sábado, 20 de agosto de 2016

Poesia de Manuel Banet «Em Louvor dos Corpos Sábios» [& Cat Stevens: «Morning Has Broken»]

EM LOUVOR DOS CORPOS SÁBIOS*


            que a tua água
                     seja o meu vinho

            que o nosso amor seja
                    o nosso pão

                  ....

      Era uma história
de vinhas preguiçosas:
- quando raiava o dia
        escondiam sua glória...

[* Do livro inédito «Transfigurações» de Manuel Banet]





                          CAT STEVENS AO VIVO





Morning has broken, 

like the first morning

Blackbird has spoken, 

like the first bird

Praise for the singing, 

praise for the morning

Praise for the springing 

fresh from the word

Sweet the rain's new fall, 


sunlit from heaven

Like the first dewfall, 

on the first grass

Praise for the sweetness 

of the wet garden

Sprung in completeness 

where his feet pass


Mine is the sunlight, 


mine is the morning

Born of the one light, 

Eden saw play

Praise with elation, 

praise every morning

God's recreation 

of the new day


Morning has broken,


like the first morning

Blackbird has spoken, 

like the first bird

Praise for the singing,

praise for the morning

Praise for the springing 

fresh from the word

domingo, 14 de agosto de 2016

A VERDADE OU O CONTRÁRIO DA SABEDORIA


Estamos fortemente condicionados para ver a realidade de um modo unidimensional, ou composto por «sins» e «nãos» apenas. Essa «realidade» que nós inteiramente construímos ou que nos construíram quando éramos pequeninos, está tão entrincheirada no nosso subconsciente, que se torna um exercício muito penoso e problemático vermo-nos livres dessa maneira de encarar as coisas.
Mas é de facto necessário nos colocarmos fora dessa forma de pensar confortável mas inteiramente equivocada, das «verdades» simples, dos «sins» e «nãos» que forram o nosso cérebro e que nos iludem. A nossa fantasia faz-nos vogar num mar desconhecido, com a ilusão de ter uma bússola. A bússola é a «verdade», a certeza, todas as certezas, as que são evidentes, as que não precisam de comprovação.
Nem tudo, porém, pode ser do domínio da verdade ou certeza. Muitas coisas estão aquém de tal estatuto de «certezas»: Tais são os factos, as situações, que nós procuramos deslindar, de uma forma ou de outra. Como fazemos isto?
 Normalmente através de uma série de «testes», que nós acreditamos permitir decidir aquilo que é «verdadeiro», daquilo que não é. Porém, os «testes de verdade» são meros reforços de nossos preconceitos, não são realmente testes cientificamente validados: 
- Quando obtemos um resultado contrário aos nossos preconceitos/convicções, simplesmente ignoramos ou damos como não pertinente ou como defeituoso o tal «teste de verdade». 
- Pelo contrário, se ele vier confirmar as nossas convicções/preconceitos, o teste e o resultado que dele emana é tido como válido.

