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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

«REFORMA»... E OUTROS TERMOS MANIPULADOS ...

REFORMA, REFORMISMO

A direita (e a esquerda também, a seu modo) apropria-se das palavras, torce-lhe o sentido e põe-nas a dizer o contrário do que o «comum dos mortais» entende por essas mesmas expressões. 
Literalmente, reformar pode querer dizer «mudar algo»; o sentido em que se muda não está implícito na palavra «reforma». 
Mas, historicamente, os sociais-democratas, também designados reformistas pelas tendências revolucionárias no movimento operário, tinham essencialmente um programa de reformas do Estado, da economia e da sociedade... daí que «reforma» tenha (ainda) a conotação desse tempo distante em que o socialismo «reformista» era uma componente da classe trabalhadora, dos oprimidos... ou - pelo menos - arvorava sê-lo!

OLIGARQUIA, OLIGARCA

Agora, um «opinador» de direita, muito conhecido, decidiu aplicar o termo «oligarquia» contra os seus inimigos políticos, não para designar o pequeno grupo dos muito ricos, que controlam grandes negócios, etc.! 
Assim, as pessoas têm de «descodificar» o discurso do Sr. A ou da Srª. B, para perceberem o que ele ou ela querem dizer! 

É fácil de desmontar esta demagogia, se tivermos olhares críticos sobre os discursos de uns e de outros (sobretudo, sobre a sua prática).
 É de sublinhar o ridículo de querer fazer passar por inovador algo, só e apenas mudando os significados das palavras que se usa... eu continuarei a chamar um boi, um boi!

 A ESQUERDA


Eu hesito em relação à classificação de «esquerda». No vocabulário político de quando eu tinha vinte anos (em 74!) isso queria dizer ser pela emancipação dos trabalhadores, pelo socialismo, podia-se discordar em relação ao que era o socialismo e qual o caminho para ele, mas era clara opção de alguém que era de «esquerda» pelos destituídos. 

Hoje, não vejo nada disso; vejo uma esquerda enquistada em mordomias, em rendas de privilégio. 
Mesmo a que se auto-designa de anti-capitalista (normalmente, pessoas do -ou próximas do- PC ou BE) não o será: são pessoas que estão como membros da «classe coordenadora» (no melhor dos casos), não estão dentro da classe trabalhadora; estão «acima e à direita», enquanto a esquerda sem aspas deve estar abaixo e à esquerda...
Por isso, nestes últimos tempos, costumo dizer que num regime capitalista (mesmo no capitalismo de estado) a «esquerda» é somente a «esquerda do capital». 
Não me importam as proclamações, os discursos, mas sim a prática, só isso conta para eu saber se sou aliado ou inimigo. 
A prática de classe é fundamental, ela deve ser transversal às nações e deve permitir que as lutas parciais tomem o seu sentido revolucionário, pela consciência de que a abolição do patriarcado, do sexismo, racismo, homofobia... apenas será plena, ou mesmo possível, numa sociedade igualitária, numa sociedade socialista. 

segunda-feira, 12 de junho de 2017

ELEIÇÕES EM FRANÇA - SUÍCIDIO DA ESQUERDA

                          Foto de Pepe Escobar.


O penoso e previsível resultado da primeira volta das legislativas francesas, é que Macron vai dispor de uma maioria absoluta (mas numa eleição onde mais de um eleitor em dois se absteve!) para avançar com decretos que anularão aspetos importantes do direito do trabalho, tornando mais difícil a defesa dos interesses dos trabalhadores. 
O constante deslizar das forças de esquerda (reformista) para satisfazer o capital conduz sempre à derrota. Para agravar o cenário, a esquerda francesa recebe a maior derrota de que há memória, mas ainda assim os seus chefes e chefinhos continuam -hoje mesmo - a luta de galos... 




Um exemplo...a não seguir!


Trata-se de um suicídio lento, um suicídio com participação de vários comparsas, visto que prevaleceu durante decénios: a guerrinha de influências no aparelho de Estado, a negociata de lugares e votos aquando das eleições legislativas, a manutenção do sistema eleitoral da Vª república, quando convinha ao PS francês, para dominar a esquerda e impor a sua hegemonia, etc... Tudo isto, ainda por cima e sobretudo, com o abandono de uma política de classe, que deveria ser aquilo que caracteriza a esquerda enquanto tal e para além de todos os seus particularismos ideológicos, estratégicos ou tácticos... na viragem do século a «esquerda» deixou de assumir-se defensora dos trabalhadores, para ser a esquerda das «causas fracturantes», a esquerda «humanitária» (e das guerras «humanitárias», não esqueçamos...). Agora, recolhe o resultado desse longo suicídio de decénios... 

