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sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O QUE ESTÁ A CHINA A FAZER PARA «DOMESTICAR» O DÓLAR ?


                                       


Os chineses têm utilizado o sistema financeiro e monetário internacional para seu próprio proveito. Agora encontraram um estratagema novo: prescindem das estruturas do sistema financeiro ocidental, não terão necessidade de utilizar o SWIFT, ou bancos dos EUA, como intermediários. Vão continuar a utilizar dólares, mas os «seus» dólares. 

Eles começaram - há algum tempo - a utilizar os dólares acumulados nos últimos decénios de excedentes comerciais, para financiar projetos da B.R.I (Belt & Road Initiative), as Novas Rotas da Seda. 
Os países com os quais têm parcerias, são países devedores de empréstimos, em dólares, que precisam de vender suas matérias primas no mercado internacional para pagar os juros e a dívida, denominados em dólares. Mas, agora, os ditos países têm a opção de pagar os contratos com a China em Yuan, se assim o desejarem. Nalguns casos, têm pago os empréstimos chineses com matérias-primas. É o caso dos países exportadores de combustíveis fósseis, embora quaisquer outras matérias-primas possam servir como pagamento. 

Mais recentemente, os chineses acrescentaram mais um processo engenhoso e simples de evadir a ditadura do dólar: Começaram a emitir obrigações soberanas em dólares. Esta oferta de dívida será naturalmente paga em dólares, de que a China não tem realmente falta: De facto, ela é a segunda detentora mundial de reservas em dólares, sob forma de Treasuries, a seguir ao Japão. Só no ano de 2023, o seu excedente comercial com os EUA saldou-se em 823.2 milhares de milhões de dólares (milhar de milhão = billion, em inglês). Para o ano de 2024, estima-se que o excedente alcance os 940 milhares de milhões de USD.
Então, a ideia de emitir obrigações soberanas (bonds) denominados em dólares parece insólita, à primeira vista. Mas não! É antes um tiro certeiro no sistema internacional do dólar. 
Porquê?
A China vai emitir 2 mil milhares de milhões (2 billions) de dívida denominada em dólares e vai fazê-lo na Arábia Saudita. Serão instituições sauditas que irão supervisionar as operações. 
Note-se, desde já, que os príncipes e magnatas sauditas e das monarquias petrolíferas, serão tentados a investir em tais obrigações. Estas terão um juro com uns pontos-base  (0.01-0.03%) acima das «treasuries» emitidas pelos EUA. Lembremos que uma obrigação tem tanto maior valor no mercado, quanto mais baixo for o seu juro. 
Esta primeira emissão de obrigações soberanas chinesas foi um sucesso: Houve  40 mil milhares de milhões de procura, para 2 milhares de milhões de obrigações postas à venda, ou seja um excedente de 20 vezes. Normalmente, aquando duma emissão de obrigações soberanas pelo Tesouro dos EUA, a procura excede somente a oferta em 2 ou 3 vezes.
Com isto, os chineses estão a assinalar aos EUA que poderão alargar e aumentar a emissão de bonds denominados em dólares num circuito de dívida que escapa inteiramente ao controlo dos EUA, embora a divisa seja o dólar US. 
É relevante que estas obrigações chinesas são postas à venda, não por um consórcio de bancos da Wall Street ou da City de Londres, mas na Arábia Saudita. Aliás isto pode realmente ser muito importante também para o governo de Riade (e doutras monarquias «petrolíferas»), com um excedente crónico em dólares. Até há pouco tempo, os sauditas apenas podiam parcar os petro-dólares em «Treasuries», emitidas pelo tesouro americano.
Mas como é que o sistema-dólar fica ameaçado com isto?
- Imaginem que a China decide aumentar o volume de futuras emissões, ou seja, emitir 100 ou 200 milhares de milhões («billions») de obrigações em dólares: Haverá uma competição direta no mercado de obrigações em dólares. Muitos investidores irão preferir as «treasuries chinesas» às dos próprios EUA: Cada dólar que for desviado para compra de «treasuries chinesas», já não poderá servir para financiar os Estados Unidos. 
A China não precisa de financiamento em dólares, para o seu próprio desenvolvimento. Porém, quase todos os  (mais de) 150 países que fazem parte das Novas Rotas da Seda (Belt & Road Iniciative) precisam de dólares para financiar as suas economias. Os projetos de cooperação da BRI vão passar a ser financiados (em grande parte) com dólares emprestados pela China. 
A contra-ofensiva dos EUA seria de restringir a possibilidade da China comerciar ou transaccionar em dólares. Isso, porém, seria um monumental «tiro no pé». Esta «opção nuclear» iria fragmentar - de imediato - o sistema financeiro internacional, socavando o  dólar enquanto principal divisa de reserva global. Mas isto,  é exatamente o que os americanos querem a todo o custo evitar.
Embora o Tesouro americano vá continuar a controlar a emissão e circulação de dólares-papel, já não terá «mão» para controlar totalmente os dólares digitais, que se vão difundir pelo mercado. 

