O que os bem informados não se apercebem, é que, em contraste com a «Guerra Fria Nº1», os poderes usam os avanços da tecnologia e da I.A. para fabricar uma falsa realidade, uma informação «cientificamente» manipulada. Isso, é uma situação inteiramente nova.

quarta-feira, 27 de abril de 2022

VER O MUNDO DE OUTRA FORMA?


 
Lenine dizia... mais ou menos, isto: «Há décadas em que não se passa nada de muito relevante; e depois, surgem períodos em que os acontecimentos se precipitam, dando a sensação de que se viveram décadas, durante apenas uns meses ou semanas.»

Esta citação pareceu-me adequada para abrir uma reflexão sobre a mudança e - em particular - a mudança que temos experimentado, nos últimos anos. Temos a sensação de que a História se acelerou, de que grandes transformações ocorreram, de que se passam muitas coisas insuspeitas do grande público e mesmo de muitos dos peritos, que têm o potencial de transformar a nossa relação com o mundo, com o Estado, com a sociedade, com a economia, etc.

Seria muito interessante avaliar as diversas expetativas do que seria o século presente, enunciadas por eminentes intelectuais ou políticos no século anterior (século XX): Muitas delas revelaram-se muito distantes do real, quando confrontadas com os acontecimentos da história recente. Mas este exercício não se destinaria a fazer «chacota» dessas pessoas (nós também, tínhamos perspetivas que se revelaram falsas!), nem a nos mostrarmos mais clarividentes, que os nossos contemporâneos. 

Esse exercício mental seria um bom «remédio» para as pessoas (de quaisquer setores do espectro político-ideológico), que estão cheias de certezas, capazes de dar resposta a tudo, etc. Seria, afinal, um exercício de humildade, se efetuado honestamente. Obrigava-nos a ir aos fatores fundamentais e analisar, não a partir dos nossos desejos, ou das nossas construções ideológicas, mas a partir da realidade.

Veio-me à memória outra citação de Lenine; ele dizia: «Os factos são teimosos!». 

Não creio estar errado, se disser que a economia real deve prevalecer - numa visão de conjunto - sobre a economia financeirizada. 

Com efeito, as necessidades globais em alimentação, energia e matérias-primas, sobrepõem-se (muito visivelmente, agora) aos movimentos erráticos e caóticos do dinheiro especulativo. Porém, este facto não é particular à época atual; sempre foi assim! Mas, quando existia bonança ou, quando o abastecimento dos mercados em relação a esses produtos (alimentos, energia, matérias-primas), estava a funcionar normalmente, a atenção das pessoas era puxada para a componente especulativa da economia, ou seja, para a ganância do lucro, de «fazer dinheiro» com dinheiro. 

Se nós tomarmos um bocado de recuo, agora, neste momento particularmente conturbado da cena internacional, com as repercussões enormes que se estendem em todos os setores da economia, com particular incidência nos aspetos mais vitais, o que vemos? Vemos que a globalização capitalista, a engenharia económica e financeira, para aumentar as mais-valias da exploração do trabalho, com a exportação de fábricas e outros meios para os países do «Terceiro Mundo», onde não havia regulação séria do mercado de trabalho e onde era possível as multinacionais aí instaladas obterem um rendimento muitas vezes superior ao obtido na América do Norte ou na Europa, essa globalização ruiu.

Ela, globalização, ruiu e os países em «piores lençóis» são exatamente aqueles cujas burguesias mais beneficiaram dessa exploração acrescida, durante a fase de expansão e internacionalização mais agressivas do capital. 

As pessoas ainda não perceberam, porque continuam embaladas na ideologia neocolonial, ou no consumismo acéfalo, mas o facto é que as componentes tecnológicas essenciais estão a ser fabricadas pelas nações e pessoas que elas (no fundo) desprezaram. Estas pessoas são técnicos altamente qualificados, engenheiros, investigadores, que enxameiam muitas das instituições de ponta do orgulhoso «ocidente» e, sem elas, simplesmente não haveria capacidade humana para realizar o trabalho de investigação e desenvolvimento, nos vários setores. Eu sei isso muito bem, pois tenho acompanhado na minha área (biologia molecular e genética) essa progressão, mas tenho informação segura de que se passa o mesmo, noutras áreas muito diferentes, mas igualmente ditas «de ponta». 

Assim, o próprio desenvolvimento da economia financeirizada, o capitalismo na fase senescente, veio dar - a ele próprio - a machadada final. 

