Considero irónico que seja alguém como Egon Von Greyerz, um gestor de armazenamento de ouro de grandes fortunas, na Suiça, que nos venha mostrar de forma clara e inequívoca, no artigo «Num mundo ilusório, é o ouro que fala verdade», a inanidade do pensamento económico contemporâneo, a criminalidade dos que gerem os nossos destinos e a obscuridade em que nos deixa a media corporativa!
A realidade é a coisa mais difícil de se reconhecer, especialmente quando se tem sido toda a vida condicionado por um conjunto de crenças, alicerçadas em práticas sociais, em pseudo-ciência, em coação também; em suma... a pensar-se dentro do rebanho.
Porém, há verdades evidentes que acabam por furar a redoma de ilusão na qual é mantida a sociedade, para benefício de alguns poucos e para grave prejuízo da imensa maioria.
Uma das ficções mais persistentes que a nossa sociedade tem suportado, e que está agora a ruir, é a do valor do papel-moeda.
Com efeito, as moedas de todos os países, estão (desde há cerca de 45 anos) adossadas em nada mais que à promessa do governo respetivo que a emitiu, em reconhecer e aceitar esse papel impresso, como forma válida dos cidadãos pagarem as suas dívidas, nomeadamente ao Estado, sob forma de impostos, taxas, etc.
Estão hoje em dia à vista os malabarismos decorrentes deste extraordinário postulado, que seria extravagante, não fosse ele suportado pelos muito reais e materiais meios de coerção que os Estados possuem para obrigar os cidadãos a cumprir com as suas obrigações fiscais.
No entanto, os que estão a destruir a moeda-papel, são - nada mais, nada menos - que os próprios bancos centrais e os Estados respectivos.
Com efeito, a impressão monetária (quer se chame QE = quantitative easing, ou outro nome) constante e em grandes quantidades, vai parar às contas da banca, supostamente «demasiado grande para ir à falência», não da economia comum, do dia-a-dia. Este dinheiro é também responsável pelo inflacionar de bolhas, sobretudo nas bolsas e no sector financeiro, embora as pessoas comuns possam notar mais isso no imobiliário, pois vai inviabilizar o seu acesso à habitação, sob forma de casa própria, ou de aluguer.
Como é evidente, o papel-moeda em si mesmo, vale - na medida e somente na medida - em que as pessoas lhe atribuem e reconheçam valor. O valor facial ou nominal de uma nota bancária não é mais do que uma unidade de contabilidade. O valor reside na capacidade ou potencialidade desse bocado de papel ser trocado por outras coisas.
Ora, as pessoas trabalham por esses bocados de papel porque sabem que estes lhes permitem comprar os bens e serviços indispensáveis para si e para suas famílias, sem o que é evidente que não se incomodariam a trabalhar longas e penosas horas, cinco dias por semana (ou mais) para «um papel sem valor». É aqui que nasce o duplo paradoxo:
- a atribuição (universal) de valor a algo que não tem intrinsecamente nenhum; algo que pode ser fabricado a custo zero pelo Estado; o dinheiro-papel é um símbolo.
- mas símbolo de quê, da equivalência ao trabalho, directamente ou indirectamente, investido na obtenção desse tal papel colorido?
Afinal, essa era a tese de Marx, de que o dinheiro é apenas uma forma «congelada» e condensada de capital, resultante do trabalho. Com efeito, esse tipo de relação com o dinheiro está inegavelmente presente nas sociedades contemporâneas. A imensa maioria precisa de trabalhar para obter a quantidade suficiente dessas unidades, às quais é atribuído valor (é quase magia) para aquisição de bens e serviços.
Porém, a esta forma de obter dinheiro, por transformação de trabalho em mercadoria ou serviço (a essência da economia capitalista), sobrepõe-se outra, que atingiu um volume deveras monstruoso e não tem nada que ver com a progressão das forças produtivas, com produção de mercadorias ou serviços.
Refiro-me ao dinheiro criado «ex nihilo» pelos bancos centrais e pela banca comercial. Este dinheiro serve, directa ou indirectamente, para alimentar a especulação.
Fortunas, baseadas nesta economia de casino, têm esta origem: a riqueza, como a matéria e a energia, não se destrói...transforma-se.
Quando vemos mansões que são autênticos palácios, iates, carros de luxo, ou grandes edifícios de grandes companhias multinacionais, muitos deles, obras de arte dos melhores arquitectos, recheadas de equipamento e decoração dispendiosos, sabemos que estes correspondem a um excedente, que não foi resultante do trabalho árduo e honesto dos proprietários (ou dos accionistas, no caso das multinacionais), mas de uma qualquer manigância ou duma soma de manigâncias, que permitiu amassar uma fortuna.
Esta fortuna, embora tenha uma componente de exploração directa do trabalho assalariado de outrem, é - sobretudo - resultante da especulação, do acesso a empréstimos a custo zero (ou quase), aos quais certos indivíduos e empresas têm acesso, como privilégio da sua proximidade ao poder.
A obtenção a custo zero, por uma pequeníssima oligarquia, do dinheiro «fiat» (= não tem suporte, senão a palavra do governo) constitui um fenómeno totalmente novo no capitalismo, ao qual nem Marx, nem outros depois dele (incluindo vários contemporâneos) podiam ter sequer imaginado. No século XIX a especulação existia, nas bolsas e noutros domínios da economia mas, no tempo de Marx (e mesmo bem mais tarde), era um fenómeno marginal.
Quando Marx explicou o início dos empórios capitalistas através da ACUMULAÇÃO PRIMITIVA, sobre os despojos coloniais, não podia prever que outras e novas formas de acumulação teriam lugar, século e meio depois de sua morte!
Hoje em dia, a acumulação de capital que permite amontoar de fortunas colossais é obtida por meios bem diferentes dos séculos passados. Hoje, trata-se simplesmente de obter dos Estados e dos respectivos bancos centrais, empréstimos de elevadas somas, com juros a praticamente zero.
Estas benesses, porém, não estão ao alcance de qualquer pessoa, nem mesmo de capitalistas de média dimensão. Apenas as multinacionais, a grande banca, os fundos bilionários e as esferas mais próximas do poder, possuem este privilégio.
Estas benesses, porém, não estão ao alcance de qualquer pessoa, nem mesmo de capitalistas de média dimensão. Apenas as multinacionais, a grande banca, os fundos bilionários e as esferas mais próximas do poder, possuem este privilégio.
Por exemplo, ao postular que um banco «não pode ir à falência»... o que se está a proporcionar?
- Que todas as apostas, mesmo as mais arriscadas e as mais idiotas, que a direcção desse banco faça, terão a cobertura do respectivo Estado: lá estará ele para «amparar», «limpar», «reparar», os estragos feitos!
Mas afinal, o Estado obtém o dinheiro dos impostos, os quais são pagos pelos cidadãos. Estes, de uma forma ou de outra, contribuíram com o seu trabalho para criar valor e foram remunerados em dinheiro. É apenas devido à ocultação de todo o esquema fraudulento, que esse dinheiro, resultante do trabalho, vai impunemente parar às contas das empresas, da banca e dos fundos que se portaram mal... mas que o Estado - supostamente- não poderia deixar falir! É um autêntico ataque em forma, um saque, feito às pensões de reforma e aos salários dos assalariados, levado a cabo a partir do Estado e governo, pelos dirigentes que choram lágrimas de crocodilo...
Uma media ao serviço dos poderosos encarrega-se de ocultar e baralhar os factos - insofismáveis - que emergem duma análise rigorosa das políticas económicas e financeiras.