sexta-feira, 17 de março de 2017

EXISTIRÁ UM NACIONALISMO DE ESQUERDA?


Muitas pessoas estão polarizadas numa fractura ideológica «esquerda-direita». No entanto, esta fractura é mais aparente do que real.
O facto da globalização capitalista hegemonizar a cultura de massas, permite que as referências de pessoas «de esquerda» e de «direita», neste momento, sejam essencialmente as mesmas.
Nomeadamente, isto permite que – com facilidade – as pessoas troquem de postura, pelo simples facto de que, tanto a sua postura prévia como a nova, são impulsionadas pelo desejo de consumir, pelo desejo de afirmação, pelo efeito que têm sobre elas determinadas figuras mediáticas «não políticas» (estrelas de cinema, modelos, actores, desportistas, apresentadores de televisão, etc…).

A ignorância política atingiu um extremo. A política, no sentido elevado, no seu aspecto fundamental de «gestão da coisa pública», está completamente arredada dos media, que apenas se especializaram em escândalos, em fazerem campanhas de imagem contra os que designam como «grandes demónios» (Putin e Trump…de momento). 
Neste quadro, é previsível que o meu inquirir frio e sereno sobre a noção de «nação» levante um certo número de vozes indignadas, sobretudo de pessoas que se apressam a fazer juízos depois de leituras enviesadas e apressadas das opiniões alheias. 
Mas, adiante….

Primeiro que tudo, devemos fixar, duma vez por todas, que o conceito de nação é sobretudo um conceito surgido no fragor da Revolução Francesa, com os mais radicais, na época, a apelarem ao povo em defesa da nação, identificada não apenas como território, como vista como o conjunto dos cidadãos em armas, imbuídos dos ideais revolucionários. 
Esta visão não é muito diferente da que a propaganda bolchevique se esmerou em transmitir, logo após o triunfo da revolução de 1917, para mobilizar vontades e combater os exércitos invasores de vários países europeus, coligados com os russos «brancos». De novo, o mesmo patriotismo ou nacionalismo foi invocado para mobilizar o povo soviético contra a invasão nazi. 
Idem em relação a Mao, durante a Longa Marcha e após a proclamação da RP da China: os «nacionalistas» eram invariavelmente descritos, não como autênticos nacionalistas, mas como lacaios do imperialismo.
Será necessário evocar as diversas guerras de guerrilha e de libertação nacional… Em que, tanto o braço político como o militar dos movimentos de libertação tinham como pressuposto básico um «nacionalismo revolucionário»? 
De facto, estes movimentos foram perdendo os seus atributos revolucionários, infelizmente, uma vez que tomaram conta do poder. Quanto ao «nacionalismo», nem sequer isso se pode considerar que permaneceu, após o seu triunfo. Com efeito, múltiplos foram aqueles que - uma vez no poder-  literalmente venderam os recursos do seu país à potência que mais vantagens lhes oferecia … a eles, não ao povo.
O fiasco estrondoso da «revolução bolivariana» na Venezuela, não nos deveria fazer esquecer que o regime instaurado por Hugo Chavez se apoia tanto numa versão autoritária de «socialismo», como num sentimento de nacionalismo difuso, presente  - não só na Venezuela - como em toda a América do Sul. Este nacionalismo popular exprime-se nas classes mais humildes e encontra-se muito associado com reivindicações sociais, naturalmente.

Classificar o nacionalismo como sendo de «direita» ou de «esquerda», não faz sentido.

Qualquer espécie animal é formada por populações e estas populações ocupam territórios distintos. Estes territórios são muito mais fluídos, em geral, no caso de animais não humanos. No início da humanidade seria assim, também. Não esqueçamos que os humanos foram nómadas, provavelmente assim viveram,  como Homo sapiens, durante duas centenas de milénios (idade provável da espécie humana moderna: aproximadamente 200 mil anos).

