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domingo, 19 de novembro de 2023

EM ESPANHA ESTÃO A CRIAR AMBIENTE PARA A GUERRA CIVIL

   Foto: Rei de Espanha, Filipe VI e Pedro Sanchez, presidente do governo

As ondas que agitam a vizinha Espanha são quase ignoradas pelos portugueses. Mas, não deviam, pois o momento é realmente grave. 

Um coro de vozes indignadas, da direita, faz muito barulho, porque o presidente do PSOE, Pedro Sanchez, negociou com os independentistas catalães  o apoio à votação do novo governo socialista, em troca duma lei de amnistia. Esta, iria resolver a situação dos políticos catalães independentistas que em 2017, organizaram e executaram um referendo pela independência da Catalunha. O referendo foi declarado anticonstitucional e seus organizadores foram presos ou tiveram que se exilar. 

Eu não vou - aqui e agora- discutir  questão do independentismo, tal como se colocou em 2017. A questão de fundo é importante e grave, mas não estou suficientemente por dentro dos assuntos políticos de Espanha, para opinar de modo esclarecido. 

O que vou dizer aqui, é exprimir a minha estranheza por forças da direita considerarem que o indigitado presidente do governo estava a cometer uma falta grave, ao negociar apoio parlamentar junto dos deputados eleitos dos partidos independentistas catalães. 

Indigna-se a gente de direitas, por esse apoio ter implicado negociar uma lei de amnistia. Porém, em muitos países e em diversas circunstâncias, foram feitas leis de amnistia para os crimes políticos. Inclusive em Espanha, os independentistas da ETA, do País Basco, foram amnistiados. 

Os catalães perseguidos e condenados podem ter razão ou não, no que fizeram. Podem ter violado ou não, a constituição de Espanha. Mas, ainda assim, a sua ação foi realizada dentro dos limites da democracia representativa. Por outras palavras; não se tratou de um ato insurrecional.

Os que berram nas ruas contra o recém-empossado Presidente do governo espanhol, estão simplesmente a descarregar o seu rancor contra a esquerda, no que ela representa como posição mais tolerante, mais respeitosa do direito dos outros terem pontos de vista diferentes do nosso. 

Amnistiar, não significa dar razão às pessoas que tinham sido condenadas, nem opinar se a condenação foi justa ou injusta. Significa que, no interesse da sociedade, o facto dessas pessoas serem amnistiadas, é preferível a cumprirem a pena até ao fim. É um processo de sarar as feridas resultantes dos choques políticos que dilaceraram o tecido da sociedade. 

Para os direitistas que agitam «o papão» da ditadura, da perda da liberdade e do Estado de direito, o que seria «justo»? Seria que os implicados no processo sofressem o castigo mais severo? Seria só de prisão? Talvez mesmo, de pena de morte? Tudo isto, por se terem atrevido a desrespeitar a «sacrossanta» constituição espanhola. Lembro que a constituição atual foi negociada após a morte de Franco, entre governo, forças franquistas e os outros grupos e partidos, na chamada «transição*». 

Para mim e para as pessoas com formação ética, qualquer que seja sua posição partidária, o extremar de posições - neste caso concreto - é criminoso, pois vai reabrir feridas antigas mas nunca totalmente saradas, da trágica Guerra Civil Espanhola de 1936-39.

Alguém, doutra região de Espanha que não da Catalunha, deveria ver com bons olhos a amnistia e também um referendo. Este, deveria ser de tal modo, que não fosse considerado anticonstitucional. Porque, mais vale um divórcio sem demasiados dramas, do que uma guerra civil. Além do mais, a entidade geográfica Península Ibérica foi sempre um conjunto heterogéneo de povos, de culturas e de reinos. 

E, já agora, para lembrança dos portugueses, recordo que os Restauradores de 1640, que «traíram» o Rei (pois Filipe IV era Rei de Portugal, além de ser de Espanha), obtiveram sucesso nesta insurreição, porque havia uma revolução - em simultâneo - na Catalunha. A Restauração da independência de Portugal deve-se - em parte - aos independentistas catalães, que se revoltaram contra a coroa de Espanha e fracassaram. Os portugueses não tiveram que enfrentar logo os poderosos exércitos espanhóis, ocupados na repressão da revolta catalã; tiveram tempo para se organizar na defesa das fronteiras do território.