Espero, ao menos, que as pessoas sinceras tenham a coragem de ver os erros, as ilusões, de se auto-criticarem (mas fraternalmente, sem intuitos de exclusão) e aprendam...

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

CHAVES PARA COMPREENDER A ESQUERDA CONTEMPORÂNEA

Como é que a esquerda Europeia Ocidental e Norte-Americana se transformou de uma força muito poderosa, capaz de influenciar as políticas dos respectivos estados, num patético e heterogéneo desfile de vaidades e poses, sem qualquer efeito, a não ser a sua auto-deslegitimação?

A esquerda, a partir da viragem do século XIX para o século XX, passou a ter - em vários países dominantes - uma importante representação parlamentar. 
Foi a partir dessa investida nos parlamentos, que ela se pensou como agente de transformação social, política, económica e institucional a partir de cima, já não a  partir de baixo, pela revolução social, a última das revoluções. 
Esta transformação paulatina, progressiva, segundo os ideólogos da esquerda reformista, seria a melhor solução, evitando as destruições e os rios de sangue (muito do qual, de proletários), que, inevitavelmente, acompanhariam uma revolução violenta. 
O oportunismo dos reformistas cedo se fez sentir, com uma política de jogos tácticos, ora distanciando-se do poder apodado de conservador e incentivando movimentos reivindicativos, ora fazendo causa comum com esse mesmo poder, para obter benesses, partilha de lugares no aparelho de Estado e outras vantagens. 
O objectivo máximo, mesmo permanecendo nos textos dos programas partidários, tinha deixado de ser a abolição do regime do capital, mas passou a ser conquistar o poder e retribuir com lugares de prestígio, poder e dinheiro, as figuras do topo destes partidos.
No entanto, pela mesma altura, entre 1900 e 1914, o movimento operário cresceu em força, tendo-se organizado em sindicatos, os quais proclamavam a abolição da sociedade dividida em classes como objectivo último (Congresso de Amiens da CGT francesa) e definiam um campo, a luta de classes, como sendo unificador do proletariado, independentemente das preferências ideológicas, filosóficas, políticas. 
Assim, tornou-se possível construir um sindicalismo revolucionário, o qual tinha como instrumento supremo a greve geral revolucionária, como via para a transformação numa sociedade regida pelos princípios socialistas ou comunistas (quase sinónimos, nesta época). 
O grande recuo operou-se com o eclodir da 1ª Guerra Mundial. Nesta, os grupos parlamentares socialistas das várias potências, aceitaram votar a favor da mobilização geral e apoiar o «esforço de guerra», numa reviravolta completa e clara traição às suas posições da véspera e aos proclamados princípios. 
Ao sair da tragédia da 1ª guerra mundial, a classe trabalhadora dos países industrialmente avançados, sentindo-se traída pelos mesmos partidos socialistas reformistas que se arvoravam em condutores das massas, adoptou uma postura radical, mas maioritariamente autoritária e não libertária. 
Assim, floresceram os partidos epígonos dos bolcheviques da Rússia. Este partido tomou o poder na Rússia devido a condições muito específicas: nomeadamente, o estado de desespero dos proletários deste país face a uma guerra sem fim à vista. 
O partido bolchevique, uma dissidência do partido socialdemocrata, tinha sido influenciado pelas teorias de Blanqui, revolucionário francês que preconizava que um pequeno grupo decidido devia se organizar clandestinamente e derrubar o governo pelas armas, instalando uma ditadura «proletária». 
Foi isto exactamente que Lenine e seus seguidores fizeram na revolução de Outubro de 1917. 
No final da 1ª guerra mundial, eclodiram em Budapeste, Munique e Berlim, movimentos insurreccionais. Mas foram logo esmagados violentamente pelas forças da burguesia, mostrando aos seguidores de Lenine e Trotsky que uma revolução mundial não era para amanhã.
A onda de simpatia pela revolução de Outubro de 1917 permitiu, porém, construir a Internacional Comunista, havendo - a partir daí - uma apropriação do termo «comunista» pela tendência mais autoritária e golpista dentro do movimento operário internacional. 
O comunismo ou socialismo (não autoritários) tinham sido, desde a 1ª Internacional, o fundamento ideológico/teórico de organizações que se agrupavam sob a bandeira vermelha. Os libertários ou anarquistas que nela participavam, nos meados do século XIX, designavam-se socialistas ou comunistas libertários.
   
