http://www.informationclearinghouse.info/50996.htm
Hoje em dia, existem duas correntes antagonistas, no que toca aos assuntos internacionais. Uma, que é representada pelo imperialismo, nomeadamente os EUA e seus vassalos europeus. Esta corrente declara como legítimo que se faça guerra económica (as sanções são claramente uma forma de guerra económica), se façam pressões e se dite o que um governo dum país estrangeiro e soberano deve ou não fazer (que é a exigência de eleições no caso venezuelano senão uma descarada interferência nos processos internos desse pais?), chegando ao ponto de decretar a legitimidade de intervenções armadas para «proteger populações sujeitas aos piores abusos» (lembram-se do Kosovo, da Líbia, etc?). Nesta corrente, a Carta da ONU ou os princípios do Direito Internacional contam apenas como algo que se utiliza quando vêem vantagem, para «fundamentar» a retórica intervencionista. Por contraste inventaram o «direito de ingerência humanitária», que não é mais do que uma capa para as piores aventuras bélicas.
A outra corrente, que é corporizada pela Rússia, China e por múltiplos países não vassalos do império dos EUA, defende que os países devem respeitar a soberania uns dos outros, devem aceitar o princípio da não-ingerência nos assuntos internos, que as relações entre governos e Estados se devem basear nos princípios do respeito e das vantagens mútuas.
A primeira corrente é apoiada politicamente pelos ditos «liberais» ou «neoliberais», que são as forças dominantes e hegemónicas na cena política do chamado «Ocidente» (que inclui o Japão): trata-se de várias famílias políticas, que vão desde os dois partidos do poder - os democratas e os republicanos - nos EUA, até aos diversos grupos que partilham ou se alternam no poder, na Europa ocidental. Algumas forças tidas como «marginais», no Ocidente, estão no entanto em contradição com a narrativa do direito de «ingerência humanitária», a esquerda comunista na Europa e os libertarianos nos EUA (diferente de libertários = anarquistas), que defendem a não-ingerência e o direito à auto-determinação.
O grotesco e grave é que a grande maioria do establishment político do Ocidente está a fazer o jogo dos EUA, numa situação em que não existe absolutamente nenhum direito da sua parte, com o risco de conduzir (é isso que desejam?) a uma nova tragédia como a da Síria. Ignoram os princípios sobre os quais foi edificada a ONU e o Direito Internacional.
Uma «esquerda» falsa, que alinha com ONGs e outras instâncias, subsidiadas por agências, como a fundação Soros, faz um grande chinfrin em torno da violação (real ou fictícia) de direitos humanos mas, em geral, somente nos países que justamente não alinham com o Ocidente, como a China, o Irão, etc... «esquecendo-se» de referir situações bem piores - sob todos os ângulos - como aquilo que fazem a Arábia Saudita, as outras monarquias do Golfo e muitos outros regimes ditatoriais em África, Ásia ou na América Latina...
Na verdade, as pessoas com sentimentos humanitários verdadeiros deveriam fazer todo o tipo de pressão para que o governo do seu país não se imiscuísse nos assuntos de outros, não causando situações que irão desencadear uma guerra civil, deslocação em massa de populações, etc. Ao fim e ao cabo não deveriam tolerar que uns corruptos dirigentes políticos ao serviço do grande capital, da banca mundializada, venham dar «lições de moral», para mandar tropas fazer «intervenções humanitárias» para repor a ordem que lhes convém.
Não fazer nada, não manifestar indignação e repúdio é colaborar com estas violações grotescas dos princípios que enformam as relações entre Nações, construídos à custa da experiência de duas guerras mundiais.
Uma «desculpa» é atribuir males (reais ou imaginários) aos governantes do regime/país que se quer diabolizar: isso é uma técnica de propaganda usada pelos nazis, à qual as pessoas minimamente inteligentes não deveriam sucumbir.
Não se podem «exportar» a democracia ou o respeito pelos direitos humanos com sanções, ameaças de invasões, apoio a grupos terroristas, etc. Precisamente aquilo que os governos ocidentais, a começar pelos EUA, costumam fazer quando têm na mira uma «mudança de regime».
O facto de certos partidos ditos de «esquerda» se somarem ao coro não mostra senão a sua corrupção completa.
Estar contra a ingerência maciça na Venezuela não quer dizer «dar o aval» ao regime venezuelano e ao seu líder. Quer dizer apenas que se respeita o povo venezuelano e que este tem o direito absoluto a governar-se do modo que entender, a resolver os seus problemas políticos internos do modo que entender. Se houver uma insurreição genuína num país qualquer do mundo, de certeza que os insurrectos não irão querer que forças externas se vão imiscuir na sua luta.
O imperialismo não pode tolerar a independência de um país que possui as maiores reservas conhecidas de petróleo, não apenas do continente americano, mas do mundo inteiro.
John Bolton disse-o, sem vergonha, numa TV dos EUA, «nós iremos lá e tomamos conta do petróleo».