Mas, hoje em dia, é lamentável que demagogos de extrema-direita e ditos «de centro-direita»,  venham agitar suas hostes, criando um clima de alarme falso porque, na verdade, são eles que põem intenso dramatismo em torno dum processo que é - afinal de contas - banal: A negociação de apoio parlamentar para um governo minoritário.  A amnistia para os independentistas catalães é equiparada por eles, a "traição à pátria". 

Na verdade, eles querem criar uma situação de rutura ao nível institucional, político e sociológico. Eles querem uma grande agitação, um caos. O grande «argumento» deles é falso e nulo, quer em termos políticos, quer jurídicos. A agitação deles visa claramente o derrube do governo recém-nomeado. Pretendem assim reconquistar a maioria e retomar o poder. 

Pelo menos, é o que vejo à distância de umas poucas centenas de quilómetros. Em todo o caso, os meus amigos espanhóis é que têm de resolver o problema, sem se deixarem arrastar por demagogias, de uns e de outros.

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*Veja-se os «Pactos de Moncloa»


sexta-feira, 4 de maio de 2018

GLOBALISMO NÃO É AQUILO QUE AS PESSOAS PENSAM!

                   


A chamada nova ordem mundial é um projecto totalitário que se esconde por detrás de uma propaganda habilidosa. O truque dele se mascarar com uma capa de «progressismo» e doutros valores normalmente associados com a «esquerda», tem como efeito manter distraídos ou fazer baixar a guarda, aqueles mesmos que poderiam ser seus inimigos. 
A esquerda «liberal» está possuída desde há muito tempo de um «complexo de Estocolmo» (um complexo que leva as vítimas a desculpar e mesmo fazer causa comum com os seus raptores, ocorreu num assalto com tomada de reféns em Estocolmo, daí o nome). 
Brandon Smith é conotado com a direita patriótica, anti-globalista dos EUA. Não é pela sua conotação que devemos avaliar o que escreve no excelente artigo abaixo

«How The Globalism Con Game Leads To A 'New World Order'»

Os argumentos valem por si mesmos e pela adequação à realidade. 
O que deveria envergonhar a esquerda anti-autoritária é que nela esteja ausente este tipo de denúncia, nestes termos ou em termos semelhantes. Sobretudo, o que faz falta, a meu ver, é que ela tire as conclusões lógicas da observação da realidade e se retracte, faça uma auto-crítica ou no mínimo aprenda a comportar-se de modo diferente, mais coerente com seus princípios. 
Mas, esta esquerda anti-autoritária que eu  refiro é tragicamente pequena, muito fraccionada, incapaz de se assumir sem preconceitos ideológicos em relação a «esquerdas» totalitárias diversas, de que muitos deles provêem.

sexta-feira, 17 de março de 2017

EXISTIRÁ UM NACIONALISMO DE ESQUERDA?


Muitas pessoas estão polarizadas numa fractura ideológica «esquerda-direita». No entanto, esta fractura é mais aparente do que real.
O facto da globalização capitalista hegemonizar a cultura de massas, permite que as referências de pessoas «de esquerda» e de «direita», neste momento, sejam essencialmente as mesmas.
Nomeadamente, isto permite que – com facilidade – as pessoas troquem de postura, pelo simples facto de que, tanto a sua postura prévia como a nova, são impulsionadas pelo desejo de consumir, pelo desejo de afirmação, pelo efeito que têm sobre elas determinadas figuras mediáticas «não políticas» (estrelas de cinema, modelos, actores, desportistas, apresentadores de televisão, etc…).

A ignorância política atingiu um extremo. A política, no sentido elevado, no seu aspecto fundamental de «gestão da coisa pública», está completamente arredada dos media, que apenas se especializaram em escândalos, em fazerem campanhas de imagem contra os que designam como «grandes demónios» (Putin e Trump…de momento). 
Neste quadro, é previsível que o meu inquirir frio e sereno sobre a noção de «nação» levante um certo número de vozes indignadas, sobretudo de pessoas que se apressam a fazer juízos depois de leituras enviesadas e apressadas das opiniões alheias. 
Mas, adiante….

