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domingo, 8 de dezembro de 2024

UMA LEITURA DA «ARTE DA GUERRA» DE SUN TZU


Esta leitura tem o mérito de não reduzir o texto clássico (do IVº Século AC) em um manual de conduzir as batalhas ou a estratégia bélica, em geral.

No contexto do pensamento de SUN TZU, o que importa é o resultado; é fazer com que as circunstâncias - sejam elas quais forem - sejam aproveitadas, da melhor maneira.
O general que comanda o exército deve poupar ao máximo as suas tropas, não deve encetar combate senão quando indispensável, deve conhecer ao pormenor o terreno, saber o máximo sobre o inimigo e sobre seu próprio campo. Estes ou outros conselhos são afinal sabedoria de experiência feita. Por isso, não surpreende que outros teóricos da guerra, como Tucidides, Clausewitz e Maquiavel também os enunciem.

Mas, a filosofia do Taoismo penetra profundamente o texto de Sun Tzu, sendo este somente realmente inteligível, para quem possua leituras e compreensão aprofundadas das filosofias, religiões e civilizações do Extremo Oriente.
Afinal, é mais um texto filosófico, uma filosofia da ação. Deixa de lado considerações morais. É «técnico», portanto amoral num certo sentido. Deixa inteiramente em aberto a questão das causas, motivações e princípios éticos ou religiosos subjacentes.

Em suma, adapta-se a quaisquer tempos e circunstâncias, inclusive, em campos afastados da Arte Militar, em si mesma: Pode ser visto como um manual de condução dos assuntos de Estado /da política, de negócios, de relações sociais e pessoais, etc. Tornou-se moda, no Ocidente. Tem sido aproveitado por «gurus de Public Relations», politólogos, psicólogos, etc.
Mas, parece-me que - quase todos eles - distorcem a doutrina de Sun Tzu, talvez de modo não intencional, ao «adaptá-la» à mentalidade ocidental. Seria mais sensato vê-lo enquanto texto filosófico de estratégia no contexto supracitado; o do estudo aprofundado de correntes religiosas e filosóficas do Extremo Oriente, nomeadamente, do Confucionismo, Taoismo e Budismo.

                              

sábado, 22 de agosto de 2020

ESTRATÉGIA NAVAL AMERICANA NOS MARES DO SUL DA CHINA E RESPOSTA DE PEQUIM

               

Tem-se utilizado muito frequentemente o conceito de «armadilha de Tucídides» (Thucydides Trap) para descrever o deslizar do conflito entre os EUA e a República Popular da China do campo meramente comercial (embora as sanções unilaterais impostas pelos EUA sejam já uma forma de guerra, reconhecida como tal pela ONU) para o campo estritamente militar. O confronto armado ainda não ocorreu, mas as provocações - neste caso, é preciso reconhecê-lo, exclusivamente do lado dos americanos - têm-se multiplicado, usando a administração de Washington a «liberdade de circulação nos mares» como pretexto falacioso para fazer constantes provocações no Mar do Sul da China. Como eu referia num artigo anterior, nem sequer o pretexto de auxiliar os vizinhos da China, que teriam razões de queixa na disputa das águas territoriais entre eles e o gigante asiático, pode ser dado como razão válida. Com efeito, a constante ameaça no mar que é chinês, ou que está na directa esfera de influência de Pequim, jamais poderá desencadear da parte chinesa outra coisa, senão o reforço das defesas e o aumento da militarização na zona, não apenas por uma questão de patriotismo, ou de posição de princípio mas, sobretudo, pela muito real ameaça militar directa que a armada dos EUA coloca, em exibições de força ao longo das costas chinesas.

Porém, o termo de armadilha de Tucídides aplicar-se-ia mais apropriadamente, se a atitude de constante provocação fosse daquele dos dois países que ainda seja o mais fraco, contra o mais forte: Se a China tivesse exactamente o comportamento que estamos a observar da parte dos EUA, desde há alguns anos. 

A questão dos termos e sua adequação para descrever fenómenos com milhares de anos de intervalo (lembremos que Tucídides reflectiu sobre a ascensão de Esparta, perante a potência dominante que era Atenas, então) é sempre imprecisa, pois se trata do domínio da analogia.