Seria muito longo e inadequado para um artigo de blog, descrever todo o trajecto das diversas forças de esquerda, quer das ditas reformistas, quer das revolucionárias, em todo o século vinte. 
Encorajo o leitor a fazê-lo por si próprio, para poder compreender o mundo de hoje, nestes cem anos passados sobre a Revolução de Outubro de 1917. O ideal será recorrer a uma grande diversidade de fontes de informação; destas, deverá preferir os documentos originais às interpretações escritas pelos autores, cujo ponto de vista influenciará a maneira como descrevem acontecimentos históricos, mesmo no melhor dos casos.

O que queria enfatizar é a relação umbilical da esquerda com a classe trabalhadora, com o operariado, com o sindicalismo de classe, na primeira metade do século XX. Isto é aplicável, quer às componentes autoritárias ou libertárias, quer defensoras de práticas reformistas ou revolucionárias. 

A partir do fim dos anos 60, o elo de classe começou a enfraquecer, até se tornar meramente histórico. 
Passou-se progressivamente para um tipo de política estruturada em torno de «causas» - ou seja - de questões de identidade. 
Estas questões não estavam ausentes dos debates e lutas da primeira metade do século XX; porém, eram vistas de maneira diferente. Consideravam-se relacionadas com o exercício do poder pela classe dominante, o qual impunha desigualdades, discriminações, para melhor exercer o seu domínio. Estas, iriam ser abolidas aquando do triunfo da sociedade igualitária, sem exploradores. 

Porém, a partir dos final dos anos 60 e sobretudo, nas últimas décadas do século XX, esta visão foi posta de lado, tendo sido aceite - no seio do povo de esquerda - que as pessoas oprimidas tinham o direito/dever de se auto-organizarem em grupos de afinidade para combater determinados aspectos das sociedades hierárquicas, opressivas. 
Quanto ao chamado «socialismo real», no bloco soviético/países de Leste (e mesmo descontando a monstruosidade do período estalinista), para a maioria da esquerda do Ocidente era visível que não teria proporcionado, nesses países, uma real evolução das mentalidades. 
Os regimes que se auto-definiam como «socialistas» não o eram na verdade, eram regimes com uma estrutura burocrática, capitalista de Estado. A não identificação das classes trabalhadoras desses países com o poder vigente, é que foi o factor decisivo da sua queda, embora haja provas de que houve, por parte de serviços e agências do Ocidente, um apoio ativo a movimentos de contestação e de dissidência, como não seria de espantar, no contexto da Guerra Fria.

As pessoas no Ocidente - dos anos 1990 até recentemente - têm vindo a esquecer o valor da ação coletiva, de fazer causa comum, tendo predominado frequentemente uma postura de extremo individualismo. 
O individualismo, em si mesmo, não será mau, na medida em que permite um distanciamento crítico da pessoa e portanto, embora não conduza a um comprometimento com lutas coletivas, pode - ainda assim - trazer um certo contributo crítico. 
Porém, o individualismo egoísta ou egolâtrico, esse não traz nada, pois se conforma com as coisas tal como elas são, conforma-se e satisfaz-se num hedonismo (satisfação imediata, sendo a única finalidade de viver), que lhe é apresentado como a coisa mais original, mas rebelde, etc, que possa o indíviduo atomizado realizar. 
O carneirismo não é incompatível com este individualismo. Pelo contrário, é o resultado da sociedade massificada por um lado, mas atomizada, por outro. 

O conceito de esquerda tem evoluído ao longo das épocas históricas, mas hoje em dia significa - em geral - uma tendência que preconiza a saída do capitalismo. O que difere entre correntes e faz com que - na prática - seja muito difícil de as conciliar é a enorme diversidade de pontos de vista sobre os caminhos para se alcançar a nova sociedade, não-capitalista. 

