Tem o sabor da utopia de uma pátria por inventar, que corre nas veias e no sopro, menos
territorial ou étnica e mais ética e espiritual.
Hoje digo que «a minha pátria não é deste mundo», parafraseando os Evangelhos.
Manuel Banet
14-10-2016
PÁTRIA REENCONTRADA
(de como remar contra ventos e marés)
PÁTRIA REENCONTRADA
Para que torne á terra
Onde cresceu teu corpo
Desce ao mar que te deu
alento
De sonhar
esta
Pátria
Onde estás tu?
Leia-se: Vénus, Afrodite, Pandeia...
Tu, que de rocha fizeste areia,
de areia ... terra
e pão e homens
que te ignoram
Vidas paralelas
Espelho partido, falsos
reflexos
de Lua no chão do sopro
as pegadas ficam
apesar de só os “loucos”
saberem que elas lá estão.
Não creias que este canto
sai d’alma ferida;
apenas sei cantar
d’encontro à solidão
da terra frente ao mar
E se parti, aqui estarei de novo
na hora da batida do coração:
“A tua mãe quer ver a sua cria...”
-
A cria não sabe
donde vem, nem pra onde vai
e seu porto é apenas figura
de retórica nas páginas
de uma memória que
não se cala
Assim te quero e assim te digo;
E insisto:
- As brumas só são de temer
quando
homens nelas buscam punhais
as rochas sabem como dominar
os gritos do Oceano
As casas ganham espessura
na perpendi-
cular da sombra de
um pinheiro
As aves rodopiam e (sem estranheza)
sobre-
voam as matas
que recobrem tua nascente
Sem que te passe
a escura sede
de pedra calcinada
cabes neste ínfimo olhar,
tu que – por orgulho – semeaste
cobiça nos povos afinal felizes
do que lhes cabia como quinhão.
Agora
choras
grandezas que nunca
soubeste merecer,
porque teus
homens
ou ficaram
pelos
sertões, ou
fugiram
para moradas
menos obscuras
(leia-se:
... para longe da
dita Santa
Inquisição)
ou se
afogaram
na loucura,
ou se
suicidaram
E para te defender
Só restaram
humildes
pedras talhadas pelo vento e pelas chuvas
(leia-se: ... os pobres)
-Pois seja:
Que se alevante
este exército de
pés descalços
e barrigas de fome
e por uma vez, uma vez que seja
na tua História,
vingue o sangue
dos moiros e judeus
que
fomos!
Gesto necessário,
O do
camponês
arrancando a erva
daninha de sua seara,
sem ódio cego, mas com determinação.
Não temas embarcar
nas naus
do futuro
de punhos cerrados sob velas
rútilas; só te peço que
encontres o caminho das gentes,
de olhos dardejando justiça.
... És uma ideia
apenas,
eu sei ...
Mas viverás
e
serás corpo e
serás movimento
Por este sopro de voz
crescerás até
te tornares indómito
clamor.
VONTADE DE RENASCER
Ser positivo, neste contexto
é o verdadeiro problema que
me atormenta
Posso sonhar, mas as ideias
não passam de devaneios estéreis
Se não se enraizarem nas mentes
dos que lutam no dia a dia
e na noite de hoje buscam
uma alvorada
Será para vós, que minha
voz se pronuncia.
e convosco quero ter esperança
nascida por entre suspiros,
crescendo solitária, mas confiante
No eco que virá, estou certo,
transformá-la numa afirmação
Colectiva do novo despertar.
HAVENDO MAR ...
Sim. Tua força não se negoceia,
Tuas marés são moto contínuo
Tua voz embala o menino
ou recobre o apelo do naufrago
Mas também és, mar nosso,
nosso campo, nossa seara,
nós te fendemos como amantes
apaixonados, abraçados a uma
donzela.
Porque tu, Mar, pariste Afrodite
e embora alguns queiram esquecê-lo
foi de ti que vieram nosso sangue
e nossas lágrimas, nossos enganos
e certezas.
E se nosso amor por ti não temos já
Recobre-nos do teu manto de espuma
Mas se não te renegamos e te queremos
Dá-nos energia, imaginação,
e coragem para lutar.
DESAFIO
Para quê cantar doce amor
Para quê embalar o sono de um povo
Com tristes cantos de “fatum” ...
Acção, homens, acção!
As vossas desgraças não vêm do céu!
Os vossos erros e cobardia têm hoje
a sua recompensa !
Mas se quiserdes ser de novo
Dignos deste Sol, dai-vos
ao trabalho de construir !
-
Quereis um Salvador da Pátria ?