O efeito político e geoestratégico disto é o que estamos a presenciar neste ano de 2022. Uma separação radical em dois mundos, o eixo Russo-Chinês, incluindo a Índia e muitos parceiros da Ásia Central e do Sul, além de uma ampla gama de acordos com África, América Latina e mesmo em setores da Europa. Por outro, um mundo dito Ocidental, que está mais ou menos limitado à Europa da UE, ao Reino Unido, aos EUA e aos anglófonos Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Neste bloco, os EUA reinam como potência hegemónica, ditando  o que se deve ou não fazer e que posições tomar, até ao pormenor. 

Atrevo-me a dizer que não haverá mais globalização liderada pelo «Ocidente», pois ela foi propositadamente deitada abaixo, tendo os estrategas norte-americanos decidido que era melhor assim para o seu poderio. Esta tendência já se afirmara claramente no consulado de Donald Trump. Agora, apenas está a ser levada ao extremo pelos neocons que decidem a política em Washington. 

Segundo esta visão, é melhor ter uma mão forte, segurando um conjunto de países-vassalos (os da NATO e sua réplica no Pacífico), ao Império ter que se confrontar em permanência com competição, resultante da ascensão económica e geoestratégica dos que não se conformam com sua ditadura. Eles chamam isso: «Rules based order». 

Isto serve também, ao fim e ao cabo, os interesses geoestratégicos da Rússia e da China, que estão apostadas ambas em maximizar a conectividade entre si e com os países da Organização de Cooperação de Xangai. 

No meio, ficam nações falidas, destruídas pela guerra : a Ucrânia é a última de tais nações, mas não devemos esquecer a Líbia, o Afeganistão, o Iraque, o Iémen, e outras... Cada uma dessas nações terá de se reconstruir após guerras cruéis, o que poderá corresponder a decénios. 

Nunca a história volta atrás; O que aconteceu num dado período, deixa um traço indelével que se prolonga até ao presente. Sem inteligência da História, dum modo aprofundado, somos conduzidos por clichés, por preconceitos, por ideologias de pacotilha. 

Nunca é fácil compreender o mundo. Ele não se rege por qualquer «lei», ao contrário do que Marx e os marxistas criam; o mundo dos homens, das sociedades, das civilizações é caótico, ou seja, não é possível se aplicar qualquer «lei, regra ou princípio». 

É preciso compreender isto e compreender que o mundo natural - o mundo das necessidades energéticas, incluindo alimentação, que é afinal energia para o nosso corpo - esse obedece a certas constrições, que não se podem eliminar: as leis da termodinâmica, as leis da vida, das leis genéticas até às leis que governam as populações; as leis da ecologia, dos sistemas renováveis e dos recursos finitos, etc. 

As pessoas que têm formação em biologia ou áreas conexas, têm natural propensão em ver o mundo deste modo: Este modo de ver, se não for transformado numa pseudo- ciência, ou numa forma atualizada da ideologia cientista dos séculos XIX e XX, pode ser um instrumento muito mais fértil, quer para a prospetiva, quer para a planificação flexível. 

Afinal, o melhor modelo é aquele que passou «o teste» de Éons de evolução biológica: Compreender a fundo estes mecanismos não implica compreender tudo o que respeita ao mundo dos humanos e suas sociedades, mas ajuda a colocar a economia, a sociologia e  política,  em perspetiva.

terça-feira, 26 de abril de 2022

[GONZALO LIRA] AVALIAÇÃO DA CAMPANHA MILITAR EM CURSO NA UCRÂNIA


 O blog «Moon of Alabama» publicou uma recapitulação da guerra russo-ucraniana, da autoria de Gonzalo Lira, o chileno residente em Karkov (Ucrânia), que tem dado informação rigorosa e análises que - no geral - se têm revelado acertadas:

A Recap Of The War In Ukraine - by Gonzalo Lira


Gonzalo Lira @GonzaloLira1968 - 

Quick recap for those who haven't followed what's been going on in Ukraine but want to understand: 02/24: The Russians invaded from the south, south-east, east and north, in a lightning campaign. The Russians invaded with 190K troops—against 250K combat troops from Ukraine.

The RF put 30K troops near Kiev—nowhere near enough to capture the city—but enough to pin down some 100K AFU defenders. The RF also launched several axes of attack, with reinforcements on standby (including a famed 40km long tank column), to see where they might be needed.