Evidentemente, o aparecimento de Estado veio consolidar determinadas fronteiras, sendo esse território considerado propriedade ou posse, directa ou indirecta, do monarca que dominava a região.
A transformação dos Estados, de monarquias em repúblicas, que aconteceu durante o século XIX e XX, principalmente, não conduziu a um atenuar desse nacionalismo, desse apego ao território… Pelo contrário, todos os poderes, fossem eles absolutistas, democráticos, liberais, socialistas ou fascistas… sempre apelaram para esse sentimento e sempre o exaltaram. 
Para todos eles foi considerado razão «nobre» para verter o seu sangue - isto é - o sangue dos súbditos, dos pobres, dos proletários… 
A carnificina da 1ª Guerra mundial e todas as que se seguiram são factos insofismáveis, que mostram como os poderes recorrem ao argumento da pátria e do nacionalismo, para justificar a guerra.

Um pensamento de esquerda realista e tendo em conta os factos da antropologia, deveria aceitar pacificamente que o ser humano é territorial. Mas há muitas maneiras de uma espécie ser territorial, como podemos ver, em múltiplos exemplos, no mundo animal.
A grande plasticidade das culturas humanas, que as distingue de todas as outras espécies animais, permite que as populações inventem modos de vida, uma nova organização social, nova cultura, de acordo com o ecossistema particular em que se encontram, mas sobretudo, de acordo com uma série de parâmetros sócio culturais, históricos.

A incapacidade de pensar a «nação», o território, faz com que o discurso sobre o mesmo seja completamente açambarcado pela extrema-direita. Esta, «tem as mãos livres» para inocular, numa boa parte das pessoas, despolitizadas ou desiludidas, a versão mais retrógrada do conceito de «pátria», de «nação», o qual tem um inegável apelo junto das pessoas, devido ao seu instinto territorial, profundamente ancorado na história biológica, evolutiva.

A esquerda inteligente deve recusar que uma esquerda estúpida continuamente lance anátemas sobre quaisquer pessoas que tentam debater sobre o que é a nação, a pátria, se existe ou não nacionalismo revolucionário e se sim o que é, afinal.
Esta esquerda estúpida (porém, maioritária nalguns meios) é o exemplo acabado de autoritarismo e cobardia … pois não se bate no plano das ideias com outras pessoas, fazendo efectivo uso da liberdade de opinião; antes quer, a todo custo, calar a voz dos que ela considera serem inimigos… nestes últimos tempos, o «politicamente correcto» revelou-se claramente como o que sempre foi implicitamente: a expressão de desespero de classes médias em perda de estatuto, que pensam recuperar esse estatuto arvorando-se em detentores da verdade, do saber, etc. Bastante triste, na verdade. Mas isto não tem que ver com uma outra esquerda, que sempre se colocou ao lado e no seio dos humildes, dos espoliados, dos oprimidos.

Negar a existência fundamental da nação, da pátria, não tem que ver com uma esquerda classista e, portanto, esta não deve ter complexos em desenvolver um pensamento, uma política e uma acção dirigidas ao território e à nacionalidade. 
Pelo contrário; esta esquerda classista tem ainda maior responsabilidade em fazer uma escolha clara e responsável, clarificando conceitos e derivando daí as escolhas. Ou seja, tem de fazer uma política própria, não se deve deixar arrastar por modismos.
  





quinta-feira, 16 de março de 2017

SESSÃO DE APRESENTAÇÃO DOS CADERNOS SELVAGENS (MARÇO)



Os CADERNOS SELVAGENS são uma publicação trimestral da FÁBRICA DE ALTERNATIVAS (ALGÉS). 

No Sábado 18 de Março, Dia Mundial da Poesia,  será apresentado e posto à venda o número da Primavera, deste veículo LIVRE de informação, expressão artística e reflexão. 

Após a sessão - que decorrerá das 18:30 às 20:00 - haverá um jantar* vegetariano. 

(*inscrição obrigatória em fabrica.de.alternativas@gmail.com, até 24h antes do evento).