Tragicamente, este tipo de pensamento, completamente equivocado, não é utilizado nos domínios exteriores a nós próprios, como a astronomia, a física, a biologia, etc. 
Este modo de pensar, absolutamente tendencioso, perverso mesmo, aplica-se sobretudo a todas as relações com os nossos próximos, familiares, amigos e colegas. É no domínio das relações pessoais que este género de autoconvencimento e de autocondicionamento opera. 
É assim que certa imagem interior desta ou daquela pessoa próxima se infiltra na nossa mente, fazendo com que tenhamos a ilusão de conhecê-la «por dentro». 
O nosso universo relacional está formado por uma teia de preconceitos, que nós tecemos constantemente em relação aos outros, mas também dos outros em relação a nós próprios. 
Por isso, muitas vezes ficamos admirados e angustiados, quando alguém mostra que afinal não nos compreende. Somos muito sensíveis às falhas de compreensão dos entes que nos são próximos. Estimamos que eles têm a chave da nossa personalidade, que nós não temos segredos para eles. 
Porém, as pessoas são completamente opacas umas para as outas. O que julgamos ser o outro, nada mais é do que o nosso reflexo subjetivo da imagem do outro, na nossa mente. Esta constatação é válida, não importa qual o grau de intimidade e de interação efetiva que exista entre nós e o outro.
Como confusamente ou instintivamente sabemos que nada é tão simples assim, que as nossas «verdades» são somente categorias que nos ajudam a dar um sentido à espessura impenetrável do real, muitos de nós vamos procurar uma forma ou outra de religião. 
Quando falo de religião, não estou a mencionar apenas as convencionais, as religiões organizadas, com igrejas ou comunidades estruturadas, com os seus ritos, suas tradições etc. Também me estou a referir a sistemas de crenças desde a astrologia, ocultismo, esoterismo até às diversas ideologias políticas, etc…
Precisamos desesperadamente de «certezas» infundidas por uma qualquer religião, precisamos desse conforto de estar dentro de determinada ortodoxia, nem que esta «ortodoxia» seja heterodoxa em relação à imensa maioria das pessoas que nos rodeia.
A necessidade é real, não é portanto para se desprezar, para se rejeitar com um movimento de ombros, como coisa absolutamente fútil e desprezível. Todas as civilizações têm a sua religião, ou religiões. A humanidade não construiu nenhuma estrutura social, até hoje, onde não esteja no centro, explícita, uma ou outra forma de crença religiosa. 
Alguns poderão objetar que as sociedades em que nós vivemos, as chamadas democracias de modelo ocidental, são isso mesmo, sociedades onde não reina nenhum modelo religioso, onde uma pessoa é livre de pensar o que quiser e de comunicar esse pensamento, sem haver qualquer impedimento, desde que isso não ponha em causa a liberdade dos outros. 
Pois aí está um credo religioso, o neoliberalismo, que se tenta naturalizar, fazendo com que as pessoas adotem como única visão possível e desejável uma sociedade regida pelo «ter» sobrepondo-se ao «ser», pela posse ou propriedade investida de valor absoluto, ao ponto de definir o valor dos indivíduos (o teu valor é o da tua conta bancária), uma sociedade que deífica o dinheiro, convencida de que «ele» existe, de que é a «coisa mais real» que existe. Chega-se ao cúmulo de atribuir vida, vontade própria, a esse símbolo…
Se desconstruirmos as teias de ilusões que nós próprios tecemos e que nos mantêem dentro de uma «matrix», poderemos experimentar inicialmente a sensação de estranhamento, de perda de referências, de desorientação. Mas se persistirmos, vamos nos libertar e teremos toda a vantagem nisso. 
O caminho a trilhar consiste em procurar, não a «verdade» das outras pessoas ou seres, mas sim a relação, as relações entre as coisas/seres umas com as outras e a interação dessas coisas/seres connosco próprios. 
Se adotarmos este ponto de vista filosófico, muito simples e fácil de aceitar, teremos ainda que pô-lo em prática, no quotidiano e isso afigura-se mais difícil. Mas as dificuldades serão compensadas pela capacidade de lidar melhor com a realidade, de não nos auto iludirmos com as «realidades» que fabricamos dentro das nossas mentes, mas que não são reais.
A nossa vida torna-se então mais harmoniosa, as nossas decisões mais sábias e mais apropriadas às circunstâncias particulares das nossas existências.
Queríamos que «a realidade se conformasse com as nossas convicções», não podia ser maior o engano. Ao nos livrarmos dessa ilusão, livramo-nos dos medos, das angústias, das ansiedades, pois descobrimos a causa desses sentimentos.

  

sábado, 13 de agosto de 2016

FOGOS FLORESTAIS: FATALIDADE OU DESÍGNIO


Nos noticiários sobre os fogos florestais estivais, que periodicamente assolam este país, são sempre postos em primeiro plano aspetos que, não sendo em absoluto falsos, são realmente epifenómenos, são realmente marginais.
Aqui, irei desvendar as causas profundas que são omitidas, ou apenas citadas ao de leve na média, com uma horda de «opinadores» que apenas reforçam estereótipos com as suas banalidades, quando não falsidades, produzidas em tom doutoral.
As vozes populares indignam-se com o facto dos causadores diretos destes crimes poucas vezes serem apanhados e quando o são, terem sentenças excessivamente «leves». As pessoas vulgares esquecem, na sua legítima indignação que, quanto muito, são presos uns criminosos de baixo nível, os que executam os crimes. 

Um dos mitos que acompanha desde sempre as narrativas sobre fogo posto é que deveriam ser punidos os responsáveis, para o exemplo. Porém, as pessoas não consideram como criminosos uma série de comportamentos e de incentivos a adotar e manter certos comportamentos, ou, no mínimo, incentivando ou proporcionando as circunstâncias para que os tais atos criminosos ocorram.

