sábado, 30 de setembro de 2017

REFLECTINDO SOBRE O NACIONALISMO

Catalunha, País Basco, Escócia, Flandres, etc... São frequentes nos últimos anos os casos de nações europeias, incluídas à força dentro das fronteiras de um estado, que tentam separar-se do estado, obtendo a independência por meios democráticos. 

                                  Foto de Pepe Escobar.

Porém, a arquitetura da Europa da UE não é nada favorável, com a sua rigidez, com as suas burocracias meticulosamente repartidas entre seus estados-membros, com os seus tratados que têm como um dos principais aspetos a manutenção do status quo. Vemos a difícil separação da Grã Bretanha da UE, o famoso «Brexit». Estes movimentos centrífugos e de recusa do ultra-centralismo, quer seja ao nível de estados-nações, quer ao nível de super-estado (U.E.), têm sido mais vigorosamente expressos nas nações cujo território encerra indústrias ou recursos naturais que permitiriam uma economia viável, fora do conjunto nacional no qual se encontram incluídas. 
Noutros pontos do globo, como nas zonas habitadas por curdos da Síria, Iraque (com potencial para se alargarem para partes do território Turco e Iraniano), verificamos tentativas de avanço para maior autonomia no caso da Síria e para uma completa independência (Curdos iraquianos).  Os traçados de fronteiras artificiais resultantes da 1ª guerra mundial e do desmoronar do império otomano, são responsáveis pela situação, mas também o próprio princípio centralista dos Estados, concentrando ao máximo o poder político, administrativo e económico.
As proclamações da ONU sobre os direitos dos povos à autodeterminação e independência, que foram um importante  apoio à luta e ao triunfo dos movimentos independentistas anti-coloniais, implicava também uma aceitação tácita das fronteiras arbitrariamente desenhadas pelos vários colonizadores. Esta situação fez com que - em África - não existe (que eu saiba) nenhum estado, presentemente, cuja população seja etnicamente homogénea, longe disso. Há zonas de povoamento de etnias cortadas por fronteiras entre estados; há etnias que são muito hostis uma em relação à outra e - no entanto - são obrigadas a coexistirem dentro do mesmo estado, a viverem sob o mesmo governo. 
Os estados e organizações supra-estatais de âmbito regional (como a UE) ou internacional (como a ONU) são totalmente incapazes de se auto-reformarem de modo a que seja mais fácil e natural a separação de povos que vivem dentro de suas fronteiras nacionais. 
O federalismo, como era entendido pela República espanhola , tinha permitido uma larga autonomia das nações que a constituíam.  Os princípios federativos da URSS (embora a prática fosse coisa totalmente distinta) também permitiam uma larga autonomia e a independência, em princípio.
O federalismo de Proudhon e de Bakunin foi largamente inserido nos princípios da 1ª Internacional, que a 2ª Internacional (dos partidos social-democratas e socialistas) herdou. É porém notável verificar-se que os herdeiros (nominais) de tais organizações - como o PSOE - têm uma posição claramente centralista.
Os processos de desagregação dos estados europeus, ou de outras paragens, é sintoma de senescência destas estruturas. Porém, sua decadência pode durar vários séculos.
Estou convencido que a esclerose dos estados vai de par com um maior autoritarismo, o que equivale - na prática - a maior centralização. Nunca se viu uma deriva autoritária de um poder, que não fosse centralizadora. 
Pelo contrário, a descentralização verdadeira, ou seja, a aplicação dum federalismo autêntico, faz com que as uniões entre várias entidades acabam por ser mais sólidas e duradoiras porque não se revestem do odioso duma etnia a oprimir outra, ou outras. 

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

APRESENTAÇÃO: CADERNOS SELVAGENS DE SETEMBRO

                               Foto de Fábrica de Alternativas.

Mais uma edição dos «Cadernos Selvagens», boletim trimestral da Fábrica de Alternativas de Algés, que será apresentada e debatida no Sábado 30 de Setembro, pelas 18:30. 
Após a sessão haverá um jantar vegetariano (quem desejar jantar tem de se inscrever em:  fabrica.de.alternativas@gmail.com )
A seguir ao jantar, será apresentado um documentário: "David Lynch: a vida arte"

Compareçam!

