Porque razão os bancos centrais asiáticos estão a comprar toneladas de ouro? - Não é ouro em si mesmo que lhes importa neste momento, mas é a forma mais expedita de se livrarem de US dollars!!

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

«Pátria Reencontrada» inédito de 1984 (Obras de Manuel Banet)


Composição de longo fôlego, composta em muito pouco tempo, em Abril de 1984. 

Tem o sabor da utopia de uma pátria por inventar, que corre nas veias e no sopro, menos

territorial ou étnica e mais ética e espiritual. 

Hoje digo que «a minha pátria não é deste mundo», parafraseando os Evangelhos.

Manuel Banet
14-10-2016



PÁTRIA REENCONTRADA
(de como remar contra ventos e marés)











PÁTRIA REENCONTRADA





Para que torne á terra
Onde cresceu teu corpo
Desce ao mar que te deu
                             alento
De sonhar
                 esta Pátria

Onde estás tu?
Leia-se: Vénus, Afrodite, Pandeia...
Tu, que de rocha fizeste areia,
de areia ... terra
e pão e homens
que te ignoram

Vidas paralelas
Espelho partido, falsos
                       reflexos
de Lua no chão do sopro

as pegadas ficam
apesar de só os “loucos”
saberem que elas lá estão.

Não creias que este canto
sai d’alma ferida;
apenas sei cantar
d’encontro à solidão
da terra frente ao mar
E se parti, aqui estarei de novo
na hora da batida do coração:
“A tua mãe quer ver a sua cria...”
-          A cria não sabe
                      donde vem, nem pra onde vai
e seu porto é apenas figura
de retórica nas páginas
                        de uma memória que
não se cala
Assim te quero e assim te digo;
E insisto:
- As brumas só são de temer quando
homens nelas buscam punhais
as rochas sabem como dominar
os gritos do Oceano
As casas ganham espessura
                na perpendi-
                cular da sombra de
                um pinheiro
As aves rodopiam e (sem estranheza)
                    sobre-
                     voam as matas
                    que recobrem tua nascente

Sem que te passe
a escura sede
de pedra calcinada

cabes neste ínfimo olhar,
tu que – por orgulho – semeaste
cobiça nos povos afinal felizes
do que lhes cabia como quinhão.

Agora
          choras grandezas que nunca
                     soubeste merecer,
          porque teus homens
          ou ficaram pelos
                                sertões, ou fugiram
          para moradas menos obscuras
          (leia-se: ... para longe da
            dita Santa Inquisição)
           ou se afogaram
                                  na loucura,
           ou se suicidaram
E para te defender
           Só restaram humildes
pedras talhadas pelo vento e pelas chuvas
(leia-se: ... os pobres)

-Pois seja:
Que se alevante
este exército de
                          pés descalços
e barrigas de fome
e por uma vez, uma vez que seja
na tua História,
vingue o sangue
dos moiros e judeus
                   que fomos!
Gesto necessário,
            O do camponês
arrancando a erva
daninha de sua seara,
sem ódio cego, mas com determinação.

Não temas embarcar
            nas naus do futuro
de punhos cerrados sob velas
rútilas; só te peço que
encontres o caminho das gentes,
de olhos dardejando justiça.
... És uma ideia
                   apenas,
                     eu sei ...
Mas viverás
                   e serás corpo e
                      serás movimento

Por este sopro de voz
              crescerás até
te tornares indómito
        clamor.
































VONTADE DE RENASCER

Ser positivo, neste contexto
é o verdadeiro problema que
                        me atormenta
Posso sonhar, mas as ideias
não passam de devaneios estéreis
Se não se enraizarem nas mentes
dos que lutam no dia a dia
e na noite de hoje buscam
uma alvorada

Será para vós, que minha
voz se pronuncia.
e convosco quero ter esperança
nascida por entre suspiros,
crescendo solitária, mas confiante
No eco que virá, estou certo,
transformá-la numa afirmação
Colectiva do novo despertar.


HAVENDO MAR ...

Sim. Tua força não se negoceia,
Tuas marés são moto contínuo
Tua voz embala o menino
ou recobre o apelo do naufrago
Mas também és, mar nosso,
nosso campo, nossa seara,
nós te fendemos como amantes
apaixonados, abraçados a uma
donzela.
Porque tu, Mar, pariste Afrodite
e embora alguns queiram esquecê-lo
foi de ti que vieram nosso sangue
e nossas lágrimas, nossos enganos
e certezas.
E se nosso amor por ti não temos já
Recobre-nos do teu manto de espuma
Mas se não te renegamos e te queremos
Dá-nos energia, imaginação,
e coragem para lutar.







DESAFIO

Para quê cantar doce amor
Para quê embalar o sono de um povo
Com tristes cantos de “fatum” ...
Acção, homens, acção!
As vossas desgraças não vêm do céu!
Os vossos erros e cobardia têm hoje
                           a sua recompensa !
Mas se quiserdes ser de novo
Dignos deste Sol, dai-vos
ao trabalho de construir !