O abandono a que são votados os campos desde há meio século foi incentivado pelo regime fascista quando este decidiu estimular a criação das celuloses, nos anos 60 do século passado. As razões históricas são o abandono dos campos devido ao surto migratório para as grandes cidades e para a emigração (França e Alemanha), estimulando o desejo de criar uma grande indústria (as celuloses) que iria reforçar os impérios industriais existentes. Veja-se a história da implantação e desenvolvimentos das celuloses, dos grupos a elas associados. 
Esta política conjugava-se bem com a transformação dos campos, em que uma grande faixa do território (grosso modo o centro norte do país) se transformava num enorme eucaliptal, o chamado deserto verde, enquanto algumas zonas particulares eram selecionadas para agricultura de alto rendimento, com forte investimento de capitais e forte retorno.

Os barões que já tinham posições-chave, quer em grandes empresas pertencentes a grupos económicos, quer em estruturas estatais, ministérios, institutos de investigação do Estado, continuaram a controlar o setor, depois do 25A. 
Assim se explica que se continuou a proteger a indústria de celuloses, fortemente poluidora dos rios, despovoadora ao destruir a agricultura nas aldeias, causadora de desastre ambiental  em larga escala, origem dos incêndios incontroláveis que assolam este país quase todos os Verões. 
Muitos centros de decisão, em ministérios como agricultura, indústria, etc. foram dominados e corrompidos pelo poderoso lóbi das celuloses e afins. Uma figura tristemente célebre foi Álvaro Barreto, do PSD. Mas há muitas figuras importantes no lobby, ativo até hoje.

Outro grande fator foi a nossa entrada na CEE. Até então, havia uma luta entre setores do Estado, por ou contra a extensão da mancha de eucaliptal, que refletiam interesses contraditórios de vários setores da agricultura. 
Mas, a partir da «pré-adesão», Portugal foi decidida e abertamente empurrado para uma eucaliptização a todo o vapor, pelos burocratas de Bruxelas. 
Estes burocratas vieram repetidas vezes, «incentivar» os investigadores das áreas de biotecnologia a se capacitarem de que o futuro e a fortuna de Portugal seriam o desenvolvimento da energia «verde»! O que era isso? Era simplesmente transformar as três quartas partes do nosso território em floresta de produção, ou seja um «deserto verde», não para produção silvícola de alto valor acrescentado, como espécies de árvores dando boas madeiras, mas apenas para combustível. 
Tal enormidade ambiental era feita em nome da ecologia! Claro que nessa altura não havia preocupação nenhuma com a eventualidade de um extraordinário aumento da produção de dióxido carbono, que decorreria fatalmente da transformação dessa biomassa em quilovátios de eletricidade...

O plano dos burocratas de Bruxelas e das potências que dominavam (Alemanha, e França, principalmente), era completamente absurdo, o que foi logo visível para um jovem cientista, que participou num debate, durante uma reunião dos burocratas da direção-geral da CEE que superintende a investigação e os responsáveis por projetos nos diversos laboratórios e universidades deste país, por volta de 1986. 
Nunca mais me esqueço desse debate: eles desprezavam explicitamente as soluções de aproveitamento dos subprodutos agrícolas, pois eles não queriam que Portugal desenvolvesse a sua agricultura, mas o oposto… pois assim teriam este país como fornecedor de matéria-prima para a tal «energia verde», tudo isso envolvido em roupagens muito ecológicas!

Se nós virmos o abandono do interior do país, virmos como é absolutamente impossível manter uma floresta saudável, bem tratada, por despovoamento excessivo, se interrogarmos qual a causa de termos extensões de floresta ao abandono, quilómetros infindáveis de mato altamente inflamável, podemos dizer que determinados interesses pontuais poderão ser o incentivo para atear os fogos. Porém, a «estopa» para os fogos não será um emaranhado de interesses, conivências, cobardias que envolvem não apenas industriais, como agricultores absentistas, governantes, ou mesmo dos cidadãos que dão oportunidade a que políticas ecologicamente criminosas prossigam sem qualquer sanção? 
Todos eles, sabendo ou não, são joguetes da União Europeia «imperial-soviética»! 
Infelizmente, muitas pessoas, que gostam de pavonear-se por «boas causas», não procuram saber quais as verdadeiras causas, as reais origens destas tragédias, contentam-se em mostrar «solidariedade» (mas o que é isso, afinal? – uma descarga da má consciência!).
A única maneira de sermos eficazes aqui - como em tudo - é lutarmos contra as causas de raíz:
- A dependência neocolonial de Portugal; a secular submissão das pessoas a políticos salvadores; o conformismo e o deixa-andar, que pressupõem uma conivência do povo.