(PÁGINA FACEBOOK: https://www.facebook.com/CadernosSelvagens/ )

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

SOBRE A AUTO-DETERMINAÇÃO CATALÃ

O sumário do documento estabelece, em parte, que:
«Estes esforços são realizados sobre as prévias tentativas da Catalunha em consolidar a governância representativa para a cidadania catalã dentro e conjuntamente do estado democrático espanhol. Quatro peritos internacionais reconhecidos foram convidados pelo governo catalão a examinar a controvérsia gerada pelo referendo de auto-determinação. Este foi convocado apesar da oposição das autoridades espanholas que contestam a sua legalidade, ao contrário de exemplos recentes de tendência ao reconhecimento da auto-determinação, o mais saliente dos quais é o referendo da Escócia pela independência...»
O estudo conclui: «Da perspectiva do direito internacional, torna-se claro que não existe uma disposição legal internacional que proíba uma entidade sub-estatal (regional) em decidir o seu destino por auscultação da vontade do seu povo. Tanto a lei como a prática dos estados, apoiam esta conclusão»
As manobras do governo de Madrid para impedir a expressão do povo catalão, sob forma de referendo, são medida de desespero, pois desprezam a consequência nefasta de exacerbar as tendências extremas. É irresponsável no mais alto grau, pois não serão estas medidas que irão impedir que, num futuro mais ou menos próximo, de uma ou doutra maneira, o inevitável se dê. 
Porém o modo como tudo isto se desenrola é muito importante, não apenas para a Catalunha, mas igualmente os restantes povos ibéricos, em geral. 
Com efeito, este processo mostra que as tentativas pacíficas de auto-determinação irão ser inviabilizadas pela rigidez de um poder «imperial». 

LA STRAVAGANZA DE VIVALDI



Em momentos de júbilo, de angústia, de fastio, de concentração... oiço Vivaldi.
Espero que gostem desta coletânea «La Stravanganza», os 12 concertos para violino e orquestra de arcos. 
Vivaldi faz respirar - como se tivesse vida - a melodia do violino solista e extrai o máximo efeito possível da orquestra.

Estes concertos para violino (e outras coletâneas) foram realmente célebres no seu tempo, a julgar pelas variadas cópias e pelas transcrições para cravo solo.


terça-feira, 26 de setembro de 2017

JOGO DÚBIO E CRIMINOSO NA SÍRIA

Conforme tinha esclarecido, em artigo anterior, a situação na zona de Deir Ezzor está muito volátil e foi aproveitada pelos «terroristas moderados» para um ataque certeiro que atingiu mortalmente três militares russos de alta patente. Como diz o blog «Moon of Alabama»...
« durante 3 anos o ISIS cercou as tropas sírias na cidade e no aeroporto de Deir Ezzor. Nunca ele conseguiu atacar com sucesso o quartel-general sírio e matar militares de alta patente. Agora, quando forças aliadas dos EUA, «aconselhadas» por forças especiais de comandos dos EUA, tomaram posições ao norte de Deir Ezzor, o ISIS tem de repente dados de espionagem e capacidade de tiro certeiro com morteiros, capaz de matar um grupo de oficiais russos em visita?» 

Ninguém acredita na versão de que o ataque foi efectivamente perpetrado pelo ISIS. Os russos fingem acreditar que foi assim, mas não deixam de mostrar por vários canais o que foi registado em fotos de satélite, que mostram as forças de comandos dos EUA e das SDF entrarem em território até agora controlado pelo ISIS, ao norte de Deir Ezzor, mas sem preocupação especial de cobertura ou escolta, como se esse território fosse seguro para elas.