-          Quereis um Salvador da Pátria ?
-    Dai voz e poder aos que trabalham !

Podeis vegetar na miséria
Ou rasgar o horizonte do futuro
De olhos límpidos e espírito audaz !

-          Então, que preferis ?
-          A decadência do presente ou a via
                             que vos aponto?





A “LIÇÃO DO PASSADO”

Tempo foi de cerejas
Das que colhíamos em dias lascivos
Nas cortes dos reis descalços
Sonhando vagos impérios orientais

Hoje somos espectros sem paz
Nem esperança; Nossos ossos calcinados
Já nem dos cães são repasto
Aonde vais, agora, nau encalhada?
Vão tristes brumas recobrir teus mastros
Ou fúrias marítimas romper tua proa?

Não sabes largar um pouco de lastro
Dando ao passado o que a ele pertence
E de um ímpeto de maré viva
Lançar as canoas, antes que te afogues?




CLASSES DIRIGENTES

Sombrias grutas de memórias
Ocas; trastes bradando aos céus
Suas vaidades de revista;
Escarros sempre prontos a cuspir
De bocas; em  tal decadência vos
comprazeis...

Onde se vai legitimar a raiva
E o justiceiro braço do revoltado
Senão no espectáculo triste
Dos palhaços dos palácios
demo-liberais?

Bordeis e tabernas, só vos resta
vender vossas mães...

Aos novos senhores dais, cães fieis,
de rabo a abanar, os míseros restos
de meu país depauperado!


        PAUSA

Vaga vaga vagueia

perto corpos ofertados ao Sol


Desde cima das rochas

Caiado farol vigia

Aquém e além mar

Vazio

Molda vento dunas

Serena sereia deitada

n’areia


Sol solitário segue

Talhando sombras crescentes


          VENUSIANO

Nascida em berço de espuma
Embalada por ondas suaves
Iluminada por estrela matinal
Envolvida por cabelos de Sol
               Vénus
Volta e gera nova raça
Que saiba viver na tua graça
Te venere em todos os lugares
Amando sem vergonha teus lábios
Generosos abrindo-se para verter mel
Doce-salgado ...


NAS LUTAS DO QUOTIDIANO
(Di-lo ao rufar dos tambores)

Nas lutas do quotidiano
Só temos tido derrotas,
porém grande nossa vitória
é de estarmos vivos
Na indigência dos nossos trapos
quem queira ver miséria,
se engana pois ricos somos
por farrapos darmos.
Na estreiteza do nosso peito
Cabem muitos corações,
de todos os que seu sangue deram
por nossa bandeira
saídos do nosso ventre
aqui estão enterrados.
Mas as lágrimas rolam
para engrossar a mesma
Torrente – que raiva de combate –
Para ir desembocar no
grande rio do sentimento
Povo –  erguido e senhor
de seu destino !











SUBLIMAR

Ninguém sabe onde acaba
o véu de nuvens quando
está imerso no nevoeiro

Ninguém vive pensando
em sonho e sonhando
em pensamento

Ninguém domina a Natureza
nem é escravo Dela

Pois nós somos feitos
de uma amálgama
de poeira d’oiro
e de argila
(de Deus e de velhaco)
chamada Humanidade
e cozida à chama
do vulcão para
se moldar como lava
e se solidificar como
cristal ...
... Mas temos que nos sublimar
Para nos desfazermos das escórias ...





UTOPIA


A utopia já tem topos
Só lhe falta o topógrafo
Para lhe traçar a cartografia
És tu, ó Pátria
És tu, ó Gentes
És tu, ó Atlántida
Parideira de monstros e
      de ventos

E se tu quiseres
Podes refazer o mito
e com força remar
para novos descobrimentos.



O DIA CLARO


Sentado sob um alandroeiro
De olhos pousados sobre uma linha
Que se desenha no horizonte
E em breve se afirma
Num clarão avermelhado
Te faço uma prece de todos os tempos:
- Que o dia que ora nasce
Seja uma ocasião de Te glorificar
Ó Fonte de vida e de calor

       São teus
                      o rebanho
Que se vai pastar as tenras
Ervas de orvalho embebidas
                      os pássaros
Que num concerto entusiástico
Cantam o dia e acompanham
O Teu erguer majestoso
                      os homens
Que se põem ao caminho
Da sua seara para regar
A terra, antes de nasceres
E voltam depois de muitas
Canseiras, para suas aldeias
Quando os sinos já tocaram
...
A Ti, peço- Te um raio de Luz
Para iluminar os espíritos dos meus,
E humilde, rogo para mim
um pouco de energia para seguir caminho ...



(escrito em Abril de 1984)



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