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domingo, 8 de dezembro de 2024

UMA LEITURA DA «ARTE DA GUERRA» DE SUN TZU


Esta leitura tem o mérito de não reduzir o texto clássico (do IVº Século AC) em um manual de conduzir as batalhas ou a estratégia bélica, em geral.

No contexto do pensamento de SUN TZU, o que importa é o resultado; é fazer com que as circunstâncias - sejam elas quais forem - sejam aproveitadas, da melhor maneira.
O general que comanda o exército deve poupar ao máximo as suas tropas, não deve encetar combate senão quando indispensável, deve conhecer ao pormenor o terreno, saber o máximo sobre o inimigo e sobre seu próprio campo. Estes ou outros conselhos são afinal sabedoria de experiência feita. Por isso, não surpreende que outros teóricos da guerra, como Tucidides, Clausewitz e Maquiavel também os enunciem.

Mas, a filosofia do Taoismo penetra profundamente o texto de Sun Tzu, sendo este somente realmente inteligível, para quem possua leituras e compreensão aprofundadas das filosofias, religiões e civilizações do Extremo Oriente.
Afinal, é mais um texto filosófico, uma filosofia da ação. Deixa de lado considerações morais. É «técnico», portanto amoral num certo sentido. Deixa inteiramente em aberto a questão das causas, motivações e princípios éticos ou religiosos subjacentes.

Em suma, adapta-se a quaisquer tempos e circunstâncias, inclusive, em campos afastados da Arte Militar, em si mesma: Pode ser visto como um manual de condução dos assuntos de Estado /da política, de negócios, de relações sociais e pessoais, etc. Tornou-se moda, no Ocidente. Tem sido aproveitado por «gurus de Public Relations», politólogos, psicólogos, etc.
Mas, parece-me que - quase todos eles - distorcem a doutrina de Sun Tzu, talvez de modo não intencional, ao «adaptá-la» à mentalidade ocidental. Seria mais sensato vê-lo enquanto texto filosófico de estratégia no contexto supracitado; o do estudo aprofundado de correntes religiosas e filosóficas do Extremo Oriente, nomeadamente, do Confucionismo, Taoismo e Budismo.

                              

terça-feira, 18 de setembro de 2018

«ENTRE A CHINA E A COREIA» POR EDUARDO BAPTISTA



Este pergaminho de caligrafia chinesa foi oferecido à escola pelo presidente sul-coreano Park Chung-Hee em 1969, Lê-se: “Coreia e China, amigos íntimos”. (韩中亲善)  

Á volta da capital sul-coreana de Seul, a influência da China é visível. Nos distritos centrais da cidade, empresas de consultoria de educação exibem cartazes gigantes que oferecem cursos que “garantem” levar os clientes, de um nível básico de Mandarim, até ao grau mais elevado do exame de proficiência em língua chinesa (HSK 6), tudo no intervalo de 30 dias.
Em Myeong-dong, o centro da indústria cosmética de Seul, vendedores sul-coreanos podem ser vistos a falar um chinês quase perfeito, enquanto tentam vender máscaras e perfumes aos milhares de turistas chineses, grande parte dos quais viaja para Coreia do Sul somente para comprar produtos cosméticos de alta qualidade.

Mas noutras paragens menos turísticas, é a vez dos imigrantes chineses fazerem a sua presença sentida. Tomando o metro em direcção sudoeste, chega-se ao bairro de Daerim-dong, conhecido por ter a maior concentração de imigrantes chaosienzu (), a minoria étnica coreana da China.
As principais ruas de Daerim-dong estão repletas de restaurantes que servem gastronomia de todas as regiões da China.


No entanto, um reduto da cultura e língua chinesas em Seul tem estado enfraquecido nas últimas duas décadas. Situada no distrito de Sodaemun, no noroeste da cidade, a Escola Secundária Chinesa de Seul foi estabelecida como escola básica em 1948, por um grupo de imigrantes chineses envolvidos no comércio sino-coreano. Depois do começo da Guerra da Coreia, a 25 de Junho de 1950, a escola foi rapidamente transferida para a Câmara de Comércio Chinesa de Busan, no sul da Península coreana. Mais tarde naquele ano, quando as forças sul-coreanas e da ONU foram encurraladas em Busan pelo exército norte-coreano, apoiado pelos soviéticos, a escola teve que ceder seu espaço para os soldados, transferindo-se para uma morada muito mais humilde: algumas tendas numas colinas situadas nos subúrbios de Busan. Após o fim da guerra, em 1953, a escola voltou para Seul, acrescentou o ensino secundário e em 1956 recebeu reconhecimento oficial do governo sul-coreano.