Talvez estejamos a assistir ao fim do «Exorbitante Privilégio» dos EUA. Os dólares poderão continuar como divisa interna dos EUA e em trocas bilaterais. Será uma situação análoga à da Libra Esterlina, que deixou de ser a principal divisa de reserva, no final da IIª Guerra Mundial.


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domingo, 12 de maio de 2024

DIVISA DIGITAL DOS BRICS JÁ FOI ANUNCIADA; RESTA IMPLEMENTÁ-LA

 No domínio da guerra monetária, que se sobrepõe ou coalesce com a guerra financeira, de sanções económicas e de guerra híbrida, com focos de guerra aberta na Ucrânia e em Gaza, sobressai a crescente de-dolarização. 

Este processo carece de explicação para se compreender o significado de uma nova moeda, emitida e garantida pelos BRICS. Com efeito, a existência de uma divisa de um país (os EUA) como detentor da moeda de reserva mundial (o Dólar US) confere a este uma efetiva capacidade de tirar partido (abusivo) deste privilégio. No caso do dólar, o privilégio consistia em que todos os países, fossem eles ricos ou pobres, amigos ou não dos EUA, tinham de possuir em reserva dólares, pois as principais mercadorias, que se têm de negociar ao nível mundial, como combustíveis fósseis ou as matérias-primas estratégicas, são exclusivamente negociadas e transacionadas em dólares. Isto foi permitir que os EUA estivessem - décadas a fio - em défice, nas suas balanças comercial e do orçamento Federal, sem daí ocorrer uma catástrofe em termos de economia interna dos EUA e sem perder a possibilidade de efetuar toda a espécie de trocas comerciais internacionais. Esta situação simplesmente seria inacreditável, para um país - grande ou pequeno - que tivesse muitos anos seguidos de défice comercial e orçamental. Qualquer país, que não os EUA, iria entrar em colapso a breve prazo, pois os capitais internacionais, financeiros e outros, iriam  fugir de qualquer negócio com um país tecnicamente falido. É, porém, exatamente este o estado dos EUA, de bancarrota, com 34 triliões de dívida acumulada*, uma soma astronómica que nunca poderá ser paga no futuro. 

Ora, o dólar não apenas permitiu a situação constante de défice, ou seja, de dívida que se vai acumulando, perante credores internos ou exteriores à economia dos EUA, como foi utilizado pelo poder político como uma arma, como um instrumento de guerra, para efetuar sanções. Estas sanções são atos de guerra económica, sem qualquer legitimidade. Porém, como os EUA são ainda a potência dominante, podem impor a países terceiros que «cumpram com as sanções», ditadas por eles, americanos. Na ausência de cumprimento, eles podem provocar o estrangulamento económico, quando não uma guerra, contra esse país recalcitrante. Este estado de coisas impulsionou muitos países do Terceiro-Mundo a se aproximarem e a pedirem a adesão aos BRICS, pois nestes não existe exigência de conformidade com o poder mais forte, em termos do sistema económico ou político vigentes. Ou seja, um país, ao aderir aos BRICS, pode continuar a economia que tinha antes, o mesmo regime político, as mesmas instituições, sem que isso seja sujeito a interferência de outros membros, nomeadamente, dos mais fortes. 