                     

Como eu previra, os militares envolvidos no «Estado profundo», uma coligação entre forças «neo-conservadoras» poderosas, com ramificações em todo o aparelho de segurança, CIA, NSA, etc... assim como no Pentágono, estão a criar as condições para permanência, no longo prazo, de forças militares de elite americanas. Esta é a lógica por detrás destas provocações: manterem focos de instabilidade a todo o custo e propiciarem incidentes diversos, envolvendo forças sírias e agora também russas, na esperança de manterem um semblante de «justificação» para a presença ilegal de bases americanas «clandestinas» no leste e norte da Síria, cujo governo legítimo nunca autorizou.

Confirma-se, como para o caso da crise com a Coreia do Norte, que as lideranças dos EUA, dominadas pelas facções mais belicistas pensam que as soluções militares são de facto eficazes. Ou, embora reconheçam que as intervenções militares não chegam por si só, são essenciais para manter sob tensão os inimigos, ou seja os russos, os chineses e seus aliados.  
As elites do poder - o Pentágono, das diversas agências de espionagem, as facções mais conservadoras da políticas (como o senador MacCain, por exemplo) - escolhem o caminho do confronto e do caos. 

Sempre o mesmo modelo de geoestratégia, inspirado de Mac Kinder e de Brezinzky: não permitir, ou contrariar, a aliança entre as principais potências do continente euro-asiático e fomentar guerras e toda a espécie de operações secretas de desestabilização em territórios dessas mesmas potências  ou de seus aliados, na esperança de poder «dar cartas» num jogo, afinal, onde os americanos não têm nenhuma legitimidade para participar.  
  

domingo, 24 de setembro de 2017

Milhões de vidas estão em jogo, diz a organização «Veteranos Pela Paz»


                                                        

Veteranos pela Paz é uma organização que agrupa membros das forças armadas dos EUA que lutaram em várias guerras. 
São uma voz incómoda para o poder de Washington. 
Para nós, pessoas comuns quer sejam ou não de nacionalidade americana, eles deveriam ser escutados com imensa atenção. 
- Quem melhor do que os que passaram pelos horrores da guerra pode compreender a injustiça que qualquer guerra constitui quando se abate sobre um povo, seja ele qual for? 
- Quem sofreu, sabe que as guerras deixam marcas muito profundas, arrasam famílias e destroem a felicidade dos sobreviventes para todo o sempre. 
É sintomática a elevada taxa de suicídios nos veteranos. É que muitos sofrem de stress pós-traumático, que não é sempre diagnosticado a tempo.  


Redigiram uma carta aberta aos presidentes dos EUA e da Coreia do Norte. Porém, ela também é dirigida a todas as pessoas que desejam a paz e que estão conscientes da gravidade do momento:

Dear President Trump and Supreme Leader Kim Jong-un,
You have both made your point.The world has seen that neither of you will back down before the threats of the other.  For the sake of the world’s people, it is now time for good faith negotiations.
President Trump, you have engaged in reckless rhetoric and threatened to “totally destroy” North Korea with “fire and fury like world has never seen.”  We can tell you right now that you do not speak for millions of veterans in this country.  We know firsthand the horrors of war, and we don’t want to see them again, not even from a distance. 
Supreme Leader Kim Jong-un, your threats to target Guam and the United States with nuclear weapons are deeply disturbing. We understand that you must defend your nation from threats of U.S. intervention.  However, your words and actions, like President Trump’s, are causing a very unstable and dangerous situation.
You both have shown the other, and the world, that you have the capability of causing calamitous destruction in a distant country.  You have also shown that through the strategy of “deterrence,” which holds millions of people hostage to the threat of nuclear war, you have so far been able to fend off an attack by the other.
The point has been made.  Now is the time to start backing off.
It is time for each side to clearly state its conditions for negotiations. Not conditions that are deliberately designed to be impossible for the other side to accept.  But conditions that are “negotiable.”  There should be no unilateral “pre-conditions” for talks to begin.  The people of the world are demanding peace.
The name-calling and bluffing game must stop, before someone, somewhere, makes a tragic mistake, a mistake that could never be undone.  Millions of people would die a horrible death, not only in Korea, the U.S. and Japan, but also in Okinawa, Guam, China, Russia - and who knows where else.
Millions of lives are in the balance, as is the future of the human species. For the sake of our mutual survival, it is time for diplomacy.  It is time to negotiate.  It is time for peace.  As veterans of too many wars, we beg you to start talking now.
Please let us know if we might be of assistance.  We will help in any way we can.
Peace for All Koreans!  Peace for All the People of the World!

