sábado, 22 de outubro de 2016

CONSTRUIR O MOVIMENTO PELA PAZ


Num contexto de horrível desacerto mundial, que se traduz por centenas de milhares de mortos, milhões de feridos e dezenas de milhões de refugiados, qual o propósito de se intervir dentro de sociedades abúlicas, apenas centradas nos seus prazeres hedónicos, completamente egoístas, incapazes de traçar as origens dos males às suas próprias chefias e ao indiferentismo das massas e à sua cobardia, também? 

Penso que é sempre necessário - agora, muito mais - firmar uma posição ÉTICA, ou seja, a posição com a qual nós nos identificamos profundamente, aquela que deveria estar, não apenas nas palavras, mas também nos atos dos nossos dirigentes. 

Ora, uma posição ética deve começar pela denúncia, pelo desmascaramento, mas não deve confinar-se a isso. A denúnica permite uma tomada de consciência da cidadania. Mas, isso apenas pode ocorrer, caso a cidadania já esteja previamente imbuída de valores humanistas, repudiando demagogias, com sua capacidade própria de consciência crítica. 

A denúncia dos crimes de guerra, sobretudo dos que são perpetrados pelos «NOSSOS» governos, exércitos e agentes é - sem dúvida - algo que se deve continuar a fazer, com a força serena da consciência, da justiça, do humanismo. 

Mas, a «opinião pública» está tão amestrada, tão abúlica que os poderes já nem precisam de suprimir os «dadores de alerta»: apenas, fazem com que eles sejam desacreditados por uma média inteiramente ao seu serviço.
A média tem mostrado que se preocupa apenas com «que origem» e «como» veio a público a informação escandalosa e incriminadora para os poderes. Nunca discute o próprio conteúdo dessa informação. 

Assim, eles, os que controlam a média corporativa, fazem com que em vez do político corrupto, seja o «dador de alerta» a ficar desacreditado no tribunal da opinião pública, torna então possível que não exista empatia por parte do público em relação a ele. 

Algumas vezes, felizmente, eles falham nos seus propósitos, pois o público está cada vez mais simpatizando com esses dissidentes, para grande susto dos poderosos. 

Porém e apesar do que se afirmou acima, os poderosos sociopatas e psicopatas que nos governam, têm conseguido defletir o debate daquilo que seria «mortal», em termos de sua própria imagem pública. 

Por exemplo, em vez de se discutir os crimes de Hillary Clinton, principalmente os que praticou aquando da sua passagem pelo Governo (nomeadamente, aquando da expedição criminosa contra a Líbia e suas consequências), discute-se se a fuga de informação foi uma «piratagem» por «hackers russos» ou teve outra origem... 

Este típico processo ocorreu com outros atores da política, nos EUA e em muitos outros países: não pretendi aqui somente discutir o caso patológico da Hillary Clinton.

Evidentemente, esse truque funciona porque a massa já está fortemente condicionada pela média: são infelizmente demasiados aqueles que se deixam embalar pelas conversas das «versões oficiais» dos factos... chamando «teorias da conspiração» a tudo aquilo que demonstra a inanidade dessas mesmas «versões oficiais», cheias de cortes e remendos...

Mas, entretanto, numa escala não menos grave, as Constituições são feitas em pedaços, os próprios mecanismos de funcionamento do Estado, as Leis, os Parlamentos, são transformados em «bobos», mas tudo isso na maior indiferença das massas. Se as pessoas leram Hannah Arendt e o seu magistral ensaio sobre as origens do totalitarismo, recordarão que ela escalpelizou o processo da instalação na Alemanha dum Estado totalitário; após a tomada do poder, Hitler e os nazis não revogaram a Constituição e muitas Leis democráticas da República de Weimar; ignoraram-nas completamente, ficando elas letra-morta, tal como agora acontece nas chamadas «democracias ocidentais»

As pessoas foram aprendendo que esta democracia não é senão o poder de uma oligarquia, que a representação da vontade popular é uma grotesca farsa e portanto, afastam-se e apenas se centram nos seus afazeres imediatos, em ganhar o pão, cuidar dos filhos, extrair algum prazer de suas vidas... com exclusão do resto, ou seja de qualquer dimensão de cidadania! Afinal, assim conformam-se àquilo que a elite deseja. 

Por conseguinte, não chega que haja, no seio do povo, desprezo pelas elites que nos governam, elas não se importam que não as adoremos, desde que não «façamos demasiadas ondas». 

O que falta para que haja paz, é que tem de haver uma consciência de paz, têm de ser as próprias pessoas a fazer prevalecer o bom-senso e o profundo sentimento de justiça e de igualdade. 

Todas as pessoas que eu conheço, independentemente da sua ideologia, credo religioso, condição económica, nacionalidade, etc. não apenas estão basicamente de acordo em relação aos direitos dos indivíduos, como ao direito das diversas culturas e sociedades em viverem de acordo com os seus costumes e as suas leis, desde que elas não impeçam que outros o façam também, também sigam os seus caminhos próprios. 

E eu não vivo num mundo à parte, garanto-vos: então, porque motivo um consenso difuso que parece existir, não se traduz na prática? 
Esta e outras questões não carecem tanto de uma resposta lógica ou psicológica, mas sobretudo uma resposta na prática social, na prática coletiva.