Porém, para muitos observadores, o poderio dos EUA já não é realmente o nº 1 mundial. O poderio económico desapareceu; é um país extremamente carenciado, na sua estrutura produtiva. Isso deveu-se à estratégia dos muito poderosos oligopólios (que governam a política nos EUA), de exportação das manufacturas e capacidade produtiva americana para países do Terceiro Mundo. Maximizando assim os seus lucros, as corporações da super-potência mundial tornaram esta, de facto, «Terceiro Mundo». Os EUA ficou sem capacidade de auto-abastecimento em sectores estratégicos, desde a própria aeronáutica (a importação de metais e terras raras da China é essencial para fabrico dos seus aviões de combate), até à indústria farmacêutica, como se viu recentemente, incapaz de obter ao nível doméstico moléculas / matérias-primas para fabrico de medicamentos essenciais (ex: antibióticos).

Então, os Estados Unidos, no esquema de Tucídides, seriam a potência que já perdeu o estatuto de domínio sem contestação, estando a tentar desesperadamente limitar os danos, isto é, manter-se numa aparente posição de dominância face ao resto do mundo, para poder continuar a explorá-lo, a fazer chantagem, a usar a força ou ameaça da força, como exclusivo «instrumento diplomático». Sobretudo, a gastar rios de dinheiro do orçamento (com a dívida mais astronómica de toda a História) para uma desenfreada acumulação de armamento sofisticado, de todo o género.

Pelo contrário, temos de reconhecer a contenção que tem mostrado a China, perante um avivar da guerra híbrida. Esta, tem consistido em sanções económicas injustas, apoio muito evidente aos separatistas Uigures, aos estudantes ditos «democráticos» de Hong Kong, o cerco permanente de bases militares rodeando a China, a invasão periódica pela frota dos EUA dos mares do Sul da China.  

A diplomacia chinesa tem muito a perder, se responder «taco-a-taco» às provocações americanas. Os sucessos maiores da China consistiram no quebrar do isolamento e conseguir que regimes, até mesmo muito favoráveis aos EUA, prossigam num caminho de boa vizinhança e de acordos em tudo o que for possível, sem terem de «virar a casaca», como é o caso da Coreia do Sul

A China [sem esquecer sua elite governante e seu «nacional-comunismo», a brutalidade da repressão das dissidências, ou seu enorme desprezo pela real preservação do ambiente e dos ecossistemas...] tem uma visão estratégica global. É um facto, que demonstra estar-se perante uma potência madura. Uma visão que se concretiza nos BRICS, na Organização de Cooperação de Xangai, nas Novas Rotas da Seda e nos laços com muitos países próximos ou distantes, quer no sentido ideológico, quer geográfico. 

Pelo contrário, os EU da Amerika retomam a odiada «diplomacia da canhoneira», erigem-se em defensores dos direitos humanos, quando eles próprios são os piores violadores dos mesmos, ao fazerem guerras criminosas e em apoio a regimes criminosos e claramente desprezando os mais elementares direitos humanos. 

Ainda por cima, em relação aos pobres e oprimidos, no seu território, não existe verdadeira justiça ou direitos humanos: os EUA é um Estado onde a polícia tem uma protecção legal absoluta para matar ou ferir, sem que nada lhe aconteça. 

 Para mim, não se trata de uma «escolha»: não tenho (e creio que praticamente nenhum/a dos meus leitores/as terá) possibilidade de escolher o rumo, ou influenciar o mesmo, dos grandes acontecimentos internacionais... goste-se ou não, simpatize-se ou não, com esta ou aquela potência mundial. 

Aquilo que se pode fazer, neste contexto, é pressionar em prol da paz, pela descida dos níveis de tensão, por um desarmamento recíproco e controlado. Deve-se tudo fazer para que a opinião pública desperte da sua letargia e se erga para exigir aos seus governantes respeito pela sua vontade de paz mundial. 

Tudo decorre daí, da vontade da cidadania: a melhoria nos Direitos Humanos dentro de cada país é claramente beneficiada por um clima de distensão nas relações internacionais, de respeito pela soberania dos Estados. 