Por outro lado, a criação de moeda que não seja pertença de nenhum país, como será a dos BRICS, terá como consequência que esta será sobretudo uma intermediária nas trocas, já não necessitando de complexas ponderações entre as divisas do país A e do país B, para determinada transação, ou mesmo, avaliações do valor direto das mercadorias, sendo trocadas sem intermediação de dinheiro, mas com ajustamentos efetuado em metais preciosos, para cobrir o diferencial entre as respetivas divisas desses países. Ambas as modalidades têm sido praticadas, com resultado satisfatório, por países que não desejam estar sujeitos à chantagem do dólar. Com efeito, a troca envolvendo dólares, vai implicar o escrutínio de um banco americano (nomeadamente dos bancos gigantes de Wall Street). Pode, por isso, o poder político dos EUA decretar sanções eficazes (até agora) contra um país (por exemplo, o Irão), pois as trocas, sendo feitas usando o dólar, passam por um processo de controlo e verificação duma empresa financeira americana, situada em solo americano e sob jurisdição americana. 

Agora, o tipo da divisa emitida pelos BRICS, ainda ninguém sabe qual será. Tem-se especulado que será um produto inteiramente digital, com as características de Divisa Digital Emitida por Banco(s) Central(ais); é muito provável que esta divisa seja adossada ao ouro,  a outros metais preciosos, a combustíveis,  e a outras matérias-primas.

A questão da convertibilidade direta em ouro, como existiu no passado, não se irá colocar, creio: Não me parece que os BRICS queiram fazer do ouro (novamente) a garantia de valor das trocas, mesmo que usando uma divisa em papel ou eletrónica, enquanto forma cómoda de substituir o ouro. 

Mas, o que é certo, é que esta nova divisa internacional irá satisfazer uma necessidade ao nível das grandes trocas entre os Estados ou entre organizações públicas ou privadas. Com efeito, as trocas usando o dólar como moeda de reserva estão sujeitas a imprevistos, tanto no domínio geopolítico, como económico: Quando um país faz um acordo em dólares num contrato de longo prazo e a sua divisa nacional se desvaloriza de maneira significativa, em relação ao mesmo dólar, esse contrato pode tornar-se muito desfavorável para este mesmo país. 

Agora, a estabilidade de longo prazo conferida pela nova moeda dos BRICS, irá com certeza minimizar as hipóteses de tal acontecer. Note-se que a flutuação de divisas, duma em relação às outras, não corresponde necessariamente a um melhor desempenho económico do país A, em relação ao país B: Pode muito bem haver contextos que provoquem a descida acentuada de uma divisa, como fatores económicos ou políticos, ou outras circunstâncias no contexto mundial, que escapam largamente ao controlo dos países em causa. 

A existência da nova divisa internacional, embora não assumindo oficialmente o papel de moeda de reserva, irá permitir maior estabilidade nos preços, nos contratos e nas trocas internacionais. Isto, em si mesmo, vai ser muito importante para o desenvolvimento global. Vai haver condições para que as trocas sejam mais favoráveis para os países pobres, que têm como quase único meio de obter divisas a exportação de matérias-primas. 

Não se pode deixar de falar do destino do dólar, neste contexto: O dólar será, provavelmente, mantido como divisa dos EUA e, nesta base, será utilizado e trocado de acordo com as necessidades do mercado: Como os EUA não vão deixar de ter uma dimensão considerável no domínio industrial, comercial e da inovação, não será de espantar que o dólar continue a ser usado numa fatia das trocas financeiras e comerciais internacionais. O que vai ser diferente, é que deixará de haver exclusividade: Já não haverá qualquer «obrigatoriedade» em comprar no mercado internacional, em dólares (a países, que não sejam os EUA) os combustíveis ou  os cereais, etc. 

A libra foi, durante cerca de século e meio (do início do século XIX, a meados do século XX), a moeda de reserva e comercial. Foi destronada pelo dólar, mas continuou a ter um papel nas trocas internacionais. 

A nova divisa dos BRICS não será a «panaceia», mas terá a virtude de permitir que as trocas se efetuem de modo mais equilibrado, que não haja nenhum país capaz de impor sua «lei», só pelo facto de ser emissor da moeda com o papel de reserva mundial. Também haverá maior dinamismo no comércio. Em particular, irá desaparecer a flutuação excessiva entre divisas, eliminando assim um risco que pode inviabilizar um negócio que se pensava ser rentável.


                              O conteúdo do vídeo acima, de Lena Petrova, é muito esclarecedor. 
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PS1: No vídeo seguinte, duas opções de criação de uma divisa dos BRICS são detalhadas:
https://www.youtube.com/watch?v=PF65jyA6qXc

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*A propriedade dessa dívida é a 80% propriedade do fundo de investimento da segurança social e outras entidades coletivas dos EUA.