Vamos, por isso, lançar iniciativas de paz dentro das nossas comunidades, debatendo como aprofundar os caminhos da paz, da recusa da guerra, do militarismo, do racismo, da xenofobia... pela positiva.

Saberemos tomar o destino nas nossas mãos, a partir do momento em que tivermos a consciência clara de que, não apenas a nossa opinião, mas também o nosso gesto conta e muito... 

Por exemplo, no campo financeiro, um magnate quer investir um milhão numa campanha para nos convencer -subtilmente, como faz a publicidade - a adoptar determinado ponto de vista e comportamento.  

Seria fútil, no atual contexto, tentar impedir que tal coisa aconteça, pois a acontecer, será em segredo, sem que o público tome conhecimento dos propósitos de tais campanhas de «informação» (na realidade, de  lavagem ao cérebro!).

Mas seria bem melhor e muito possível que nós - pessoas  comuns - fizéssemos campanha em pleno, realizando, por meios ao nosso alcance - com maior eficácia até do que os «especialistas» da publicidade - por aquilo que é justo e necessário.

Mesmo no plano estrictamente financeiro, uma campanha que atingisse um número elevado de pessoas, doando apenas - em média- um euro ou um dólar por cada pessoa, poderia ficar rapidamente com meios superiores à campanha do tal magnate.

Uma vez que as pessoas se reunam com propósito claro de construir uma cultura de diálogo de paz e de igualdade, entre elas e com todos os povos, será imparável. 

O problema é mais que as pessoas estejam muito auto-anuladas. Exageram a sua impotência; descrêem do seu potencial. Isso é devido a um complexo de razões, mas deve ser também compreendido como parte da caminhada em prol da paz. 

Sermos capazes de convencer os nossos semelhantes que têm muito maior capacidade, eficácia, etc. do que lhes querem fazer crer. Sem esse interiorizar da impotência, as pessoas não seriam domináveis e manipuláveis.

A cultura de paz tem de abordar esses fenómenos e tentar responder de forma coerente, adequada e criativa para se expandir e irradiar até se tornar uma maré avassaladora. 

Eu acredito que seja perfeitamente possível. 
Temos exemplos históricos disso, desde Gandhi e o movimento essencialmente não violento pela independência da Índia em relação ao Império Britânico (nos anos quarenta do século vinte), a luta nos EUA pelos direitos civis dos negros e outras minorias, pelo qual Luther King deu a vida (nos anos sessenta), mas também a luta contra a instalação dos Pershing II (nos anos oitenta), o movimento contra as armas nucleares e de destruição massiça, que obrigou os Estados a efetuar tratados internacionais (hoje, estão a denunciar alguns desses, o que mostra claramente o perigo da situação), etc.

Estamos a construir essa comunidade de paz, com pessoas nossas conhecidas, com as quais temos afinidade. 
Daremos conta aqui e noutros sítios deste movimento DE SOLUÇÕES PARA A PAZ!

https://issuu.com/warresistersint/docs/design?e=0/38826787

https://www.youtube.com/watch?v=6_bVVAVwfSQ

https://www.facebook.com/events/187269765054832/

terça-feira, 18 de outubro de 2016

O PRÓPRIO GRANDE CAPITAL CONFESSA...

ESPANTEM-SE…«a mudança é tão necessária quanto impossível» 

Abaixo, transcrevo um artigo de análise do Deutche Bank.
Fui buscar o referido documento ao excelente blog ZERO HEDGE 


The price of dissensus

Anti-global sentiment has been the loudest message of the current presidential campaign in the US. The most likely origin has been a buildup of discontent due to failure to develop a convincing response to economic slowdown in the last years. This has recently emerged as the main theme of public discourse. Current presidential campaign has highlighted to what extent the Change is as necessary as it is politically impossible.

The underlying problem can be traced back to the fact that economic interests have become increasingly global while politics, the ability to decide, remained passionately local and, as such, unable to operate effectively at the planetary level.

Power to act has been moving away to the politically uncontrollable, global space and political institutions have become irrelevant to the life problems. In that configuration, growth comes at social costs. Impotence of politics reinforces dominance of the global which undermines political power further. As a consequence, mainstream parties are being blamed for bad economic situations and losing their power and public support. Their representatives, both left and right, are seen as representing interests of global capital and are perceived as defenders of status quo.

Politics is viewed as a problem, instead of a solution while social costs caused by this state of affairs are being recognized and articulated by the emerging populist wings, whose main novelty has been their hostility to global oligarchies. These parties have been gaining traction in these elections. The erosion of cohesion within the mainstream parties has been causing political reorganizations that transcend traditional division into political left and right.
 
The political landscape is no longer one-dimensional. Political manifold has developed a more complicated topology. In addition to the left and right, there is a “transverse” direction which represents the antagonism between the local and the global. This is illustrated in Fig 1. Double red lines represent antagonisms. The three corners are labeled metaphorically by the political representatives who had highest visibility during the campaign.