FROBERGER «TOMBEAU...» POR SOPHIE YATES


                                   

Johann Jacob Froberger foi um compositor, organista e cravista, originário do sul da Alemanha (Stuttgard), muito famoso no seu tempo - século XVII - tendo exercido o seu talento na corte de Viena, assim como na da Duquesa Sibila de Wurtemberg, a qual guardou os manuscritos de seu músico após sua morte. 
Pode dizer-se que Froberger foi um músico cosmopolita, tendo visitado não apenas regiões de língua alemã, mas também Roma e Paris. 
Nesta cidade, Froberger relacionou-se com os grandes mestres do cravo da escola francesa, assim como dos alaúdistas. Nota-se que o estilo de Froberger influenciou músicos como Louis Couperin. 
A peça aqui seleccionada foi composta como uma reflexão filosófica sobre a transitoriedade da vida «memento mori». 
Compôs também um célebre «tombeau» em honra do alaudista  seu amigo Monsieur de Blanrocher, que morreu nos seus braços. 
Outros compositores franceses seus contemporâneos também compuseram «Tombeaux», em memória do mesmo músico.
A música de cravo de Froberger e de outros seus contemporâneos integra o estilo de execução comum no alaúde, o «style brisé». 
Pode dizer-se que as suas composições para cravo são um cume da música escrita para este instrumento. Ele obtém uma grande variedade expressiva graças às diversas figurações, idiossincrasias próprias do instrumento, nas suas composições. 
Nota-se na sua obra um gosto pronunciado pela música descritiva. Sabemos que a literatura das décadas seguintes para cravo, nomeadamente, está cheia de peças descritivas. 
Froberger, sendo um precursor do estilo cravístico dos finais do século XVII e primeira metade do XVIII,  é também um músico de primeira grandeza pela originalidade e perfeição das suas composições para cravo.


quarta-feira, 15 de março de 2017

ELEIÇÕES FRANCESAS: FICARÃO OS MUROS?

Depois das peripécias mais ou menos grotescas da candidatura de Fillon, acossado por uma parte da elite, que queria que ele cedesse o lugar ao candidato mais bem posicionado para perpetuar o sistema (Macron), criaram-se as condições para uma «tempestade perfeita», que irá colocar no poder Marine Le Pen. 

Digo isto, sem qualquer dúvida, pois, mesmo que ela não consiga derrotar o seu opositor na segunda volta das presidenciais, terá o regime completamente debaixo do seu polegar.
Com efeito, depois das presidenciais há as legislativas e as municipais. 
Não é normal que uma força política - neste caso, o FN - tenha um quarto ou um terço do eleitorado e depois, ao nível dos órgãos de representação, não se observem quaisquer representantes ou tenham assento numa proporção muito menor. 
Assim, o regime fica refém desta força política, pois Marine e o FN estarão sempre em condições de posar como excluídos, como vítimas, como discriminados. 
Podem portanto (continuar a) chantagear as restantes forças políticas, as quais se apressam a ceder às sucessivas chantagens, aplicando o programa do FN, mas em nome do «espírito da República».
É nesta fantochada que anda o regime francês, há pelo menos dez anos. Qualquer pessoa com bom senso hesitaria a designar isso como regime democrático. 
Com efeito, tem sido o hábil manobrismo de pessoas que partilham o poder há décadas e o seu absoluto desprezo pelos humildes que tem empurrado os destituídos, os «sem-voz», para os braços da extrema-direita. 
Os operários, os trabalhadores modestos, deixaram de se reconhecer nos tradicionais partidos operários, socialista e comunista. 
O mesmo fenómeno - com as necessárias adaptações - se verificou na eleição de Donald Trump. 
Uma fatia importante do eleitorado escolhe o candidato percebido como vindo de fora do sistema (que, de facto, não será), mais por raiva contra os senhores no poder, do que por adesão real ao programa e ideário desse candidato(a). 

A democracia em França foi sendo socavada em sucessivos momentos, após a vaga de fundo imediatamente a seguir à libertação, após a II Guerra Mundial. 
Nessa altura, tratava-se de a burguesia ceder, em quase tudo, a uma classe operária aguerrida e triunfante, para conservar o essencial. 
Agora, trata-se de salvaguardar os privilégios de uma nova feudalidade que se instalou no poder durante os longos anos da Vª República, através de um «delfim do regime» (Macron).


A alternativa, para a grande burguesia, será de recompor as alianças num quadro de retração nacionalista, xenófobo e intolerante, no caso de um triunfo imediato de Marine Le Pen obrigar a isso. 