A entrada da Escola Secundária Chinesa de Seoul. O poster rosa, no lado esquerdo, diz, em coreano, "Agora é a Era da China" numa tentativa de atrair mais alunos coreanos para o currículo chinês oferecido pela escola.




Dois leões de pedra, uma característica comum da arquitectura imperial chinesa, flanqueiam as escadas que vão até o prédio principal da escola




“Fiel, filial, trabalhador, parcimonioso”. Valores confucianos exibidos na entrada do edifício principal da escola




Avisos bilingues passam pelo painel de LED da escola, exibindo frequentemente ditados confucianos como o da direita, "o valor da vida depende do que se contribui e não do que se adquire"




Os “quatro laços sociais” do sistema de valores confucianos - propriedade, justiça, honestidade e senso de vergonha - pintados na parede




Os altos e baixos desta escola secundária têm sido ditados por mudanças históricas nas relações sino-coreanas. Como o actual director Yu Zhisheng explica, na época da sua fundação, a escola era propriedade da embaixada taiwanesa na Coreia do Sul, que a financiou na esperança de encorajar os alunos a mudarem-se para Taiwan depois de se formarem. A cidadania taiwanesa fazia parte do pacote oferecido aos jovens imigrantes, assim como uma bolsa para estudar numa universidade taiwanesa.



Alunos e professores lamentam a morte de Chiang Kai-Shek, 6 de abril de 1975

O apoio financeiro do governo taiwanês foi decisivo no crescimento da escola. No final dos anos setenta, quando Yu era estudante, a escola atingiu o seu auge, com 2800 estudantes.
No entanto, após décadas de industrialização, a motivação inicial de Taiwan para financiar a escola começou a diminuir, trazendo uma diminuição gradual do financiamento governamental até 1992. Nesse ano, a decisão da Coreia do Sul de transferir o reconhecimento diplomático de Taiwan para a República Popular da China finalizou o corte de apoio económico à escola. Isto levou ao aumento anual das propinas que, no início dos anos 2000, ultrapassava a média das escolas privadas em Seul, causando uma diminuição gradual no número de estudantes; a escola hoje tem pouco mais de 500 alunos, o número mais baixo da sua história.

A escola teve que encontrar soluções para não entrar na insolvência. Perguntei a Yu porque é que o campo de futebol não tem relva sintética como a maioria das escolas secundárias coreanas: olhando para o chão, responde que foi decidido pelo Conselho de Administração há alguns anos que um campo de areia, por ser mais “natural” do que um campo relva sintética, teria uma melhor influência nos alunos, explicação que me parece ser desculpa para medidas de austeridade.
De qualquer maneira, a necessidade da escola encontrar alunos cujos pais estivessem dispostos a pagar as propinas levou o antecessor de Yu, Sun Shiyi a decidir em 2008 (quando o prestígio global da língua chinesa estava em ascensão), abrir a escola aos sul-coreanos e outros estrangeiros, que agora compõem cerca de vinte por cento do corpo estudantil.
Ainda assim, os problemas financeiros persistem, o que levou as instalações da escola a ficarem significativamente atrás dos concorrentes na mesma faixa de preço, como as escolas internacionais de estilo britânico ou americano.





O campo de futebol da escola




Muitas instalações na escola têm necessidade de renovação

A situação vulnerável da escola tornou a postura de neutralidade entre o governo comunista da República Popular da China e o governo democrático de Taiwan ainda mais necessária para a sua sobrevivência.
Desde 1992, Yu afirma que a escola seguiu “valores pluralistas, centrados na filosofia confuciana": a maioria dos professores são, como Yu, da República Popular e ninguém tem reservas sobre o uso de materiais escolares de Taiwan.
Quando representantes do governo taiwanês vêm em visita, Yu  recebe-os alegremente; quando a embaixada da República Popular da China convida a escola a participar no concerto de Ano Novo, Yu aceita sem hesitação.
A bandeira de Taiwan é erguida nos aniversários de Sun-Yat Sen e Chiang Kai-Shek, ao lado das suas estátuas, à frente do prédio principal da escola, mas nenhuma bandeira é içada quando o hino taiwanês é cantado todas as  segundas-feiras de manhã, depois da embaixada da República Popular da China ter tido uma “conversa amigável” com Yu.



 

Estátuas de Sun Yat Sen (acima)
e de Chiang Kai Shek (abaixo)
na entrada principal da escola
O declínio da escola parece estranho, dado os fluxos maciços de migração da China continental para a Coreia do Sul desde 1992. O número de imigrantes chineses, da China Continental, na Coreia do Sul aumentou 22,5 vezes entre 1990 e 2011. A KOSIS, o serviço de Informação Estatística da Coreia, revelou, no censo populacional mais recente dos residentes estrangeiros da Coreia do Sul, que 76% dos 245.000 imigrantes residindo em Seul são chineses, dos quais 71.4% são coreanos étnicos, ou chaosienzu (), 23.7% doutras etnias do Continente e 4,9% provenientes de Taiwan.