 Relative position of the three political expressions are no longer defined by the modes of proposed social organization (left/right), but also where they stand relative to the global capital interests. The two populist wings are opposed in terms of their preferred mode of social organization, but are unified in terms of their opposition to global capital as well as to the political center which is aligned with it. Although the elections are most likely to be won by the centrist party, the voice of the populist wings have been sufficiently loud that they could no longer be ignored. In all likelihood, the new administration will be facing even more fractured consensus than before where higher level of compromise and different alliances will have to be forged -- if that is not done in the first four years, the problem will return potentially even bigger in the next elections. The concessions are expected to have protectionist overtones while compromises and alliances are expected to be made in the context of fiscal policy.

domingo, 16 de outubro de 2016

DYLAN NOSTALGIA - OU TALVEZ NÃO?




Este - o dos anos 60-  é o Bob Dylan que eu prefiro. Rebelde, mas com uma causa: A liberdade de se exprimir, de denunciar as injustiças e de apontar quem são os irmãos e irmãs e denunciando os opressores. 

 Porém, não era um canto diretamente incitando a uma qualquer ação política ou a uma determinada mobilização cívica. Apesar de preservar as suas letras do imediatismo, Bob Dylan esteve engajado na luta pelos direitos cívicos, nos anos 60.

Nunca tive dúvida, quando ouvia uma canção de Bob Dylan, de que estava escutando um grande poeta, uma pessoa de corpo inteiro, com a sua própria posição que não impunha mas que não escondia. 

Quanto a mim, isso é o mais subversivo que se possa imaginar: não se impõe um padrão de comportamento ou de opinião, deixa-se os outros se posicionarem, mas não se abdica de dizer o que nos vai na alma!

 Seja como for, parabéns Bob! os teus inúmeros auditores e leitores, não precisam de qualquer validação «nobélica» para apreciar a tua arte forte e verdadeira. Mas sabe bem termos «o nosso» Nobel... 

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

«Pátria Reencontrada» inédito de 1984 (Obras de Manuel Banet)


Composição de longo fôlego, composta em muito pouco tempo, em Abril de 1984. 

Tem o sabor da utopia de uma pátria por inventar, que corre nas veias e no sopro, menos

territorial ou étnica e mais ética e espiritual. 

Hoje digo que «a minha pátria não é deste mundo», parafraseando os Evangelhos.

Manuel Banet
14-10-2016



PÁTRIA REENCONTRADA
(de como remar contra ventos e marés)











PÁTRIA REENCONTRADA





Para que torne á terra
Onde cresceu teu corpo
Desce ao mar que te deu
                             alento
De sonhar
                 esta Pátria

Onde estás tu?
Leia-se: Vénus, Afrodite, Pandeia...
Tu, que de rocha fizeste areia,
de areia ... terra
e pão e homens
que te ignoram

Vidas paralelas
Espelho partido, falsos
                       reflexos
de Lua no chão do sopro

as pegadas ficam
apesar de só os “loucos”
saberem que elas lá estão.

Não creias que este canto
sai d’alma ferida;
apenas sei cantar
d’encontro à solidão
da terra frente ao mar
E se parti, aqui estarei de novo
na hora da batida do coração:
“A tua mãe quer ver a sua cria...”
-          A cria não sabe
                      donde vem, nem pra onde vai
e seu porto é apenas figura
de retórica nas páginas
                        de uma memória que
não se cala
Assim te quero e assim te digo;
E insisto:
- As brumas só são de temer quando
homens nelas buscam punhais
as rochas sabem como dominar
os gritos do Oceano
As casas ganham espessura
                na perpendi-
                cular da sombra de
                um pinheiro
As aves rodopiam e (sem estranheza)
                    sobre-
                     voam as matas
                    que recobrem tua nascente

Sem que te passe
a escura sede
de pedra calcinada

cabes neste ínfimo olhar,
tu que – por orgulho – semeaste
cobiça nos povos afinal felizes
do que lhes cabia como quinhão.

Agora
          choras grandezas que nunca
                     soubeste merecer,
          porque teus homens
          ou ficaram pelos
                                sertões, ou fugiram
          para moradas menos obscuras
          (leia-se: ... para longe da
            dita Santa Inquisição)
           ou se afogaram
                                  na loucura,
           ou se suicidaram
E para te defender
           Só restaram humildes
pedras talhadas pelo vento e pelas chuvas
(leia-se: ... os pobres)

-Pois seja:
Que se alevante
este exército de
                          pés descalços
e barrigas de fome
e por uma vez, uma vez que seja
na tua História,
vingue o sangue
dos moiros e judeus
                   que fomos!
Gesto necessário,
            O do camponês
arrancando a erva
daninha de sua seara,
sem ódio cego, mas com determinação.

Não temas embarcar
            nas naus do futuro
de punhos cerrados sob velas
rútilas; só te peço que
encontres o caminho das gentes,
de olhos dardejando justiça.
... És uma ideia
                   apenas,
                     eu sei ...
Mas viverás
                   e serás corpo e
                      serás movimento

Por este sopro de voz
              crescerás até
te tornares indómito
        clamor.
































VONTADE DE RENASCER

Ser positivo, neste contexto
é o verdadeiro problema que
                        me atormenta
Posso sonhar, mas as ideias
não passam de devaneios estéreis
Se não se enraizarem nas mentes
dos que lutam no dia a dia
e na noite de hoje buscam
uma alvorada

Será para vós, que minha
voz se pronuncia.
e convosco quero ter esperança
nascida por entre suspiros,
crescendo solitária, mas confiante
No eco que virá, estou certo,
transformá-la numa afirmação
Colectiva do novo despertar.


