bach. Porém, a capacidade do público erudito apreciar Vivaldi dependeu - em primeiro lugar - do renovo de interpretação da música barroca. Sem este renovo, a música de Vivaldi não soa com todo o seu brilhantismo, como uma joia que fosse encaixada em moldura de baixo valor. Só com a maturidade desse movimento de renovo do Barroco, foi possível finalmente, que o grande público honrasse Vivaldi e a sua imensa produção ao mesmo nível dos maiores génios do barroco, Haendel e Bach. A «boutade» de Stravinsky, de que Vivaldi seria «um compositor que reescreveu 555 vezes o mesmo concerto» , embora tenha piada não é apenas maldosa, é completamente injusta. Para prova da injustiça desse juízo, basta escutar a enorme diversidade estilística e temática, presente no álbum de Enrico Baiano. Este consiste em reduções para cravo de vários concertos para violino e orquestra de arcos, concertos que se tornaram muito célebres em toda a Europa.
Muito célebres transcrições, tanto para cravo, como para órgão, fez Bach dos vários concertos aqui apresentados, pelo que o especialista poderá comparar com proveito as versões para cravo às partituras para orquestra de cordas.
A prática da transcrição para instrumentos de tecla era comum na época barroca e foi usada por Bach como forma de assimilar o melhor da música italiana, não apenas Vivaldi, como Benedetto Marcello, Albinoni e outros mestres.
A criação barroca não estava estritamente ligada a um determinado conjunto de instrumentos: a orquestração era deixada ao sabor dos interpretes. A maioria das composições era interpretada por pequenas capelas musicais, dependentes de um príncipe, ou de um rico mecenas, mas com uma composição nada fixa. Os compositores estavam naturalmente conscientes dessas limitações e sabiam que as composições poderiam ter várias leituras, várias instrumentações, sem considerar isso uma «traição» ao espírito da obra. Assim, os baixos contínuos eram sempre improvisados, os ornamentos, das linhas melódicas solistas, muitas vezes deixados ao gosto do intérprete, que deveria doseá-los de acordo com a música e também com o instrumento solista empregue. Na ópera, o canto pressupunha, da parte dos célebres solistas, uma ornamentação elaborada da linha melódica.
A forma concerto que foi utilizada durante mais de dois séculos, teve origem na escola italiana e em particular veneziana, dos músicos compositores/interpretes para violino. O concerto com instrumentos solistas, tornou-se depressa a forma predominante. No concerto «grosso», em que a orquestra é responsável pela peça na sua totalidade, há lugar para um «concertino», ou seja, um grupo restrito de músicos, enquanto o «tutti» tem como função formar o substrato harmónico e expor os temas principais da peça.
Não me canso de ouvir estes autores barrocos, em especial Vivaldi. Todo o período é servido por gravações com diversos interpretes, muitos em instrumentos originais ou em cópias de instrumentos da época. Como não existe uma norma universal para interpretar Vivaldi ou Bach ou outros barrocos, podemos encontrar exemplos de gravações bastantes diferentes no pormenor, mas com igual qualidade quer estilística, quer técnica.
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