Penso que a salvaguarda do status quo é o «plano A» da oligarquia e que a opção Le Pen será o «plano B». 
Mas, em qualquer dos casos, serão eles a gerir o resultado, será sempre a oligarquia a triunfar, não tenhamos dúvidas. 

Está quase completo o trabalho de esvaziar de conteúdo democrático a República, no «país dos direitos humanos»... ficarão os muros?
- Os muros ficarão, obviamente, para dar a ilusão de que a democracia continua... 

terça-feira, 14 de março de 2017

SESSÃO DE MOVIMENTO SOLUÇÕES PARA A PAZ (11-03-2017)

A sessão, organizada pelos activistas do Movimento «Soluções para a Paz» nas instalações da «Fábrica de Alternativas» de Algés, no Sábado 11 de Março, contou com a presença de um público pouco numeroso, mas interessado.

Os dados coligidos pelo nosso companheiro João Pestana, que apresentou os temas para discussão, mostram como as guerras têm sido uma constante, em vários pontos do globo, desde o fim da II Guerra Mundial, até hoje. O número de mortes, feridos e deslocados é difícil de avaliar, pois as estatísticas oficiais ou não existem ou ocultam essa realidade. Depois, passou em revista alguns dados sobre o comércio de armamento, ao nível mundial, utilizando dados do SPIRI, que indicam os maiores vendedores e compradores.

Abordou-se em seguida o papel da NATO e a carga que representa no orçamento de cada país, mesmo em tempo de «paz». Referiu-se a exigência de aumentar as despesas militares em todos os países desta aliança militar, para que cada um tenha nível de despesa igual ou superior a 2% do seu PIB.

Um documento do Estado-Maior das Forças Armadas portuguesas, mostra as missões que estas cumpriram no ano passado. Além de missões de utilidade pública, como seja transporte de feridos e vigilância das praias, o grosso das missões foi em diversos teatros de guerra, sob bandeira da NATO, na maioria dos casos, desempenhando um papel subordinado, pois os contingentes portugueses são em geral da ordem das dezenas ou menos, portanto subordinados a comandos de outras nacionalidades, dentro da estrutura dessas missões.

Comparando os dados relativos a 2015 e 2016 para o orçamento da Defesa em Portugal, chegou-se à conclusão que ele se manteve aproximadamente constante (1,2 – 1,3 % do PIB), embora haja discrepâncias de cerca de 300 milhões de euros entre o que foi gasto e o orçamentado, não se sabendo como foi preenchido o «buraco».
Parecendo pouco, menos dos 2% reclamados pelo secretário-geral da NATO, no entanto, é 5 vezes o montante para a cultura. Também é superior ao atribuído à investigação, ao ensino superior, etc.

Falou-se do «Dia de Defesa Nacional» e das penas extraordinariamente duras para quem falte sem justificação a essas encenações de propaganda das FAs, da guerra e de lavagem da imagem da NATO junto da juventude. Foi ainda referido que não existe nenhuma informação  realmente acessível aos jovens sobre a existência do estatuto de «objector de consciência».

Relativamente ainda à objeção de consciência, reconheceu-se uma generalizada confusão entre a prestação de serviço militar obrigatório e não obrigatório, mas havendo sempre a possibilidade do governo decidir reinstalar o serviço militar obrigatório. Outra ambiguidade é a de prestação «com armas», «sem tocar em armas» e «civil». Hoje em dia, muitos servem na estrutura militar, sem armamento pessoal, mas contribuem com sua prestação para a máquina de guerra.

Durante a discussão, falou-se muito do papel da NATO em manter certos regimes, falsamente instalada nesses países a pretexto de «terrorismo». 

Falou-se do caso do Afeganistão, entre outros, onde tem estado presente um pequeno contingente das forças portuguesas.