HAVENDO MAR ...

Sim. Tua força não se negoceia,
Tuas marés são moto contínuo
Tua voz embala o menino
ou recobre o apelo do naufrago
Mas também és, mar nosso,
nosso campo, nossa seara,
nós te fendemos como amantes
apaixonados, abraçados a uma
donzela.
Porque tu, Mar, pariste Afrodite
e embora alguns queiram esquecê-lo
foi de ti que vieram nosso sangue
e nossas lágrimas, nossos enganos
e certezas.
E se nosso amor por ti não temos já
Recobre-nos do teu manto de espuma
Mas se não te renegamos e te queremos
Dá-nos energia, imaginação,
e coragem para lutar.







DESAFIO

Para quê cantar doce amor
Para quê embalar o sono de um povo
Com tristes cantos de “fatum” ...
Acção, homens, acção!
As vossas desgraças não vêm do céu!
Os vossos erros e cobardia têm hoje
                           a sua recompensa !
Mas se quiserdes ser de novo
Dignos deste Sol, dai-vos
ao trabalho de construir !

-          Quereis um Salvador da Pátria ?
-    Dai voz e poder aos que trabalham !

Podeis vegetar na miséria
Ou rasgar o horizonte do futuro
De olhos límpidos e espírito audaz !

-          Então, que preferis ?
-          A decadência do presente ou a via
                             que vos aponto?





A “LIÇÃO DO PASSADO”

Tempo foi de cerejas
Das que colhíamos em dias lascivos
Nas cortes dos reis descalços
Sonhando vagos impérios orientais

Hoje somos espectros sem paz
Nem esperança; Nossos ossos calcinados
Já nem dos cães são repasto
Aonde vais, agora, nau encalhada?
Vão tristes brumas recobrir teus mastros
Ou fúrias marítimas romper tua proa?

Não sabes largar um pouco de lastro
Dando ao passado o que a ele pertence
E de um ímpeto de maré viva
Lançar as canoas, antes que te afogues?




CLASSES DIRIGENTES

Sombrias grutas de memórias
Ocas; trastes bradando aos céus
Suas vaidades de revista;
Escarros sempre prontos a cuspir
De bocas; em  tal decadência vos
comprazeis...

Onde se vai legitimar a raiva
E o justiceiro braço do revoltado
Senão no espectáculo triste
Dos palhaços dos palácios
demo-liberais?

Bordeis e tabernas, só vos resta
vender vossas mães...

Aos novos senhores dais, cães fieis,
de rabo a abanar, os míseros restos
de meu país depauperado!


        PAUSA

Vaga vaga vagueia

perto corpos ofertados ao Sol


Desde cima das rochas

Caiado farol vigia

Aquém e além mar

Vazio

Molda vento dunas

Serena sereia deitada

n’areia


Sol solitário segue

Talhando sombras crescentes


          VENUSIANO

Nascida em berço de espuma
Embalada por ondas suaves
Iluminada por estrela matinal
Envolvida por cabelos de Sol
               Vénus
Volta e gera nova raça
Que saiba viver na tua graça
Te venere em todos os lugares
Amando sem vergonha teus lábios
Generosos abrindo-se para verter mel
Doce-salgado ...


NAS LUTAS DO QUOTIDIANO
(Di-lo ao rufar dos tambores)

Nas lutas do quotidiano
Só temos tido derrotas,
porém grande nossa vitória
é de estarmos vivos
Na indigência dos nossos trapos
quem queira ver miséria,
se engana pois ricos somos
por farrapos darmos.
Na estreiteza do nosso peito
Cabem muitos corações,
de todos os que seu sangue deram
por nossa bandeira
saídos do nosso ventre
aqui estão enterrados.
Mas as lágrimas rolam
para engrossar a mesma
Torrente – que raiva de combate –
Para ir desembocar no
grande rio do sentimento
Povo –  erguido e senhor
de seu destino !











SUBLIMAR

Ninguém sabe onde acaba
o véu de nuvens quando
está imerso no nevoeiro

Ninguém vive pensando
em sonho e sonhando
em pensamento

Ninguém domina a Natureza
nem é escravo Dela

Pois nós somos feitos
de uma amálgama
de poeira d’oiro
e de argila
(de Deus e de velhaco)
chamada Humanidade
e cozida à chama
do vulcão para
se moldar como lava
e se solidificar como
cristal ...
... Mas temos que nos sublimar
Para nos desfazermos das escórias ...





UTOPIA


A utopia já tem topos
Só lhe falta o topógrafo
Para lhe traçar a cartografia
És tu, ó Pátria
És tu, ó Gentes
És tu, ó Atlántida
Parideira de monstros e
      de ventos

E se tu quiseres
Podes refazer o mito
e com força remar
para novos descobrimentos.



