Os chineses têm utilizado o sistema financeiro e monetário internacional para seu próprio proveito. Agora encontraram um estratagema novo: prescindem das estruturas do sistema financeiro ocidental, não terão necessidade de utilizar o SWIFT, ou bancos dos EUA, como intermediários. Vão continuar a utilizar dólares, mas os «seus» dólares.
Eles começaram - há algum tempo - a utilizar os dólares acumulados nos últimos decénios de excedentes comerciais, para financiar projetos da B.R.I (Belt & Road Initiative), as Novas Rotas da Seda.
Os países com os quais têm parcerias, são países devedores de empréstimos, em dólares, que precisam de vender suas matérias primas no mercado internacional para pagar os juros e a dívida, denominados em dólares. Mas, agora, os ditos países têm a opção de pagar os contratos com a China em Yuan, se assim o desejarem. Nalguns casos, têm pago os empréstimos chineses com matérias-primas. É o caso dos países exportadores de combustíveis fósseis, embora quaisquer outras matérias-primas possam servir como pagamento.
Mais recentemente, os chineses acrescentaram mais um processo engenhoso e simples de evadir a ditadura do dólar: Começaram a emitir obrigações soberanas em dólares. Esta oferta de dívida será naturalmente paga em dólares, de que a China não tem realmente falta: De facto, ela é a segunda detentora mundial de reservas em dólares, sob forma de Treasuries, a seguir ao Japão. Só no ano de 2023, o seu excedente comercial com os EUA saldou-se em 823.2 milhares de milhões de dólares (milhar de milhão = billion, em inglês). Para o ano de 2024, estima-se que o excedente alcance os 940 milhares de milhões de USD.
Então, a ideia de emitir obrigações soberanas (bonds) denominados em dólares parece insólita, à primeira vista. Mas não! É antes um tiro certeiro no sistema internacional do dólar.
Porquê?
A China vai emitir 2 mil milhares de milhões (2 billions) de dívida denominada em dólares e vai fazê-lo na Arábia Saudita. Serão instituições sauditas que irão supervisionar as operações.
Note-se, desde já, que os príncipes e magnatas sauditas e das monarquias petrolíferas, serão tentados a investir em tais obrigações. Estas terão um juro com uns pontos-base (0.01-0.03%) acima das «treasuries» emitidas pelos EUA. Lembremos que uma obrigação tem tanto maior valor no mercado, quanto mais baixo for o seu juro.
Esta primeira emissão de obrigações soberanas chinesas foi um sucesso: Houve 40 mil milhares de milhões de procura, para 2 milhares de milhões de obrigações postas à venda, ou seja um excedente de 20 vezes. Normalmente, aquando duma emissão de obrigações soberanas pelo Tesouro dos EUA, a procura excede somente a oferta em 2 ou 3 vezes.
Com isto, os chineses estão a assinalar aos EUA que poderão alargar e aumentar a emissão de bonds denominados em dólares num circuito de dívida que escapa inteiramente ao controlo dos EUA, embora a divisa seja o dólar US.
É relevante que estas obrigações chinesas são postas à venda, não por um consórcio de bancos da Wall Street ou da City de Londres, mas na Arábia Saudita. Aliás isto pode realmente ser muito importante também para o governo de Riade (e doutras monarquias «petrolíferas»), com um excedente crónico em dólares. Até há pouco tempo, os sauditas apenas podiam parcar os petro-dólares em «Treasuries», emitidas pelo tesouro americano.
Mas como é que o sistema-dólar fica ameaçado com isto?
- Imaginem que a China decide aumentar o volume de futuras emissões, ou seja, emitir 100 ou 200 milhares de milhões («billions») de obrigações em dólares: Haverá uma competição direta no mercado de obrigações em dólares. Muitos investidores irão preferir as «treasuries chinesas» às dos próprios EUA: Cada dólar que for desviado para compra de «treasuries chinesas», já não poderá servir para financiar os Estados Unidos.
A China não precisa de financiamento em dólares, para o seu próprio desenvolvimento. Porém, quase todos os (mais de) 150 países que fazem parte das Novas Rotas da Seda (Belt & Road Iniciative) precisam de dólares para financiar as suas economias. Os projetos de cooperação da BRI vão passar a ser financiados (em grande parte) com dólares emprestados pela China.
A contra-ofensiva dos EUA seria de restringir a possibilidade da China comerciar ou transaccionar em dólares. Isso, porém, seria um monumental «tiro no pé». Esta «opção nuclear» iria fragmentar - de imediato - o sistema financeiro internacional, socavando o dólar enquanto principal divisa de reserva global. Mas isto, é exatamente o que os americanos querem a todo o custo evitar.
Embora o Tesouro americano vá continuar a controlar a emissão e circulação de dólares-papel, já não terá «mão» para controlar totalmente os dólares digitais, que se vão difundir pelo mercado.
Talvez estejamos a assistir ao fim do «Exorbitante Privilégio» dos EUA. Os dólares poderão continuar como divisa interna dos EUA e em trocas bilaterais. Será uma situação análoga à da Libra Esterlina, que deixou de ser a principal divisa de reserva, no final da IIª Guerra Mundial.
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