Quando alguém se vem lamentar destes terríveis e trágicos acontecimentos que são os fogos florestais de Norte a Sul e do interior às Ilhas Atlânticas, deve-se perguntar: 
Que fizeste, que fizemos nós para prevenir isso? Como é que se previnem essas catástrofes? Que medidas concretas a tomar? 
Só assim se poderá começar a reparar males que já têm muitos decénios - ou mesmo séculos- de existência! 

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] CONCERTO PARA PIANO Nº 2 DE RACHMANINOV



                                          


Cavalgadas, galopadas em cavalos possantes... 
sonho um sem-fim de imagens coloridas e estranhas. 

É um desfiar de lendas e histórias, na muito sábia e boa narrativa duma anciã. 

É isso que me contam estes inspirados acordes, ora narrando a história nos instrumentos de cordas, nos sopros e por fim, nos longos desenvolvimentos do piano. 
Este adquire vida própria, por vezes conduz a orquestra, por vezes toma atalhos e precipita-se para outro plano do espaço-tempo.

A impossibilidade de encontrar palavras para descrever a música é igual à impossibilidade de descrever os sentimentos tumultuosos que me assaltam de cada vez que oiço este concerto. 
Não posso jamais deixar de estremecer aos primeiros acordes do 2º andamento. 

Este concerto tem para mim um significado duplo. É verdade que Rachmaninov o escreveu ao sair de um estado depressivo, tendo a recuperação sido devida a um médico amigo, ao qual o compositor dedicou esta belíssima obra-prima, por ter-lhe permitido voltar a criar, a exprimir os seus sentimentos e pensamentos pela arte dos sons. 

Mas, quando o ouvi pela primeira vez, não sabia nada disto: porém, a sua originalíssima estrutura e a humanidade de se desprendia dele forçaram-me a ouvi-lo com um imenso respeito e espanto, perante a revelação de todo o seu potencial poético. 

Cada vez que oiço este extraordinário cume da música não posso deixar de sentir meu coração, minha alma e espírito, a serem arrastados. 
A intensidade da música penetra todos os meus poros, é físico. Sempre a oiço em profundo recolhimento, como experiência mística. 

DIGITAL - QUE FUTURO?

O que espera o livro, a leitura e as bibliotecas? 
A digitalização implicará um novo padrão de leitura, com livros digitais a substituir os livros de papel, ou haverá extinção do leitor, pura e simples? 
Haverá outros suportes mas continuidade de apetência pela leitura ou extinção da leitura como hábito, como atitude, como civilização? 









DIGITALIZAÇÃO E CULTURA... ABORDAGEM EM ANTROPOLOGIA CULTURAL




sábado, 6 de agosto de 2016

SABERES XAMÂNICOS VERSUS «CIVILIZAÇÃO» COLONIAL



 

Vivemos numa época bruta, estúpida. Não que a humanidade se tenha tornado repentina ou progressivamente estúpida. Porém, todos nos deixamos «enfeitiçar» por uma pseudo-civilização da matéria, do vazio, das coisas, dos gadgets, do dinheiro e do poder. 

O nosso culto do corpo, do prazer, até mesmo isso, está contaminado pela estúpida mentalidade da «performance». Na realidade, já não existe o ingénuo, o espontâneo prazer. 

Destruindo o homem, destroi-se correlativamente a Natureza, pois o homem é um ser muito importante na ecologia natural

 Quem tem dúvidas disto, que estude o papel de guardiães, que os povos ditos primitivos têm tido ao longo das eras, quer no Amazonas e noutras florestas tropicais-equatoriais, quer nas gélidas estepes da Ásia Central, dos povos siberianos, dos mongóis, etc. 

Se tivermos em atenção a verdadeira história desses lugares recônditos (para nós, «civilizados») e do seu processo de colonização pelos «civilizados»; se virmos a extensão das depredações causadas, sempre com o objectivo do lucro, do aproveitar ao máximo os recursos, não importa de que maneira, então veremos que a civilização (suposta) que trazemos a esses povos nada mais é que morte.