Estou convencido que a automatação cada vez mais intensa, mesmo em países de mão-de-obra barata como a India ou a China, vai obrigar a re-equacionar definitivamente os conceitos.
Tipicamente, os proletários são vistos somente como aqueles que são mantidos à margem e não podem usufruir dos efeitos das transformações tecnológicas, cujo trabalho só lhes permite sobreviver. 
Porém, uma enorme massa vive e trabalha em condições de servidão, alternando períodos de trabalho e de desemprego, com impossibilidade de sair desse regime... O «precariato», constitui cerca de 80% dos jovens de 30 ou menos anos, nos países do Ocidente. 
Estes servos têm, frequentemente, formação académica mais elevada do que a necessária para o trabalho que executam. Tipicamente, possuem um curso superior, quando apenas uma formação básica seria largamente suficiente para a natureza das tarefas que desempenham. 
Talvez seja esta a maior contradição, que tornará inevitável  uma explosão social, à qual as velhas receitas não se aplicam, obrigando por isso a uma mudança profunda. A contradição entre o saber e o fazer é uma contradição social, mas tem sido ocultada pela ideologia do «sucesso» e da «meritocracia». Segundo esta, as pessoas são as únicas responsáveis de seus sucessos, como dos seus fracassos. 

Tal como existe, a sociedade atual - seja nos países ditos «desenvolvidos», seja nos países em «desenvolvimento» - está a caminhar para um novo feudalismo. 
Este extremar da distribuição da riqueza e as assimetrias de poder que gera, fazem com que os muito ricos dominem, não só como detentores do capital, também graças a dispositivos tecnológicos que lhes permitem um controlo das mentes, que envolvem o sistema educativo, os mass media, a cultura de massas ... 
Porém, os excluídos desse poder material, podem aceder ao conhecimento e isso é uma base para outro poder, o qual poderá desembocar na formação de comunas livres, ou algo deste género, como tem sido repetidamente tentado, em pequena escala.

A transformação social vai acontecer, independentemente dos esquemas ideológicos de uns ou de outros. Pode-se ter um desejo de que esta transformação traga maior emancipação individual e colectiva, maior igualdade de oportunidades, maior fraternidade. Mas pode muito bem ser substancialmente diferente do que se deseja. Nada está escrito, nada está determinado.
Constato que a teoria, principalmente em relação aos movimentos sociais, só pode ser construída a posteriori, depois das transformações terem ocorrido. Porém, os ideólogos têm a pretensão de «saber qual o futuro e como se vai lá chegar»! 
Esta visão da sociedade terá de mudar. Esperemos que não haja tanta ingenuidade em relação aos «salvadores do mundo». 


sexta-feira, 14 de outubro de 2016

TEXTOS SOBRE SINDICALISMO

«Enquanto houver uma crença alargada sobre a capacidade reformista de melhorar a situação dos trabalhadores, será impossível que as coisas mudem. Mas, nos dias de hoje, não há realmente nada que os reformistas possam oferecer aos trabalhadores. Apenas palavras e mais palavras. Os trabalhadores não podem esperar qualquer melhoria na sua condição, engajando-se nos becos sem saída que são as pseudo formas de luta conduzidas pelos reformistas; até mesmo quando se chamam a si próprios de “revolucionários”.
Eis a razão porque creio ser fundamental fazer uma crítica certeira das diversas lideranças reformistas, fazendo isto no seio de movimento dos trabalhadores, não em pequenos círculos auto-marginalizados.»(1) 



Traduzi recentemente um texto de um sindicalista anarquista do início do século XX,  Paul Delesalle «AÇÃO SINDICAL E OS ANARQUISTAS»
para um amigo historiador. (2)

Acho que tem interesse, pois além de ser um documento importante para se perceber o contexto da intervenção do anarquismo na luta de classes no início do século XX e sua extrema importância, menorizada pelos historiadores de escolas marxistas ou liberais, convém lê-lo numa perspectiva mais longa da História, por nós, do século XXI : vemos que existe uma continuidade histórica de políticas, de estratégias e de práticas sociais inerentes a diversas correntes no seio da classe trabalhadora. 


(2) AÇÃO SINDICAL E OS ANARQUISTAS

Por Paul Delesalle
-“Les Temps Nouveaux” – 1901 –

Conferência realizada na Biblioteca de Educação Libertária de Belleville a 17 de Maio de 1900.
  

