LEITURA POLÍTICA NÃO-PARTIDÁRIA DO PRESENTE
Sem dúvida que os últimos 5 anos foram acelerar o fraccionamento, a divisão artificial entre os povos e entre pessoas, dentro de cada povo.
Devemos nos perguntar até que ponto devemos atribuir a responsabilidade exclusiva aos decisores políticos e/ou económicos. Sem dúvida, o seu poder sobre a vida das gentes comuns é grande. Mas, este poder é-lhes dado (e reforçado) pela passividade, pelo indiferentismo de muitos.
Curiosamente, são aqueles que mais podem intervir devido à sua cultura, à sua posição económica, ou à sua fama e popularidade, que menos intervêem.
Os pobres podem multiplicar protestos, manifestações, ou outros atos simbólicos. Porém, os atos em causa são como «perante o muro das lamentações».
Ou seja, os protestos só têm alguma eficácia nas raras ocasiões em que implicam consideráveis riscos para a plutocracia, para os detentores do poder real. Mas, no caso de ser assim, quem se manifesta está sujeito a uma repressão selvagem, desproporcionada, pelas «forças da ordem».
Mesmo quando se trata de protestos simbólicos, perfeitamente legais e sem violência, a polícia reprime à bastonada, prende e levanta processos aos manifestantes, por eles gritarem slogans, por exprimirem seu desespero, sua raiva pela ausência de justiça para os despossuídos.
A que distância as ditas «democracias ocidentais» estão de uma efetiva democracia, mesmo relativamente ao conceito de democracia mais consensual, o que está consignado nas constituições dos respectivos países?
Eu diria que estão cada vez mais distantes. Não apenas no comportamento da polícia e doutros órgãos do Estado, como também ao nível das leis iníquas, publicadas ultimamente, que violam ou esvaziam de substância as liberdades e garantias dos cidadãos. Nos textos constitucionais ainda estas se mantêm; porém, a sua tradução no comportamento dos corpos do Estado, desde o governo à administração e aos tribunais, é nula!
Estamos perante uma deriva autoritária total e transnacional, a mais brutal das nossas vidas, para a qual não houve - até ao momento - contra-ofensiva à altura, por parte dos de baixo.
De facto, uma parte dos que têm protagonismo e protestam, fazem-no por dever de ofício, por serem «militantes a tempo inteiro», ou por ambições de carreira política. Não existe verdadeiro contrapoder, que dê expressão ao descontentamento e -sobretudo - desencadeie a contra-ofensiva, perante os desmandos do poder.
O arbítrio dos poderes atuais não tem limites. Aliás, no seio das forças policiais e militares, há muitos que defendem uma ou outra versão de fascismo ou de militarismo. Somente não tiveram ainda oportunidade de agir a descoberto. Estão à espera - provavelmente - que surjam provocações, atentados de falsa bandeira, ou falsas ameaças de ruptura da ordem burguesa, para avançarem com a imposição da «Ordem Nova», ou seja, da ditadura fascista.
No resto do aparelho de Estado e no próprio seio de partidos e associações que se declaram democratas, existem numerosos indivíduos que estão disponíveis para apoiar uma tal tomada de poder.
Esta tomada de poder pode assumir muitas modalidades; desde o golpe de Estado violento, como no Chile, até ao «golpe de Estado deslizante», como está em curso no Reino Unido, na França, na Alemanha, na Polónia, na Roménia e em Portugal. Estes países têm uma tradição democrática, mas também uma tradição fascista.
Todos eles têm governos incapazes de fabricar «consensos», como se verifica pelas sucessivas sondagens, mostrando a sua impopularidade. Eles, políticos dos «partidos de governo», têm uma impossibilidade prática de satisfazer, ao mesmo tempo, as aspirações do povo a uma vida decente e às proteções sociais conquistadas há cerca de meio-século, por um lado; e por outro, as exigências das oligarquias nacionais e globais. Estando os políticos dependentes das doações generosas dos oligarcas as campanhas eleitorais, já se sabe quem eles irão procurar satisfazer.
O divórcio entre a oligarquia governante e os cidadãos comuns nunca esteve tão patente. Os resultados eleitorais refletem esta desconfiança dos partidos tradicionais. Porém, a saída que os governos estão a implementar não é original, nem gloriosa: Consiste em tentar provocar uma guerra direta contra a Rússia. Não lhes importam as desgraças de toda a ordem que a população possa sofrer. Nem mesmo parecem temer uma deriva com uso de armas nucleares, que uma tal guerra fatalmente tornaria mais provável.
A lógica deles é a de se manterem no poder, a todo o custo. Porque os gastos com rearmamento, as sucessivas declarações belicistas e tudo o mais, são afinal pretextos, «justificações» para a destruição definitiva do «Welfare State» (Estado de Bem-estar) que foi construído ao longo das três primeiras décadas do pós IIª Guerra Mundial.
É com vista à entrada dos seus países numa aventura bélica, que têm vindo a promulgar leis que criminalizam e permitem «legalmente» prender pessoas por elas protestarem, por exercerem seus direitos de opinião, de manifestação e de organização.
Mais uma vez, constato que o episódio do COVID foi o balão de ensaio, o teste à escala real, que permitiu à oligarquia afinar a estratégia de domínio da «plebe» e transformar a «democracia liberal» através dum golpe de Estado interior, num regime mais autoritário, que poderá transformar-se em totalitário.
Não esqueçamos que os nazis e o seu Führer não precisaram de abolir a Constituição democrática da República de Weimar. Como agiram os nazis? Ignoraram esta constituição: Deliberadamente, não a aboliram, mas ignoraram-na. A «Ordem Nova» reinava e quem fazia as leis eram eles, os Nazis. Foi assim até à queda final do regime. A constituição de Weimar, teoricamente, manteve-se em vigor durante todo o período do regime Nazi. Na prática, era como se não existisse.
A traição dos «partidos de governo», nas democracias ditas liberais do Ocidente, em particular da Europa, começou há muito tempo, quando decidiram que certas partes das constituições nacionais «não eram para tomar à letra».
Agora, o que fazem - quer em termos práticos, quer legislativos - é uma constante violação destas mesmas constituições:
- A instrumentalização do funcionamento da justiça.
- A repressão violenta de manifestações não-violentas.
- A perseguição de pessoas e organizações pelas suas opiniões, seus escritos, violando claramente o direito à livre opinião.
- Destruição das leis de protecção dos trabalhadores, dos seus direitos.
- Cancelamentos de apoios do Estado a pessoas carenciadas.
- Os abusos securitários das polícias secretas, espiando certos indivíduos e organizações, porque não capitularam perante o sistema.
... Etc, etc.
A paralisia de forças «anti-sistema» ou «alternativas», é confrangedora; mostra que as pessoas não foram educadas, nem sobre direitos e deveres (educação cívica), nem sobre como construir organizações, com base na solidariedade de classe. As pessoas mais «ativistas» podem subjetivamente estar contra a situação criada pelas elites no poder, mas não conseguem fazer nada de construtivo para as combater.