São eles - os povos indígenas em todo o globo - que estão do lado da vida, da natureza, da comunhão com o Todo, são eles os nossos guias, para saírmos do mundo fechado em que nos encerrámos a nós próprios, «civilizados».
  
Vejam o filme «O Abraço da Serpente», vejam as imagens do álbum de Sebastião Salgado «Povos indígenas»:



                                                     O ABRAÇO DA SERPENTE




                                        POVOS INDÍGENAS - SEBASTIÃO SALGADO

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A POLÉMICA EM TORNO DO IMI (IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS)

COM LAIVOS DE «AGIT-PROP» ESTIVAL… uma certa direita revanchista, amiga  e serventuária do grande capital lança, à laia de «balão de ensaio», uma polémica completamente idiota sobre as regras do IMI, que ela própria contribuiu – no passado – a instaurar.

Não há imposto justo, todos nós sabemos isso. É do B - A BA de toda a teoria política e social.
- O imposto sobre o rendimento penaliza quem é mais produtivo, quem se esforça mais e que tem mais mérito, por isso ganha mais.
- O imposto sobre capitais é uma punção aos lucros dos capitalistas e, de uma e de outra forma, essa classe vai compensar agravando a extração do lucro, a exploração dos trabalhadores, quer como assalariados de suas empresas, quer como consumidores de bens e serviços.
- O imposto sobre propriedade tanto taxa a propriedade adquirida com esforço e honestamente como a que resulta de toda a espécie de falcatruas. Os índices do imposto sobre imóveis não dependem da forma como foi adquirida a referida propriedade, mas sim do valor estimado da mesma.

...E poderia continuar a desfolhar a ladainha de como são injustos os impostos. Mas, em vez de nos lamentarmos, ponhamos como base de raciocínio, que os impostos são um mal necessário.

É um mal necessário, enquanto houver Estado de «democracia liberal» ou seja, num regime capitalista «temperado» por alguma dose de «Estado social». A justiça não deve ser vista então como absoluta, mas sim em termos relativos.
O Estado precisa de ir buscar quase todos os recursos para o seu funcionamento à sociedade (quase, porque há um património do próprio Estado, donde pode obter rendimento direto, mas em termos globais é uma parte muito reduzida.)
O problema DE FUNDO é então saber se é lícito manter propriedade não produtiva, de forma intencional e indefinidamente. É esta a situação que impera no nosso país. Isto manteve-se por uma visão absolutista do direito de propriedade (direito que não ponho em causa, neste artigo).
Em parte alguma onde existe direito à propriedade, este é um direito absoluto. Uma propriedade pode até estar a ser utilizada em prejuízo da comunidade, da sociedade… Os Estados mais conservadores, mais amigos do capital, têm legislação que prevê a expropriação de propriedade, por motivos de interesse público…
O direito à propriedade é um direito como outro qualquer e tem os seus limites. O mau uso do que é a propriedade, seja qual for essa propriedade, tem de ser penalizado, nalguns casos até deveria ser criminalizado, por exemplo, quando se verificam atentados notórios ao ambiente, à conservação das espécies protegidas, etc. Possuir propriedade produtiva sem produzir deveria ser considerado crime.
- Quem argumenta que não produz porque a despesa seria maior que o benefício, coloque a dita cuja propriedade para venda no mercado.
- Quem diz que ninguém a compra, é porque está a pedir mais do que o mercado quer aceitar.

É curioso que os pró-capitalistas só aceitam e esgrimem o argumento das «leis do mercado» quando essa argumentação os favorece!  Se são tão favoráveis ao «mercado», por que motivo protegem aqueles que – de forma clara – estão a «emperrar» o mercado,  a impedir que o mercado «livre» funcione e se encontre o preço certo?
Seria uma coisa ótima que esta estúpida polémica estival sobre o IMI desembocasse, numa outra polémica muito mais interessante e que tentasse esclarecer o seguinte: 
1- quais os critérios para a coleta de imposto? 
2- como se explica que - neste país- quem mais paga é quem menos tem e quem detém maior capital - sob as diversas formas, imobiliário, fundiário, industrial, capitais, etc. - não paga quase nada, comparativamente?