O DIA CLARO


Sentado sob um alandroeiro
De olhos pousados sobre uma linha
Que se desenha no horizonte
E em breve se afirma
Num clarão avermelhado
Te faço uma prece de todos os tempos:
- Que o dia que ora nasce
Seja uma ocasião de Te glorificar
Ó Fonte de vida e de calor

       São teus
                      o rebanho
Que se vai pastar as tenras
Ervas de orvalho embebidas
                      os pássaros
Que num concerto entusiástico
Cantam o dia e acompanham
O Teu erguer majestoso
                      os homens
Que se põem ao caminho
Da sua seara para regar
A terra, antes de nasceres
E voltam depois de muitas
Canseiras, para suas aldeias
Quando os sinos já tocaram
...
A Ti, peço- Te um raio de Luz
Para iluminar os espíritos dos meus,
E humilde, rogo para mim
um pouco de energia para seguir caminho ...



(escrito em Abril de 1984)



TEXTOS SOBRE SINDICALISMO

«Enquanto houver uma crença alargada sobre a capacidade reformista de melhorar a situação dos trabalhadores, será impossível que as coisas mudem. Mas, nos dias de hoje, não há realmente nada que os reformistas possam oferecer aos trabalhadores. Apenas palavras e mais palavras. Os trabalhadores não podem esperar qualquer melhoria na sua condição, engajando-se nos becos sem saída que são as pseudo formas de luta conduzidas pelos reformistas; até mesmo quando se chamam a si próprios de “revolucionários”.
Eis a razão porque creio ser fundamental fazer uma crítica certeira das diversas lideranças reformistas, fazendo isto no seio de movimento dos trabalhadores, não em pequenos círculos auto-marginalizados.»(1) 



Traduzi recentemente um texto de um sindicalista anarquista do início do século XX,  Paul Delesalle «AÇÃO SINDICAL E OS ANARQUISTAS»
para um amigo historiador. (2)

Acho que tem interesse, pois além de ser um documento importante para se perceber o contexto da intervenção do anarquismo na luta de classes no início do século XX e sua extrema importância, menorizada pelos historiadores de escolas marxistas ou liberais, convém lê-lo numa perspectiva mais longa da História, por nós, do século XXI : vemos que existe uma continuidade histórica de políticas, de estratégias e de práticas sociais inerentes a diversas correntes no seio da classe trabalhadora. 


(2) AÇÃO SINDICAL E OS ANARQUISTAS

Por Paul Delesalle
-“Les Temps Nouveaux” – 1901 –

Conferência realizada na Biblioteca de Educação Libertária de Belleville a 17 de Maio de 1900.
  

O quotidiano crescimento em importância dos Sindicatos operários obriga-nos a encarar e sobretudo estudar qual deva ser a conduta que devemos ter em relação a estes agrupamentos e até que ponto devemos participar no seu desenvolvimento, quer aí entrando como membros, quer favorecendo a sua criação.
Toda a formação social encerra em si própria os agentes da sua metamorfose; são as próprias leis do regime capitalista que desencadeiam a destruição deste regime, pelo antagonismo de classes criado pelo modo de produção capitalista.
O regime da indústria moderna, isto é, na sua forma económica atual, tem como corolário, nas relações sociais, a organização corporativa.
O sindicato operário é o agrupamento que melhor representa a classe explorada em luta contra a avidez da classe exploradora; não há portanto motivo para contrariar este movimento de agregação em unidades operárias. Devemos, pelo contrário, nos empenhar resolutamente e impedir que a sua direção caia nas mãos de ignorantes ou de ambiciosos que o fariam desviar da sua rota revolucionária.
Obrigados a resistir à ganância capitalista, que é cada dia maior, os operários, para colocar um freio à sua exploração, agruparam-se portanto por indústria. Daqui nasceu o sindicato operário: «Associação de operários de um mesmo ofício agrupando-se para defender seus interesses materiais e morais, criando entre seus aderentes relações de solidariedade com o fim de resistir à avidez dos detentores do capital».
Mas para nós, revolucionários, a sua ação não deve parar aí; assim, vemos no Sindicato dois movimentos:
1-   Um movimento reformista «para defender os seus interesses materiais e morais», tendo em vista a satisfação de interesses imediatos, tais como o melhoramento dos salários, a diminuição da jornada de trabalho e, em geral, todas as melhorias do bem-estar do operário.
2-   Um movimento económico da classe operária contra a classe capitalista, tendo como finalidade bem estabelecida a supressão desta última e do regime que ela representa.

Tais são, na nossa opinião, ambos pontos para os quais tendem os sindicatos operários. Um movimento reformista e um movimento revolucionário tendo por finalidade mudar a forma da sociedade: a testemunha-lo pode-se ler o cabeçalho de um apelo aos operários das indústrias metalúrgicas para os convencer a sindicalizarem-se: 
«O Comité declara que o fim que persegue é a supressão completa do patronato e do salariato»

A nossa atitude face a estas duas tendências do movimento sindical é simples: demonstrar a inanidade das reformas parciais e desenvolver nos sindicalizados o espírito revolucionário.

Através dum aumento salarial, por exemplo, é-nos fácil demonstrar que se - momentaneamente - este aumento nos favorece como compradores, chega um momento em que, todos os salários tendo aumentado, inevitavelmente os produtos aumentam nas proporções idênticas e este aumento não terá servido para nada, pois teríamos mais dinheiro, mas não haveria aumento da capacidade de consumo; é, julgo, aquilo que os advogados do socialismo científico chamam pomposamente «a lei inflexível dos salários».