Crucially—the Russian's blitz on several axes pre-empted an imminent UKRAINIAN blitzkrieg. The AFU had been about to invade the Donbas. This was the immediate motivation for Russia's invasion: To beat them to the punch and scuttle Ukraine's imminent invasion—which they did.

Also, by attacking from the north and south, the Russians disrupted weapons supply chain from NATO. Had the RF only attacked in the east to prevent the AFU invasion of Donbas, there would have been an open corridor for resupply from the West. Threatening Kiev stopped that.

So the main AFU army was left stranded in east Ukraine, with the rest of the Ukr. forces isolated and pinned down—with no easy resupply from the West. The RF then went about hitting AFU command/control and resupply links, further isolating and immobilizing Ukrainian forces.

The Russians soon nominally controlled land the size of the UK in Ukraine—but it was a tenuous control. The south of Ukraine was more fully in Russia's grip. The AFU around Kherson simply scattered. Mariupol became a clear battleground, as did the Donbas proper.

What the Russians initially wanted was to:

  • Short-circuit the imminent Donbas invasion - which they did.
  • Scare the Zelensky regime into negotiating a political settlement - which they failed to do.

Kiev had no intention of negotiating a ceasefire because of orders given to them from Washington: “Fight Russia to the last Ukrainian!” Also, the Neo-Nazi goons around Zelensky threatened him if he negotiated and surrendered because they are terrified of the Russians.

So Zelensky launched a massive PR and propaganda campaign, primarily to motivate AFU forces to fight to the death. Myths were created (Ghost of Kiev), false flags were carried out (Bucha, Kramatorsk) and relentless media stories were flogged relentlessly.

The Russians kept negotiating and trying to NOT destroy Ukraine infrastructure. In fact at first they were even trying to minimize AFU casualties. The evidence for this is overwhelming: The RF did not hit civilian infrastructure - water, electric, phone, transportation. They did not hit AFU barracks, command centers, government buildings, etc.

The Russians' initial priority was for a *negotiated settlement*. But by late March, they realized this was impossible.

This is why the RF withdrew from Kiev. There was no sense putting men near the city when they were not doing what they were supposed to do - putting political pressure on the Zelensky regime to negotiate. This withdrawal was claimed as a “victory” in the “Battle of Kiev”! lmao

Starting in late March, the Russians pulled back and solidified their control over the area they had captured, ceding to the AFU areas that were either pointless to or potentially too costly to control. The Ukraine propaganda machine called all these pull- backs “victories”.

There was still a glimmer that the war might end in a negotiated settlement but that ended in early April. After the Istanbul talks of 3/30, the Ukraine side gingerly agreed to some compromises but within a week publicly disavowed those concessions.

That's when the Russians realized the Zelensky regime was agreement-incapable: Their Washington masters, Victoria Nuland and Anthony Blinken in particular, wouldn't allow a peace. They want this war to sap Russia dry. It is a classic proxy war and Ukraine will pay the price.

Something else the Russians realized: Sanctions. They hurt but Russia bounced back with remarkable speed. They didn't really hurt that bad. But the theft of Russia's $300 billion in foreign reserves by the West DID hurt - badly. The Russians realized they were in a total war with the West and since their foreign reserves were lost forever (likely to be pilfered by corrupt Western politicos), the Russians now have nothing left to lose. By stealing their reserves, the West lost all power over Russia.

This has sealed Ukraine's fate: The Russians now have no incentive to give up what they have conquered. It has cost them too much in terms of men and treasure. And they know that they can't negotiate a ceasefire. The Zelensky regime will simply break it later.

Which means:

The Russians intend to conquer and permanently annex all the south and east of Ukraine. This is why their strategy on the battlefield has dramatically shifted: Now they are carrying out a slow, methodical grinding down and destruction of the AFU.

The war in the first 30 days was speed, feints, nominally capturing vast swathes of Ukraine territory, with the aim of pressuring the Zelensky regime into a negotiated settlement. But the West's total financial and political break with Russia means they have nothing to lose. And they have a lot to gain: The Donbas is mineral rich, the really productive farmlands of Ukraine are in the east and south, Kharkov is a major industrial city, the Sea of Azov has untold natural gas reserves.

And besides - the people love them. Why would the Russians now give up this hard-won prize?

And they *have* won - make no mistake. Ask any military man who is not a system pig, he'll tell you: There is no way for the AFU to retake their country. They have no armor, no air defense, no fuel, no comms - it's over.