- Dai voz e poder aos que trabalham !
Podeis vegetar na miséria
Ou rasgar o horizonte do futuro
De olhos límpidos e espírito audaz !
-
Então, que preferis ?
-
A decadência do presente ou a via
que vos aponto?
A “LIÇÃO DO PASSADO”
Tempo foi de cerejas
Das que colhíamos em dias lascivos
Nas cortes dos reis descalços
Sonhando vagos impérios orientais
Hoje somos espectros sem paz
Nem esperança; Nossos ossos calcinados
Já nem dos cães são repasto
Aonde vais, agora, nau encalhada?
Vão tristes brumas recobrir teus mastros
Ou fúrias marítimas romper tua proa?
Não sabes largar um pouco de lastro
Dando ao passado o que a ele pertence
E de um ímpeto de maré viva
Lançar as canoas, antes que te afogues?
CLASSES DIRIGENTES
Sombrias grutas de memórias
Ocas; trastes bradando aos céus
Suas vaidades de revista;
Escarros sempre prontos a cuspir
De bocas; em tal
decadência vos
comprazeis...
Onde se vai legitimar a raiva
E o justiceiro braço do revoltado
Senão no espectáculo triste
Dos palhaços dos palácios
demo-liberais?
Bordeis e tabernas, só vos resta
vender vossas mães...
Aos novos senhores dais, cães fieis,
de rabo a abanar, os míseros restos
de meu país depauperado!
PAUSA
Vaga vaga vagueia
perto corpos ofertados ao Sol
Desde cima das rochas
Caiado farol vigia
Aquém e além mar
Vazio
Molda vento dunas
Serena sereia deitada
n’areia
Sol solitário segue
Talhando sombras crescentes
VENUSIANO
Nascida em berço de espuma
Embalada por ondas suaves
Iluminada por estrela matinal
Envolvida por cabelos de Sol
Vénus
Volta e gera nova raça
Que saiba viver na tua graça
Te venere em todos os lugares
Amando sem vergonha teus lábios
Generosos abrindo-se para verter
mel
Doce-salgado ...
NAS LUTAS DO QUOTIDIANO
(Di-lo ao rufar dos tambores)
Nas lutas do quotidiano
Só temos tido derrotas,
porém grande nossa vitória
é de estarmos vivos
Na indigência dos nossos trapos
quem queira ver miséria,
se engana pois ricos somos
por farrapos darmos.
Na estreiteza do nosso peito
Cabem muitos corações,
de todos os que seu sangue deram
por nossa bandeira
saídos do nosso ventre
aqui estão enterrados.
Mas as lágrimas rolam
para engrossar a mesma
Torrente – que raiva de combate –
Para ir desembocar no
grande rio do sentimento
Povo – erguido e senhor
de seu destino !
SUBLIMAR
Ninguém sabe onde acaba
o véu de nuvens quando
está imerso no nevoeiro
Ninguém vive pensando
em sonho e sonhando
em pensamento
Ninguém domina a Natureza
nem é escravo Dela
Pois nós somos feitos
de uma amálgama
de poeira d’oiro
e de argila
(de Deus e de velhaco)
chamada Humanidade
e cozida à chama
do vulcão para
se moldar como lava
e se solidificar como
cristal ...
... Mas temos que nos sublimar
Para nos desfazermos das escórias
...
UTOPIA
A utopia já tem topos
Só lhe falta o topógrafo
Para lhe traçar a cartografia
És tu, ó Pátria
És tu, ó Gentes
És tu, ó Atlántida
Parideira de monstros e
de ventos
E se tu quiseres
Podes refazer o mito
e com força remar
para novos descobrimentos.
O DIA CLARO
Sentado sob um alandroeiro
De olhos pousados sobre uma linha
Que se desenha no horizonte
E em breve se afirma
Num clarão avermelhado
Te faço uma prece de todos os tempos:
- Que o dia que ora nasce
Seja uma ocasião de Te glorificar
Ó Fonte de vida e de calor
São teus
o rebanho
Que se vai pastar as tenras
Ervas de orvalho embebidas
os pássaros
Que num concerto entusiástico
Cantam o dia e acompanham
O Teu erguer majestoso
os homens
Que se põem ao caminho
Da sua seara para regar
A terra, antes de nasceres
E voltam depois de muitas
Canseiras, para suas aldeias
Quando os sinos já tocaram
...
A Ti, peço- Te um raio de Luz
Para iluminar os espíritos dos meus,
E humilde, rogo para mim
um pouco de energia para seguir caminho ...
(escrito em Abril de 1984)
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