Irei citar apenas um exemplo: nos Estados Unidos, não é raro ver um operário ganhar 3 ou 4 dólares por dia, o que corresponde a 15 ou 20 francos da nossa moeda; apesar disso, os operários americanos não são mais felizes do que nós, as formidáveis greves de que ouvimos falar, são disso testemunho.

A nossa propaganda nos sindicatos deve portanto ter como finalidade restringir o movimento que apenas tende às reformas parciais, demonstrando a inanidade disso aos nossos camaradas de associação, sempre que a ocasião se apresenta.

Isto não quer dizer que - quando os nossos camaradas reivindicam um aumento de salário - nós sejamos opostos a isso, mas que devemos demonstrar-lhes que isto dá somente uma vantagem passageira e que deveremos recomeçar após pouco tempo, se quisermos conservar essa vantagem e ao fazê-lo estamos a favorecer o movimento sindical enquanto movimento de luta contra a classe capitalista.

A nossa posição face a estes dois elementos constitutivos do movimento sindical está assim bem definida:
1-  Demonstrar a inanidade das reformas;
2-  Favorecer o movimento enquanto elemento revolucionário.

Como acabámos de ver, se existe um agrupamento que se coloca no terreno económico da luta de classes é, sem dúvida, o agrupamento sindical. Em parte nenhuma, fora dele, o antagonismo entre empregadores e assalariados se faz sentir com mais força. Quer se queira, quer não, os interesses dos operários estão em contradição com os dos patrões e vice-versa; existe luta contínua entre estes dois elementos e, melhor do que qualquer outro, o agrupamento sindical favorece esta luta, ou pelo menos, a evoca aos seus aderentes, pois é a sua suprema razão de existir. Basta-nos como prova a frequência das greves nos últimos anos, frequência que vai de par com o desenvolvimento dos sindicatos operários.

A luta neste terreno tem, além do mais, a vantagem superior de não deixar nenhum espaço para alianças e compromissos com a classe burguesa, ou com as classes intermediárias (pequenos burgueses, pequenos comerciantes, empregados superiores), cujos interesses imediatos estão em antagonismo com os dos operários. O contrário ocorre no movimento político, onde as alianças de interesses opostos não são raras, pelo contrário. Melhor ainda, existe um antagonismo entre o movimento corporativo e o movimento político; este último, apesar de todas as tentativas, nunca conseguiu absorver o primeiro.

Conhecer as características dos sindicatos, o grau de evolução destes agrupamentos são coisas que nos devem interessar no mais alto grau, pois há aí um campo de ação que se oferece a nós. Já em várias ocasiões o efeito da nossa propaganda se fez sentir. O congresso de Londres, ao qual uns tantos camaradas trouxeram as ideias e as tendências dos grupos corporativos, permitiu evidenciar as vantagens que daí podemos retirar. Também, a campanha antiparlamentar levada a cabo pelos delegados operários nos relatos feitos após o seu regresso de Londres, não teve pouca importância.

Na atualidade, o antagonismo entre políticos – para os quais a conquista do poder é a panaceia suprema – e os sindicalistas (como alguns os chamam, com desdém) defensores duma transformação da Sociedade, preconizando como meio a «greve geral» - que apenas é, na realidade, a nova forma da revolução, bem apropriada ao regime industrial moderno – mostra-nos que podemos extrair vantagem, para as nossas ideias, do movimento puramente operário dos sindicatos.

Ao contrário da luta eleitoral e política, que se acende apenas periodicamente, a luta contra a avidez patronal é de todos os dias, mantendo os indivíduos constantemente aguerridos e – ponto muito importante – não necessitando nem de chefes, nem de deputados para as tarefas em que todos são convidados a tomar parte ativa, enquanto na luta política eleitoral é, quanto muito, de quatro em quatro ou mais anos que o indivíduo é chamado a exercer a sua soberania, e nós sabemos que soberania é essa, afinal.

Estas são vantagens inegáveis do movimento económico em relação ao movimento político, o indivíduo toma parte ativa nele, sem necessitar de intermediários. Os nossos políticos profissionais tinham bem a noção disso, tal como Jaurès o queria fazer recentemente, pois tentam relegar a luta económica para segundo plano, quando – pelo contrário- a importância do movimento económico é tudo, e a do movimento político, nada.

As revoluções foram eficazes na medida em que foram económicas, as revoluções políticas apenas mudaram a forma de governo sem mudar de qualquer maneira as bases da Sociedade, e sem afetar de algum modo as condições de vida do operário.

À parte as reformas – as quais, como penso ter demonstrado atrás, servem quanto muito para enganar durante algum tempo aqueles em cujo nome elas são efetuadas, os quais não tardam a percebê-lo – o objetivo perseguido pelos sindicatos é – portanto- um objetivo revolucionário que não pode ser alcançado senão por meios revolucionários (greve geral ou outros), o fim último sendo a abolição da exploração do homem pelo homem, mas – é preciso confessá-lo – com uma tendência, por vezes, a um ‘Quarto Estado’ coletivizado (teoria coletivista).