No Afeganistão, a cultura de papoila para ópio, principal negócio dos senhores da guerra, tinha sido quase extinta no regime dos Taliban. Quando a «coligação internacional» invadiu o Afeganistão no Outono de 2011, trouxe os senhores da guerra, que reinstauraram o cultivo da papoila. Hoje, 80% da heroína vendida nas ruas do mundo inteiro é proveniente do Afeganistão; era rara a heroína dessa proveniência, nos anos imediatamente anteriores à invasão do Afeganistão pela NATO e associados.
Segundo vários autores, o negócio de tráfico de ópio é controlado pela CIA, que pode livremente distribuir grandes quantidades a partir de bases militares da NATO, na Turquia, na Alemanha e no Kosovo. O dinheiro que obtém vai servir para operações «negras» ou ocultas, aquelas que oficialmente «não existem» e portanto não suscetíveis de inquirição ou controlo pelo Congresso dos EUA.

Pediu-se uma maior participação no nosso Movimento, sabendo que o grau de ausência de informação - sobretudo da juventude - torna a tarefa dos militaristas mais fácil, conjugada com muita desinformação por parte da media corporativa.

O discurso do poder é invariavelmente  de que a  presença de tropas portuguesas tem uma justificação «humanitária», ou de que os nossos soldados estão em tal ou tal país a «combater o terrorismo» (Afeganistão, Mali, República Centro Africana, etc…). Estas afirmações - repetidas vezes sem conta e nunca contestadas ou sequer problematizadas - criam um falso consenso (falso, porque baseado na ignorância) na cidadania.

Consideramos necessário e possível criar-se um observatório sobre o papel das forças armadas portuguesas em Portugal e no mundo, como forma de documentar, de debater e estudar as questões de estratégia, não de um ponto de vista meramente militar, mas também de cidadania.




[NO PAÍS DOS SONHOS] «Rodrigo Martinez» (Anon. circa 1490)


Estava semi-adormecido, à longa mesa corrida da taberna. 
Nisto, aparece uma barulhenta e alegre tropa fandanga, tangendo vários instrumentos, com roupas de fantasia. Esta tropa aclamava o Rei Momo, enquanto entoava a folia célebre «Rodrigo Martinez». 

Logo se dispuseram em roda, com duas figuras no centro. Estas dançavam com trejeitos cómicos e eróticos. Os passos eram duma «baixa dança», mas  as suas poses grotescas faziam rir a assistência, enquanto os músicos executavam variações sobre a simples melodia, introduzindo sucessivas figurações. 
No centro, o par (um homem e um travestido) mudava suas maneiras a cada nova quadra, adoptando sucessivas mímicas, cruas sátiras de aristocratas, poetas, cortezãs ...

Contagiado, fui para junto da roda, batendo o pé ritmicamente e cantando os estribilhos brejeiros. Só depois desta alegre folia, a tropa carnavalesca começou a beber. Nada do que se passou a seguir me ficou na memória, porque o espírito de Bacco se apossou de meu cérebro.

Acordei no dia seguinte, deitado no soalho da taberna, com dor de cabeça e língua pastosa, típicas da ressaca, mas bem disposto; regressei a casa. 

segunda-feira, 13 de março de 2017

[NO PAÍS DOS SONHOS] Lamento de Dido (H. Purcell)


Vogava num universo enfumado, onde se evaporavam os rostos dos companheiros da véspera, como se os fantasmas se confundissem com os vivos, dando a estes uma consistência fantasmagórica, enquanto aqueles se faziam passar por viventes.
Em cima de uma mesa comprida, apenas iluminada por um candelabro, jazia um corpo. Estava ainda revestido da aparência do que fora, uma jovem e alegre criatura. 
No escuro, ouviam-se murmúrios de preces, entrecortados de suspiros e silêncios. 
Lá fora, o sol de Junho resplandecia e as aves cantavam, em contraste insólito com a cena de desolação que se apresentava no interior.
O espectáculo deste palácio do renascimento parecia-me real. 
Sentia-me oprimido e só desejava sair, mas não sabia como. Foi um pequeno pagem que me indicou, com um gesto tímido, um cortinado, recobrindo uma porta. Avancei para lá, levantei o cortinado e abri a porta. 
Foi então que abri os olhos, vendo a realidade do meu quarto, banhado em luz natural. 
Suspirei e fiquei deitado, a tentar relembrar-me dos pormenores do que acabara de sonhar.