No entanto, uma análise mais detalhada dos imigrantes chineses em Seoul revela porque é que Yu continua a sentir dificuldades em aumentar o número de alunos matriculados. A maioria dos chaosienzu de Seul é composta por homens e mulheres solteiros que vêm para a cidade aproveitar-se dos salários relativamente altos oferecidos, para melhorar os padrões de vida das suas família no regresso à China. Quanto aos trabalhadores étnicos coreanos que adquirem vistos de residência permanente - como os proprietários de restaurantes de Daerim-dong - enviar os seus filhos para a escola coreana é a escolha lógica. A maioria dos jovens chineses da República Popular que decide morar na Coreia do Sul, chega a este país para estudos universitários, não do ensino secundário.

Preparar os alunos para competir com jovens coreanos, no exame ultra-competitivo de entrada universitária, conhecido como sunneung ( ), tem sido o principal desafio da escola, na última década.
No ano passado, o "Diplomat" escreveu sobre o número crescente de estudantes chineses que escolhem frequentar as universidades sul-coreanas, apesar das dificuldades que enfrentam no estudo da língua coreana.
Para superar este problema, a escola criou um programa, dez anos atrás, destinado a preparar estudantes chineses para o sunneung e o coreano de nível universitário.
Tanto Sun quanto Yu encorajaram os seus estudantes a considerar a possibilidade de se matricularem em universidades taiwanesas, devido ao seu processo de selecção ser menos competitivo, mas os pais temem que isso prejudique suas chances de encontrar emprego quando voltarem para a Coreia do Sul.

"Os estudantes e os seus pais estão tão preocupados em que não fiquem para trás, em comparação com os alunos coreanos, que estão sempre a pedir-nos para cancelar actividades relacionadas com a cultura chinesa, para terem mais aulas de preparação para o sunneung", afirma Yu, que tem persistentemente recusado acabar com aulas de caligrafia chinesa bi-semanais, bem como a viagem anual de "procura das raízes" na província chinesa de Shandong. Para Yu, a educação não pode centrar-se nos exames, especialmente, numa escola como a sua, que foi criada para ajudar os imigrantes chineses na Coreia do Sul a não esquecerem a sua cultura.

Cerca de 95% dos imigrantes chineses na Coreia do Sul, que não são etnicamente coreanos (chaosienzu), são de Shandong, incluindo Yu.
Quando a Coreia do Sul e a China se enfrentaram em Setembro do ano passado, devido à instalação na Coreia do Sul dos «THAAD», plataformas de defesa anti-mísseis com um radar poderoso, que Pequim temia fosse usada por Washington para espionar o espaço aéreo chinês, Yu sentiu-se deprimido; não por causa do conflito em si, mas porque as restrições de viagem subsequentes entre os dois países levaram ao cancelamento da viagem a Shandong.

Apesar da pressão académica, Yu está determinado a permanecer fiel às origens chinesas da escola. Num corredor, estão alinhadas fotografias emolduradas dos lugares mais belos da China; a fiel adesão da escola ao calendário chinês ao longo dos anos está documentada no corredor oposto. Uma outra parede exibe cerca de cinquenta peças de arte pintadas por estudantes; poemas da Dinastia Tang, como o icónico “Pensando numa Noite Tranquila” (夜思) de Li Bai (701-762), escrita elegantemente em chinês clássico, com aguarelas ilustrando as cenas descritas por um dos poetas mais famosos da história chinesa.

Yu acredita que no futuro haverá cada vez mais estudantes coreanos que, querendo estudar nas universidades chinesas, irão reforçar o corpo estudantil da escola.

“Eu quero que esta escola continue fazendo o que seus fundadores queriam: ajudar os imigrantes chineses em Seul a se integrarem. Mas isso não significa sacrificar o chinês pelo coreano. ”

No caminho, ele leva-me até à estátua de Confúcio, erguida ao pé do campo de futebol arenoso.


Estátua de Confúcio ao lado do campo de futebol da escola

“Isto”, aponta ele para a estátua imponente, “é a razão pela qual a nossa escola tem um significado, para além de servir os imigrantes chineses: O confucionismo é a raiz cultural dos dois países. Se um estudante coreano estudar aqui, ele não irá apenas aprender o chinês. Também perceberá mais sobre o seu próprio país, de uma forma que poucos têm a oportunidade de perceber. ”