Isso verificou-se, por exemplo, em relação a Cuba: Nas fases em que os EUA tiveram uma política mais «agressiva», foram também períodos em que a oposição interna teve vida mais difícil; pelo contrário, a melhoria das relações e abertura duma embaixada (dos poucos aspectos positivos da política externa de Obama), corresponderam a uma relativa melhoria da situação dos direitos humanos. 

Mas, pode-se generalizar, pois aconteceram situações análogas na Europa de Leste, incluindo Polónia e outros países do Pacto de Varsóvia, aquando da política de Gorbatchov, de acabar com a guerra-fria e realizar reformas na URSS, com repercussões nos seus aliados.

A luta dos povos por maior liberdade e justiça é favorecida por um aprofundamento dos laços amistosos entre Nações, por uma descida dos níveis de armamento, por não erigir e, pelo contrário, abater as barreiras artificiais à circulação de pessoas, de ideias e ao comércio internacional. 

É claro e auto-evidente, que estes factores estão interligados: Quem adopta sinceramente estes princípios e segue estes critérios, está no bom caminho da paz, da democracia, do progresso.  

NOTA 1: depois de escrito este artigo, um artigo de Pepe Escobar publicado no Asia Times, mostra com pormenor que a liderança da China possui uma estratégia de longo prazo, tal como eu afirmava, enquanto os EUA (... quem governa o Pentágono, não me parece que seja este presidente) apenas têm atitudes de provocação contra a China.

NOTA 2: A gravidade da situação de confrontação naval não pode ser minimizada por ninguém com bom senso. Os EUA estão a fazer manobras agressivas e provocatórias, em águas territoriais chinesas. Estão a imiscuir-se na disputa entre a China Popular e Taiwan, não para resolver problemas, mas para terem um pretexto de intervenção.

   

sábado, 5 de janeiro de 2019

JOGOS DE GUERRA SÃO JOGOS PERIGOSOS...

«As condições de concorrência e rivalidades entre potências imperiais e o atiçar de nacionalismos diversos»... seria uma frase conveniente para começar a descrever os antecedentes da Primeira Guerra Mundial, assim como para estes tempos conturbados.
Com efeito, uma super-potência, os EUA, triunfante de uma guerra-fria (por vezes, quente) com a super-potência rival, encontra-se confrontada com a emergência de potências que não aceitam mais um estatuto subordinado (a China e a Rússia). Estas têm sabido obter uma série de cooperações «win-win». Muitos dos países envolvidos são os que têm desejo de se tornarem independentes dos laços neo-coloniais, sob os quais são explorados, desde as suas independências das metrópoles...
Este tecido de acordos vai marginalizar o papel dos EUA e dos seus aliados, numa parte substancial do comércio mundial, de igual modo fazendo perder ao dólar o papel de reserva obrigatória (nomeadamente, sob forma de obrigações do Tesouro Americano) em bancos centrais e comerciais em todo o mundo e como divisa predominante no comércio mundial. 
A hegemonia militar também está posta em causa, com a demonstrada (na Síria, principalmente) capacidade superior do armamento russo e a tecnologia chinesa que permite colocar em questão a superioridade da Navy dos EUA (foi notada a declaração de uma alta patente chinesa, dizendo que seria perfeitamente possível afundar porta-aviões americanos com mísseis chineses, frase que não deixou de soar como ameaça).

A questão que se coloca é da «armadilha de Tucidides». Este filósofo e historiador grego do século Vº A.C. dizia que uma potência dominante, mas em decadência, podia ser empurrada para a guerra por potências menores, mas em ascensão, por a primeira ter ainda esperança de assim vencer, antes que estas rivais se tornassem demasiado fortes. Alguns estrategas e pensadores geopolíticos pensam que esta «armadilha de Tucidides» se poderá colocar na actualidade.
Outras questões são agitadas, como a famosa visão geoestratégica de Mackinder, sobre a centralidade do espaço do Continente Euro-asiático, cujo controlo seria vital para a potência hegemónica (na altura, era a Grã-Bretanha). 
Na verdade, a guerra já está desencadeada em múltiplas frentes: Há guerra económica , com embargos, sanções, etc.; financeira, com bloqueios de transferências de capitais e com medidas para tornear o bloqueio de pagamentos; comercial, com tarifas de importação; de propaganda, com media agressiva e demagogos excitados ... 
Não será muito difícil imaginar que um «tiro num equivalente do Arquiduque, num qualquer lugar a fazer de Sarajevo» possa desencadear uma cadeia de actos que conduzam à chamada guerra «cinética» (ou seja, com tiros) entre grandes potências.  