O quotidiano crescimento em importância dos Sindicatos operários obriga-nos a encarar e sobretudo estudar qual deva ser a conduta que devemos ter em relação a estes agrupamentos e até que ponto devemos participar no seu desenvolvimento, quer aí entrando como membros, quer favorecendo a sua criação.
Toda a formação social encerra em si própria os agentes da sua metamorfose; são as próprias leis do regime capitalista que desencadeiam a destruição deste regime, pelo antagonismo de classes criado pelo modo de produção capitalista.
O regime da indústria moderna, isto é, na sua forma económica atual, tem como corolário, nas relações sociais, a organização corporativa.
O sindicato operário é o agrupamento que melhor representa a classe explorada em luta contra a avidez da classe exploradora; não há portanto motivo para contrariar este movimento de agregação em unidades operárias. Devemos, pelo contrário, nos empenhar resolutamente e impedir que a sua direção caia nas mãos de ignorantes ou de ambiciosos que o fariam desviar da sua rota revolucionária.
Obrigados a resistir à ganância capitalista, que é cada dia maior, os operários, para colocar um freio à sua exploração, agruparam-se portanto por indústria. Daqui nasceu o sindicato operário: «Associação de operários de um mesmo ofício agrupando-se para defender seus interesses materiais e morais, criando entre seus aderentes relações de solidariedade com o fim de resistir à avidez dos detentores do capital».
Mas para nós, revolucionários, a sua ação não deve parar aí; assim, vemos no Sindicato dois movimentos:
1-   Um movimento reformista «para defender os seus interesses materiais e morais», tendo em vista a satisfação de interesses imediatos, tais como o melhoramento dos salários, a diminuição da jornada de trabalho e, em geral, todas as melhorias do bem-estar do operário.
2-   Um movimento económico da classe operária contra a classe capitalista, tendo como finalidade bem estabelecida a supressão desta última e do regime que ela representa.

Tais são, na nossa opinião, ambos pontos para os quais tendem os sindicatos operários. Um movimento reformista e um movimento revolucionário tendo por finalidade mudar a forma da sociedade: a testemunha-lo pode-se ler o cabeçalho de um apelo aos operários das indústrias metalúrgicas para os convencer a sindicalizarem-se: 
«O Comité declara que o fim que persegue é a supressão completa do patronato e do salariato»

A nossa atitude face a estas duas tendências do movimento sindical é simples: demonstrar a inanidade das reformas parciais e desenvolver nos sindicalizados o espírito revolucionário.

Através dum aumento salarial, por exemplo, é-nos fácil demonstrar que se - momentaneamente - este aumento nos favorece como compradores, chega um momento em que, todos os salários tendo aumentado, inevitavelmente os produtos aumentam nas proporções idênticas e este aumento não terá servido para nada, pois teríamos mais dinheiro, mas não haveria aumento da capacidade de consumo; é, julgo, aquilo que os advogados do socialismo científico chamam pomposamente «a lei inflexível dos salários».

Irei citar apenas um exemplo: nos Estados Unidos, não é raro ver um operário ganhar 3 ou 4 dólares por dia, o que corresponde a 15 ou 20 francos da nossa moeda; apesar disso, os operários americanos não são mais felizes do que nós, as formidáveis greves de que ouvimos falar, são disso testemunho.

A nossa propaganda nos sindicatos deve portanto ter como finalidade restringir o movimento que apenas tende às reformas parciais, demonstrando a inanidade disso aos nossos camaradas de associação, sempre que a ocasião se apresenta.

Isto não quer dizer que - quando os nossos camaradas reivindicam um aumento de salário - nós sejamos opostos a isso, mas que devemos demonstrar-lhes que isto dá somente uma vantagem passageira e que deveremos recomeçar após pouco tempo, se quisermos conservar essa vantagem e ao fazê-lo estamos a favorecer o movimento sindical enquanto movimento de luta contra a classe capitalista.

A nossa posição face a estes dois elementos constitutivos do movimento sindical está assim bem definida:
1-  Demonstrar a inanidade das reformas;
2-  Favorecer o movimento enquanto elemento revolucionário.

Como acabámos de ver, se existe um agrupamento que se coloca no terreno económico da luta de classes é, sem dúvida, o agrupamento sindical. Em parte nenhuma, fora dele, o antagonismo entre empregadores e assalariados se faz sentir com mais força. Quer se queira, quer não, os interesses dos operários estão em contradição com os dos patrões e vice-versa; existe luta contínua entre estes dois elementos e, melhor do que qualquer outro, o agrupamento sindical favorece esta luta, ou pelo menos, a evoca aos seus aderentes, pois é a sua suprema razão de existir. Basta-nos como prova a frequência das greves nos últimos anos, frequência que vai de par com o desenvolvimento dos sindicatos operários.

A luta neste terreno tem, além do mais, a vantagem superior de não deixar nenhum espaço para alianças e compromissos com a classe burguesa, ou com as classes intermediárias (pequenos burgueses, pequenos comerciantes, empregados superiores), cujos interesses imediatos estão em antagonismo com os dos operários. O contrário ocorre no movimento político, onde as alianças de interesses opostos não são raras, pelo contrário. Melhor ainda, existe um antagonismo entre o movimento corporativo e o movimento político; este último, apesar de todas as tentativas, nunca conseguiu absorver o primeiro.