The great tragedy is that so many THOUSANDS of young men will die, and die NEEDLESSLY!!,  in order to postpone the inevitable. These brave boys will have fought so valiantly - and died so young, so cruelly -because of the evil of the Zelensky regime.

That's the hard truth.

And in the end, this will be the map that will remain—a bitter image of Ukraine's future. Russia will pour billions into their newly acquired territory. It will prosper and flourish. But the rump-state of Ukraine will be left poor, destroyed, forgotten.

A tragedy.


[Comentário do editor de Moon of Alabama:]

I concur with the above except for two minor detail. The move on Kiev was not intended to hinder resupply to Ukrainian troops in Donbas but to 'fix' potential reinforcement around the capital. That enabled Russian troops to open the corridor from Crimea to the Russian border as well as to cross the Dnieper in the south and to take Kherson. Those were the most important moves for the further development of the war.

I also do not believe that Russia will 'annex' the areas it is liberating from fascist control. Once librated the people in those areas will vote on becoming independent from Ukraine and the various regions, Donbas, Luhansk, Kherson, Odessa, will form states that will become part of the Federal Republic of Novorossia.

That country will be recognized and supported by Russia and its allies.

PS1: A parte final, o comentário, são especulações do autor do blog Moon of Alabama. A posição oficial do Kremlin pode ser lida, entre outros, nesta transcrição da conversa de Putin e António Guterres, sobre a situação na Ucrânia: http://thesaker.is/president-putin-and-un-secretary-general-antonio-guterres-meeting/

[Mitsuko Uchida] W. A. Mozart: Fantasia em Ré menor, K. 397




                                            https://www.youtube.com/watch?v=eNOhBE20zsI

A minha dupla homenagem, ao génio pré-romântico de Mozart e a Mitsuko Uchida que exprime toda a subtileza da música mozartiana, de modo único.

(para uma análise da peça, ver AQUI )
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Meu comentário:

Esta peça, tal como outras composições de Wolfgang Amadeus, tem um inegável toque de sensibilidade romântica. Talvez, o que caracteriza o romantismo seja - antes de mais - uma configuração mental. 

A época dita «rococó» está cheia de exemplos de peças ou de passagens, que soam como românticas aos nossos ouvidos. Provavelmente, porque na época seguinte, durante o Século XIX, muitos compositores se serviram de certas fórmulas como clichés. 
Aliás, não só Mozart revela sensibilidade pré-romântica. Também se pode notar esta tendência (estilo «Empfindsamkeit») nos filhos de Bach, Carl Philipp Emanuel e Wilhelm Friedmann, ou mesmo em Joseph Hadyn.
É notório que o movimento literário «Sturm und Drang» do final do século XVIII, era totalmente romântico. Porém, nessa época - cerca dos anos 1780 - a música ainda se regia pelos cânones do Classicismo.
Creio que o romantismo musical surge como a cristalização de tendências que já se afirmavam no Barroco tardio e no Classicismo.

 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

MESA-REDONDA: A GUERRA NA UCRÂNIA E O COLAPSO DA ORDEM MUNDIAL




Veja esta mesa redonda, com os convidados seguintes: Alastair Crooke Former EU senior diplomat and the founder and director of Conflicts Forum. Scott Ritter Former US Marine Corps Intelligence officer and UN Chief Weapons Inspector. Max Blumenthal American Journalist, author, blogger, and editor of The Grayzone website. Seyed Mohammad Marandi Professor of English literature and Orientalism, University of Tehran. Hosted by the Institute for North American & European Studies (INAES)

---------------- PS1: Em complemento, uma entrevista com Annie Lacroix-Riz:

domingo, 24 de abril de 2022

F. LISZT: «UN SOSPIRO» [VALENTINA LISITSA]

                                           



                                             https://www.youtube.com/watch?v=oHBul0bc55o

«Un Sospiro»: Quem deu este título (em italiano) ? Não foi o autor da peça.
Liszt, já bastante adiantado na idade, compôs algo que é impossível definir; um «noturno»? um «estudo»?

-Afinal, não se trata de um suspiro, mas de respiração ampla, oceânica.
A paisagem musical/poética descreve as ondulações do mar, a brisa salgada que nos enche os pulmões.

A maleabilidade e leveza de Valentina Lisitsa, resultam na interpretação perfeita de «Un Sospiro»