Pois não deveríamos nos enganar a nós próprios, fingindo ou querendo convencer outros, de que todos têm em vista a abolição da sociedade capitalista, de que todos apenas esperam a sua emancipação através de uma sociedade comunista libertária. Muitos, apenas têm como ideal um comunismo autoritário ou coletivismo, convencidos, apesar de todos os fracassos, no papel do Estado Providência. Não irei aqui alongar-me sobre o Estado produtor e dispensador de toda a riqueza; se somos inimigos da centralização capitalista, não podemos sê-lo menos da centralização socialista; sermos governados por Jules Guesde ou P. Lafargue, não nos agrada mais do que sermos governados por Waldeck-Rousseau ou por Méline, pois nós não queremos, de modo nenhum, ser governados.

Esta tendência pela transformação da sociedade, que possuem os sindicatos, não deixa de ser uma tendência revolucionária. E, por outro lado, se a transformação da sociedade é possível através do agrupamento puramente económico, demonstra-se assim a perfeita inutilidade de uma direção puramente política.

Outra vantagem dos sindicatos, e não das menores, é que estreita os laços de solidariedade entre membros da classe operária e isto, não apenas no mesmo local de trabalho, na mesma cidade, no mesmo país, mesmo, por vezes, por cima das fronteiras.

Lembremos o que foi a Internacional, esta vasta associação de operários de todos os países tendo um fim comum: o derrube da burguesia capitalista. Era este o seu internacionalismo prático e os nossos adversários, os burgueses, compreenderam-no tão bem que se puseram de acordo, entre eles, para quebrar a internacional operária, tentando contrariar assim um futuro que esperamos próximo.

O sindicato tem ainda como vantagem o facto de, ao agrupar membros cujos interesses são comuns, não existirem antagonismos como os que se observam nos movimentos políticos, que estão sempre a dividir os operários em questões envolvendo pessoas ou tendências, como vemos agora no seio do Partido Socialista francês.

Ao mesmo tempo que a atividade no terreno económico demonstra a completa inutilidade do movimento político, prepara perfeitamente para o entendimento entre grupos de produtores, para o dia em que estes estiverem em condição de se tornarem donos dos seus instrumentos de trabalho. Que agrupamento afinal estará capaz de garantir a produção e de fazer face às necessidades do consumo no dia seguinte à revolução, senão o agrupamento corporativo?

Pois, quando falam de revolução, alguns parecem esquecer que é necessário garantir o consumo no dia seguinte ao seu triunfo. Se estiver agrupada corporativamente, será fácil à classe operária assegurar essa produção. É o que esperamos que ela faça. Esta evolução dos sindicatos operários será tanto mais rápida quanto nós a encorajarmos e favorecermos, pela nossa propaganda.

Não posso fazer melhor do que citar aqui o nosso camarada Pelloutier, secretário da Federação das Bolsas do Trabalho. Ele também está convicto de que os sindicatos serão embriões dos grupos de produtores do futuro.

«Entre a União corporativa que se constrói e a Sociedade comunista e libertária no seu período inicial, existe concordância.
Queremos que toda a função social tenda à satisfação das nossas necessidades; a união corporativa também o quer, é o seu objetivo, e cada vez mais, se emancipa da crença numa necessidade em haver governos. Nós queremos uma aliança livre dos homens; a união corporativa (ela está a perceber isso melhor a cada dia que passa) não pode existir senão com a condição de banir do seu seio qualquer hierarquia e constrangimento. Nós queremos que a emancipação do povo seja obra do próprio povo: como o quer a união corporativa. Cada vez mais se sente a necessidade de tratarmos nós próprios dos nossos interesses, o gosto da independência e desejo de revolta aí germinam; sonha-se aí de locais de trabalho livres onde a autoridade daria lugar ao sentimento pessoal do dever; emitem-se opiniões, com largueza de espírito, sobre o papel dos trabalhadores numa sociedade harmoniosa. Em resumo, os operários, depois de terem julgado que estavam condenados ao papel de meros instrumentos, querem ser inteligência para que possam ser ao mesmo tempo inventores e criadores das suas obras». (1)

Inicialmente construídos para o socorro mútuo em caso de doença ou de desemprego, aumentaram cedo as suas atribuições ao tomarem o papel de grupos de conciliação nos conflitos entre o capital e o trabalho. A burguesia patronal, ainda hoje, não desejaria ver neles outra coisa.

Agora entraram em pleno na luta. Os trabalhadores impõem a força da sua organização para resistir à avidez capitalista, que cresce diariamente, quer para recusarem diminuições de salários ou, pelo contrário, exigirem melhor remuneração, uma diminuição das horas de laboração ou todo o género de reivindicações que venham melhorar a sua condição. Além disso, sem ter perdido as suas características iniciais, os grupos corporativos, solidamente constituídos, encaram o futuro próximo, enquanto embriões dos grupos livres de produção vindouros. Tarefa que não pode ser mais ampla e na qual bem nos sentimos tentados em participar.

Certamente, ainda têm de evoluir, mas estamos convencidos de que é do movimento operário que sairá a próxima revolução, sob forma de Greve Geral, ao que parece. Somos nós, portanto, se não queremos que a revolução se transforme mais uma vez num vasto logro, que temos de fortemente impregnar, transformar mesmo, estes grupos corporativos de acordo com as nossas ideias.