Conhecer as características dos sindicatos, o grau de evolução destes agrupamentos são coisas que nos devem interessar no mais alto grau, pois há aí um campo de ação que se oferece a nós. Já em várias ocasiões o efeito da nossa propaganda se fez sentir. O congresso de Londres, ao qual uns tantos camaradas trouxeram as ideias e as tendências dos grupos corporativos, permitiu evidenciar as vantagens que daí podemos retirar. Também, a campanha antiparlamentar levada a cabo pelos delegados operários nos relatos feitos após o seu regresso de Londres, não teve pouca importância.

Na atualidade, o antagonismo entre políticos – para os quais a conquista do poder é a panaceia suprema – e os sindicalistas (como alguns os chamam, com desdém) defensores duma transformação da Sociedade, preconizando como meio a «greve geral» - que apenas é, na realidade, a nova forma da revolução, bem apropriada ao regime industrial moderno – mostra-nos que podemos extrair vantagem, para as nossas ideias, do movimento puramente operário dos sindicatos.

Ao contrário da luta eleitoral e política, que se acende apenas periodicamente, a luta contra a avidez patronal é de todos os dias, mantendo os indivíduos constantemente aguerridos e – ponto muito importante – não necessitando nem de chefes, nem de deputados para as tarefas em que todos são convidados a tomar parte ativa, enquanto na luta política eleitoral é, quanto muito, de quatro em quatro ou mais anos que o indivíduo é chamado a exercer a sua soberania, e nós sabemos que soberania é essa, afinal.

Estas são vantagens inegáveis do movimento económico em relação ao movimento político, o indivíduo toma parte ativa nele, sem necessitar de intermediários. Os nossos políticos profissionais tinham bem a noção disso, tal como Jaurès o queria fazer recentemente, pois tentam relegar a luta económica para segundo plano, quando – pelo contrário- a importância do movimento económico é tudo, e a do movimento político, nada.

As revoluções foram eficazes na medida em que foram económicas, as revoluções políticas apenas mudaram a forma de governo sem mudar de qualquer maneira as bases da Sociedade, e sem afetar de algum modo as condições de vida do operário.

À parte as reformas – as quais, como penso ter demonstrado atrás, servem quanto muito para enganar durante algum tempo aqueles em cujo nome elas são efetuadas, os quais não tardam a percebê-lo – o objetivo perseguido pelos sindicatos é – portanto- um objetivo revolucionário que não pode ser alcançado senão por meios revolucionários (greve geral ou outros), o fim último sendo a abolição da exploração do homem pelo homem, mas – é preciso confessá-lo – com uma tendência, por vezes, a um ‘Quarto Estado’ coletivizado (teoria coletivista).

Pois não deveríamos nos enganar a nós próprios, fingindo ou querendo convencer outros, de que todos têm em vista a abolição da sociedade capitalista, de que todos apenas esperam a sua emancipação através de uma sociedade comunista libertária. Muitos, apenas têm como ideal um comunismo autoritário ou coletivismo, convencidos, apesar de todos os fracassos, no papel do Estado Providência. Não irei aqui alongar-me sobre o Estado produtor e dispensador de toda a riqueza; se somos inimigos da centralização capitalista, não podemos sê-lo menos da centralização socialista; sermos governados por Jules Guesde ou P. Lafargue, não nos agrada mais do que sermos governados por Waldeck-Rousseau ou por Méline, pois nós não queremos, de modo nenhum, ser governados.

Esta tendência pela transformação da sociedade, que possuem os sindicatos, não deixa de ser uma tendência revolucionária. E, por outro lado, se a transformação da sociedade é possível através do agrupamento puramente económico, demonstra-se assim a perfeita inutilidade de uma direção puramente política.

Outra vantagem dos sindicatos, e não das menores, é que estreita os laços de solidariedade entre membros da classe operária e isto, não apenas no mesmo local de trabalho, na mesma cidade, no mesmo país, mesmo, por vezes, por cima das fronteiras.

Lembremos o que foi a Internacional, esta vasta associação de operários de todos os países tendo um fim comum: o derrube da burguesia capitalista. Era este o seu internacionalismo prático e os nossos adversários, os burgueses, compreenderam-no tão bem que se puseram de acordo, entre eles, para quebrar a internacional operária, tentando contrariar assim um futuro que esperamos próximo.