Most sincerely,
Veterans For Peace

sábado, 23 de setembro de 2017

SOBRE NEOFEUDALISMO E PORQUE DELE NÃO SE FALA

«Our system is Neofeudal because the non-elites have no real voice in the public sphere, and ownership of productive capital is indirectly suppressed by the state-corporate duopoly.* » Charles Hugh Smith

(*O nosso sistema é neo-feudal porque as não-elites não têm realmente qualquer voz na esfera pública e a posse do capital produtivo está indiretamente suprimida pelo duopólio estado-corporações) 

Como bem diz Charles-Hugh Smith, a questão é essencialmente de poder. Poder político e poder económico, os quais andam sempre de par. 

A nossa ideologia que permeia todo o quotidiano é a do neoliberalismo, ou seja, de que não existe alternativa à democracia representativa, dentro dos moldes definidos como sendo aceitáveis. Não se questiona o poder económico, que distorce a genuinidade e a possibilidade mesmo de uma democracia eleitoral; estabelece-se uma igualdade fictícia, a igualdade do eleitor perante o voto, a igualdade dos candidatos a um posto de trabalho, a progressão social e profissional apenas dependente do mérito (meritocracia), etc.
No domínio do poder económico as coisas são muito claras, basta-nos analisar a estrutura de posse de que as diversas fatias (não uso o termo classes, neste contexto) de rendimentos dispõem. 
Os muito ricos, os que estão no 1%, em termos de rendimentos, têm as suas posses repartidas de tal modo que uma parte substancial seja fonte de rendimento. Portanto, tal estrutura de propriedade implica acumulação, sem - aliás - fazerem qualquer esforço de contenção de gastos. Por isso é que os muito ricos são tendencialmente cada vez mais ricos. 
À medida que se desce na escala de rendimentos, verifica-se que a quantidade disponível de bens que geram rendimento se vai tornando numa fatia percentual menor, em relação ao total: por exemplo, uma família da classe média poderá possuir um apartamento que utiliza como habitação própria, ou seja, não gera rendimento; quanto muito, evita que parte de seus salários seja para pagar as rendas de casa. Além desse apartamento, podemos supor que disponha de alguns rendimentos financeiros, como fundos de poupança ou outros, os quais irão gerar uma quantidade mínima de rendimento. 
Quando nos deparamos com a situação das classes realmente desapossadas, «proletárias» no sentido clássico do termo, verificamos que não são detentoras de bens que geram rendimentos, nem possuem bens que - pelo seu valor e seu uso - representam uma forma de independência mínima. Isso significa sobretudo, nos dias de hoje, o ser dono de sua casa; no passado distante significava ser dono de terreno agrícola que permitisse assegurar o essencial da subsistência.

         

No gráfico acima, retirado do artigo de Charles Hugh Smith citado, os rendimentos de vária natureza - participação em negócios, fundos, ações, títulos, imobiliário não habitacional, seguros de vida, depósitos, contas-poupança, residência principal, dívida total - seguem uma progressão inversa ao estatuto socioeconómico. A maior percentagem de participação em negócios vai para o 1% (os mais ricos), enquanto a maior fatia da dívida vai para os restantes 90% .
Penso que este esquema se aplica, não apenas à sociedade americana, como também às sociedades europeia e portuguesa, com algumas variações de pormenor.
Esta estrutura de propriedade pode nos fazer compreender a verdadeira razão porque a parte mais rica e poderosa tem vindo a aumentar o seu poder económico e político nos últimos 30 anos, enquanto os trabalhadores e os pequenos empresários têm ficado cada vez mais frágeis, ou mesmo depauperados, em muitos casos.

A ideologia neoliberal esconde deliberadamente o facto essencial da fratura social em classes. Ela está constantemente impondo a sua visão do mundo falseada através da tripla falácia da democracia eleitoral representativa, da meritocracia e das classes de rendimento.