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(1) A Organização Corporativa e Anarquia, p.17-18

Temos, a todo o custo, que impedir que este movimento seja açambarcado pelos partidários do ‘Quarto Estado’, por esses falsos amigos, que são Jaurès, Millerand, Guesde, etc. os quais sonham expropriar e expulsar a burguesia, em nome de uma ditadura do proletariado, sendo eles os ditadores.


De mutualista, o movimento sindical transformou-se depressa num movimento de reivindicações imediatas ou movimento reformista (aumento dos salários, duração da jornada laboral, etc…) Ele tornou-se hoje em socialista e revolucionário; muitos camaradas nossos, que nele participaram, impregnaram-no, orientaram-no em direção às nossas ideias. Apliquemo-nos então a desembaraçá-lo completamente das fórmulas antigas, a torna-lo comunista e anarquista.

Apenas nos resta refutar as numerosas objeções que são feitas à nossa participação no movimento sindical. Não procurarei eludi-las, pelo contrário, tentarei responder antecipadamente às principais.

Muitos camaradas nos fazem, com alguma aparência de razão, o mesmo reparo que nós anarquistas fazemos em relação aos partidários da propaganda eleitoral e parlamentar. É de temer dizem, que – a exemplo do socialismo parlamentar – a agitação sindical perca de vista o fim de transformação da sociedade, que não seja mais que um movimento reformista.

O sindicato, dizem eles também, apenas tem sucesso na hora presente porque agrupa os trabalhadores com vista a obter benefícios imediatos. Ninguém me verá dissimular estes argumentos, os quais – reconheço - são tantas vezes, infelizmente, verdadeiros.

Em vez de objetar a estes argumentos, válidos em si mesmos, vejo que são afinal excelentes razões para nós entrarmos e criarmos um movimento anarquista no seio do movimento sindical. Ao repudiarmos o papel meramente de obtenção de vantagens imediatas e ao demonstrar a sua inanidade, estaremos a imprimir ao movimento um caráter mais conforme com as nossas próprias ideias.

Outra objeção que se pode fazer - a que não deixo de dar o devido valor – é de que não é preciso formar sindicatos para agrupar operários num plano revolucionário: pelo contrário, o agrupamento corporativo tem tendência a ocupar-se de interesses exclusivamente corporativos. Assim, muitos indivíduos na nossa sociedade têm sido rejeitados sistematicamente das profissões qualificadas devido ao desenvolvimento constante do maquinismo, formando assim um autêntico exército de reserva e não podem entrar em nenhum sindicato. São esses indivíduos que têm maior interesse imediato numa revolução e na transformação da sociedade capitalista. Nada impede de agrupar esses indivíduos no terreno revolucionário onde a nossa propaganda os poderá alcançar mais plenamente. Estivemos sempre empenhados nisso, embora -pessoalmente- tenhamos constatado, com mágoa, todas as dificuldades em agir nesse setor. Muitos outros camaradas também tentaram e regressaram amargurados. Todo este exército de desempregados, de vagabundos, de marginais, é - na realidade - muito difícil de alcançar. Gente que vai pedir esmola em instituições laicas ou religiosas e espero sinceramente que os camaradas que exercem o seu esforço nesse lado tenham mais sucesso do que eu próprio.
Digo isto, constatando que existe uma força real, a qual - num dado momento- é preciso saber integrar na luta.
O ideal seria, sem dúvida, um agrupamento exclusivamente revolucionário; os grupos que tentamos erguer são uma prova de que - enquanto anarquistas - não permanecemos inativos. Mas, dado que existem outros agrupamentos cujos indivíduos não vêm até nós. Não deveremos nós ir até eles? O nosso lugar não estará em todo o lado onde haja propaganda a fazer, indivíduos a trazer para o nosso lado, e não será – melhor que qualquer outro agrupamento- o sindicato um excelente terreno de propaganda? A pouco e pouco, ele evolui e emancipa-se, já não sendo, como tentei demonstrar, um agrupamento de interesses corporativos e de reivindicações imediatas; já vê mais além, até incluindo a visão duma sociedade melhor. Isto é também aquilo que desejamos todos.

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Também graças aos sindicatos os operários de vários países aproximaram-se, aprenderam a conhecer-se, federações internacionais de profissões ou de indústrias foram criadas e vivem. Isto é internacionalismo prático. As relações por cima das fronteiras irão mostrar-lhes depressa que a exploração não tem limites e que é a mesma em todo o lado. Também a nossa propaganda tenta mostrar isso. É sobre estas aproximações, sobre estas simpatias, que aproximam todos os explorados, que devemos mais contar. A partir do momento em que todos terão compreendido que a exploração é de mesma natureza aquém e além-fronteiras, o capitalismo não terá muito tempo de vida.

Por fim, nós - enquanto anarquistas- podemos impedir que o movimento sindical caia nas malhas de uma organização autoritária ou que promova a criação de uma aristocracia operária.

Por todas estas razões, devemos resolutamente participar na ação sindical e por incessante propaganda demonstrar aos nossos camaradas de sindicato que a nossa emancipação completa apenas pode resultar de uma:
                        Revolução
                                    Internacional,
                                               Comunista e Anarquista.


                                                            Paul DELESALLE