O sindicato tem ainda como vantagem o facto de, ao agrupar membros cujos interesses são comuns, não existirem antagonismos como os que se observam nos movimentos políticos, que estão sempre a dividir os operários em questões envolvendo pessoas ou tendências, como vemos agora no seio do Partido Socialista francês.

Ao mesmo tempo que a atividade no terreno económico demonstra a completa inutilidade do movimento político, prepara perfeitamente para o entendimento entre grupos de produtores, para o dia em que estes estiverem em condição de se tornarem donos dos seus instrumentos de trabalho. Que agrupamento afinal estará capaz de garantir a produção e de fazer face às necessidades do consumo no dia seguinte à revolução, senão o agrupamento corporativo?

Pois, quando falam de revolução, alguns parecem esquecer que é necessário garantir o consumo no dia seguinte ao seu triunfo. Se estiver agrupada corporativamente, será fácil à classe operária assegurar essa produção. É o que esperamos que ela faça. Esta evolução dos sindicatos operários será tanto mais rápida quanto nós a encorajarmos e favorecermos, pela nossa propaganda.

Não posso fazer melhor do que citar aqui o nosso camarada Pelloutier, secretário da Federação das Bolsas do Trabalho. Ele também está convicto de que os sindicatos serão embriões dos grupos de produtores do futuro.

«Entre a União corporativa que se constrói e a Sociedade comunista e libertária no seu período inicial, existe concordância.
Queremos que toda a função social tenda à satisfação das nossas necessidades; a união corporativa também o quer, é o seu objetivo, e cada vez mais, se emancipa da crença numa necessidade em haver governos. Nós queremos uma aliança livre dos homens; a união corporativa (ela está a perceber isso melhor a cada dia que passa) não pode existir senão com a condição de banir do seu seio qualquer hierarquia e constrangimento. Nós queremos que a emancipação do povo seja obra do próprio povo: como o quer a união corporativa. Cada vez mais se sente a necessidade de tratarmos nós próprios dos nossos interesses, o gosto da independência e desejo de revolta aí germinam; sonha-se aí de locais de trabalho livres onde a autoridade daria lugar ao sentimento pessoal do dever; emitem-se opiniões, com largueza de espírito, sobre o papel dos trabalhadores numa sociedade harmoniosa. Em resumo, os operários, depois de terem julgado que estavam condenados ao papel de meros instrumentos, querem ser inteligência para que possam ser ao mesmo tempo inventores e criadores das suas obras». (1)

Inicialmente construídos para o socorro mútuo em caso de doença ou de desemprego, aumentaram cedo as suas atribuições ao tomarem o papel de grupos de conciliação nos conflitos entre o capital e o trabalho. A burguesia patronal, ainda hoje, não desejaria ver neles outra coisa.

Agora entraram em pleno na luta. Os trabalhadores impõem a força da sua organização para resistir à avidez capitalista, que cresce diariamente, quer para recusarem diminuições de salários ou, pelo contrário, exigirem melhor remuneração, uma diminuição das horas de laboração ou todo o género de reivindicações que venham melhorar a sua condição. Além disso, sem ter perdido as suas características iniciais, os grupos corporativos, solidamente constituídos, encaram o futuro próximo, enquanto embriões dos grupos livres de produção vindouros. Tarefa que não pode ser mais ampla e na qual bem nos sentimos tentados em participar.

Certamente, ainda têm de evoluir, mas estamos convencidos de que é do movimento operário que sairá a próxima revolução, sob forma de Greve Geral, ao que parece. Somos nós, portanto, se não queremos que a revolução se transforme mais uma vez num vasto logro, que temos de fortemente impregnar, transformar mesmo, estes grupos corporativos de acordo com as nossas ideias.

__________________
(1) A Organização Corporativa e Anarquia, p.17-18

Temos, a todo o custo, que impedir que este movimento seja açambarcado pelos partidários do ‘Quarto Estado’, por esses falsos amigos, que são Jaurès, Millerand, Guesde, etc. os quais sonham expropriar e expulsar a burguesia, em nome de uma ditadura do proletariado, sendo eles os ditadores.


De mutualista, o movimento sindical transformou-se depressa num movimento de reivindicações imediatas ou movimento reformista (aumento dos salários, duração da jornada laboral, etc…) Ele tornou-se hoje em socialista e revolucionário; muitos camaradas nossos, que nele participaram, impregnaram-no, orientaram-no em direção às nossas ideias. Apliquemo-nos então a desembaraçá-lo completamente das fórmulas antigas, a torna-lo comunista e anarquista.