Neste contexto, importa afirmar alguns factos: 
- A guerra, hoje em dia, não é uma questão de conquista, de alargar o «espaço vital» duma nação (ou império). 
- Não é também uma questão de aniquilação dum adversário, pois o que restar de suas defesas, depois de um primeiro ataque nuclear é suficiente para causar um dano devastador no inimigo. É um facto que os geo-estrategas de salão ou de gabinete deveriam compreender, mas não «conseguem»; infelizmente, são eles que têm influência decisiva nos governantes e presidentes. 
Estou convencido que os militares de alta patente, mas próximos do «terreno», têm uma maior noção das realidades. Os que lhes são subordinados, os oficiais de patentes mais baixas, os sargentos e os soldados, deveriam ser críticos e mostrar-lhes que não estão dispostos a fazerem de alvo, para satisfazer os sonhos megalómanos e as ambições de «políticos-militares». 
Todas as noções do que seja uma guerra, que vigoram no sub-consciente de grande número de pessoas, incluindo dos «geo-estrategas de gabinete», estão  moldadas pelos vídeo-jogos e pela evocação de cenários passados, reais, mas que não são transponíveis. 
É sabido que os generais treinam e preparam as suas divisões para combater situações análogas às da última guerra passada. Mas a guerra seguinte não se parece com a anterior. Eles ficam desarmados, em termos conceptuais pelo menos, quando as realidades do novo conflito lhes caem em cima.

A questão - de facto - mais grave nisto tudo, é que o desenvolvimento pacífico dos povos tornaria possível a abundância ou pelo menos, a ausência de escassez e de miséria, mas os governos têm feito do armamento e das forças armadas a sua prioridade. Ambos são gastos inúteis, no melhor dos casos (o de não haver utilização dos mesmos) ou, no pior, causadores de destruições massivas de vidas e bens materiais, destruições  brutais e irreversíveis em termos ambientais, também. 
Perante isto, as pessoas e as forças que desejam a paz e que lutam pela paz são demasiado pouco contundentes, são demasiado tímidas, porventura talvez tenham receio de serem difamadas, julgadas «traidoras», etc. 
Mas isto é exactamente o que os «obreiros da paz» podem esperar de governos e políticos, apostados em levar os povos até à beira do precipício: 
Os políticos fazem carreira mostrando ódio face a um adversário, real ou imaginário. Os grandes interesses do complexo militar- securitário - industrial estão por detrás, fornecendo financiamento, incluindo os media (largamente sob seu controlo) e também toda uma série de «think-tanks», ou clubes de intelectuais muito distintos, que argumentam academicamente a favor da tal guerra, como se fosse um jogo intelectual. Para eles, é isso mesmo; para milhões de humanos... será outra coisa, bem mais sangrenta!  
Eles não nos dizem aquilo que é evidente: «se preparas a guerra, esta torna-se mais provável de acontecer (até mesmo por acidente...)». 
Preparar a paz significa retirar aos políticos corruptos a base sobre a qual eles contam: muito do seu poder se desvanecerá, se as pessoas tiverem uma visão crítica: isto é, estarem atentas ao que eles fazem e não fixarem sua atenção no que eles dizem. 
Significa isso também desmontar as teias de mentiras, as operações de propaganda que estão na base das nossas «democracias», em que de facto, o povo escolhe «chefes» por algum tempo, mas esta escolha é fictícia porque estes são, na verdade, lacaios dos interesses económicos que - discretamente - os financiam e, portanto, são os que detêm o poder real.
Não se pode construir futuro de paz com os parasitas que vivem das guerras...