Apenas nos resta refutar as numerosas objeções que são feitas à nossa participação no movimento sindical. Não procurarei eludi-las, pelo contrário, tentarei responder antecipadamente às principais.

Muitos camaradas nos fazem, com alguma aparência de razão, o mesmo reparo que nós anarquistas fazemos em relação aos partidários da propaganda eleitoral e parlamentar. É de temer dizem, que – a exemplo do socialismo parlamentar – a agitação sindical perca de vista o fim de transformação da sociedade, que não seja mais que um movimento reformista.

O sindicato, dizem eles também, apenas tem sucesso na hora presente porque agrupa os trabalhadores com vista a obter benefícios imediatos. Ninguém me verá dissimular estes argumentos, os quais – reconheço - são tantas vezes, infelizmente, verdadeiros.

Em vez de objetar a estes argumentos, válidos em si mesmos, vejo que são afinal excelentes razões para nós entrarmos e criarmos um movimento anarquista no seio do movimento sindical. Ao repudiarmos o papel meramente de obtenção de vantagens imediatas e ao demonstrar a sua inanidade, estaremos a imprimir ao movimento um caráter mais conforme com as nossas próprias ideias.

Outra objeção que se pode fazer - a que não deixo de dar o devido valor – é de que não é preciso formar sindicatos para agrupar operários num plano revolucionário: pelo contrário, o agrupamento corporativo tem tendência a ocupar-se de interesses exclusivamente corporativos. Assim, muitos indivíduos na nossa sociedade têm sido rejeitados sistematicamente das profissões qualificadas devido ao desenvolvimento constante do maquinismo, formando assim um autêntico exército de reserva e não podem entrar em nenhum sindicato. São esses indivíduos que têm maior interesse imediato numa revolução e na transformação da sociedade capitalista. Nada impede de agrupar esses indivíduos no terreno revolucionário onde a nossa propaganda os poderá alcançar mais plenamente. Estivemos sempre empenhados nisso, embora -pessoalmente- tenhamos constatado, com mágoa, todas as dificuldades em agir nesse setor. Muitos outros camaradas também tentaram e regressaram amargurados. Todo este exército de desempregados, de vagabundos, de marginais, é - na realidade - muito difícil de alcançar. Gente que vai pedir esmola em instituições laicas ou religiosas e espero sinceramente que os camaradas que exercem o seu esforço nesse lado tenham mais sucesso do que eu próprio.
Digo isto, constatando que existe uma força real, a qual - num dado momento- é preciso saber integrar na luta.
O ideal seria, sem dúvida, um agrupamento exclusivamente revolucionário; os grupos que tentamos erguer são uma prova de que - enquanto anarquistas - não permanecemos inativos. Mas, dado que existem outros agrupamentos cujos indivíduos não vêm até nós. Não deveremos nós ir até eles? O nosso lugar não estará em todo o lado onde haja propaganda a fazer, indivíduos a trazer para o nosso lado, e não será – melhor que qualquer outro agrupamento- o sindicato um excelente terreno de propaganda? A pouco e pouco, ele evolui e emancipa-se, já não sendo, como tentei demonstrar, um agrupamento de interesses corporativos e de reivindicações imediatas; já vê mais além, até incluindo a visão duma sociedade melhor. Isto é também aquilo que desejamos todos.

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Também graças aos sindicatos os operários de vários países aproximaram-se, aprenderam a conhecer-se, federações internacionais de profissões ou de indústrias foram criadas e vivem. Isto é internacionalismo prático. As relações por cima das fronteiras irão mostrar-lhes depressa que a exploração não tem limites e que é a mesma em todo o lado. Também a nossa propaganda tenta mostrar isso. É sobre estas aproximações, sobre estas simpatias, que aproximam todos os explorados, que devemos mais contar. A partir do momento em que todos terão compreendido que a exploração é de mesma natureza aquém e além-fronteiras, o capitalismo não terá muito tempo de vida.

Por fim, nós - enquanto anarquistas- podemos impedir que o movimento sindical caia nas malhas de uma organização autoritária ou que promova a criação de uma aristocracia operária.

Por todas estas razões, devemos resolutamente participar na ação sindical e por incessante propaganda demonstrar aos nossos camaradas de sindicato que a nossa emancipação completa apenas pode resultar de uma:
                        Revolução
                                    Internacional,
                                               Comunista e Anarquista.


                                                            Paul DELESALLE