Primeiro que tudo, devemos fixar, duma vez por todas, que o conceito de nação é sobretudo um conceito surgido no fragor da Revolução Francesa, com os mais radicais, na época, a apelarem ao povo em defesa da nação, identificada não apenas como território, como vista como o conjunto dos cidadãos em armas, imbuídos dos ideais revolucionários. 
Esta visão não é muito diferente da que a propaganda bolchevique se esmerou em transmitir, logo após o triunfo da revolução de 1917, para mobilizar vontades e combater os exércitos invasores de vários países europeus, coligados com os russos «brancos». De novo, o mesmo patriotismo ou nacionalismo foi invocado para mobilizar o povo soviético contra a invasão nazi. 
Idem em relação a Mao, durante a Longa Marcha e após a proclamação da RP da China: os «nacionalistas» eram invariavelmente descritos, não como autênticos nacionalistas, mas como lacaios do imperialismo.
Será necessário evocar as diversas guerras de guerrilha e de libertação nacional… Em que, tanto o braço político como o militar dos movimentos de libertação tinham como pressuposto básico um «nacionalismo revolucionário»? 
De facto, estes movimentos foram perdendo os seus atributos revolucionários, infelizmente, uma vez que tomaram conta do poder. Quanto ao «nacionalismo», nem sequer isso se pode considerar que permaneceu, após o seu triunfo. Com efeito, múltiplos foram aqueles que - uma vez no poder-  literalmente venderam os recursos do seu país à potência que mais vantagens lhes oferecia … a eles, não ao povo.
O fiasco estrondoso da «revolução bolivariana» na Venezuela, não nos deveria fazer esquecer que o regime instaurado por Hugo Chavez se apoia tanto numa versão autoritária de «socialismo», como num sentimento de nacionalismo difuso, presente  - não só na Venezuela - como em toda a América do Sul. Este nacionalismo popular exprime-se nas classes mais humildes e encontra-se muito associado com reivindicações sociais, naturalmente.

Classificar o nacionalismo como sendo de «direita» ou de «esquerda», não faz sentido.

Qualquer espécie animal é formada por populações e estas populações ocupam territórios distintos. Estes territórios são muito mais fluídos, em geral, no caso de animais não humanos. No início da humanidade seria assim, também. Não esqueçamos que os humanos foram nómadas, provavelmente assim viveram,  como Homo sapiens, durante duas centenas de milénios (idade provável da espécie humana moderna: aproximadamente 200 mil anos).

Evidentemente, o aparecimento de Estado veio consolidar determinadas fronteiras, sendo esse território considerado propriedade ou posse, directa ou indirecta, do monarca que dominava a região.
A transformação dos Estados, de monarquias em repúblicas, que aconteceu durante o século XIX e XX, principalmente, não conduziu a um atenuar desse nacionalismo, desse apego ao território… Pelo contrário, todos os poderes, fossem eles absolutistas, democráticos, liberais, socialistas ou fascistas… sempre apelaram para esse sentimento e sempre o exaltaram. 
Para todos eles foi considerado razão «nobre» para verter o seu sangue - isto é - o sangue dos súbditos, dos pobres, dos proletários… 
A carnificina da 1ª Guerra mundial e todas as que se seguiram são factos insofismáveis, que mostram como os poderes recorrem ao argumento da pátria e do nacionalismo, para justificar a guerra.

Um pensamento de esquerda realista e tendo em conta os factos da antropologia, deveria aceitar pacificamente que o ser humano é territorial. Mas há muitas maneiras de uma espécie ser territorial, como podemos ver, em múltiplos exemplos, no mundo animal.
A grande plasticidade das culturas humanas, que as distingue de todas as outras espécies animais, permite que as populações inventem modos de vida, uma nova organização social, nova cultura, de acordo com o ecossistema particular em que se encontram, mas sobretudo, de acordo com uma série de parâmetros sócio culturais, históricos.

A incapacidade de pensar a «nação», o território, faz com que o discurso sobre o mesmo seja completamente açambarcado pela extrema-direita. Esta, «tem as mãos livres» para inocular, numa boa parte das pessoas, despolitizadas ou desiludidas, a versão mais retrógrada do conceito de «pátria», de «nação», o qual tem um inegável apelo junto das pessoas, devido ao seu instinto territorial, profundamente ancorado na história biológica, evolutiva.

A esquerda inteligente deve recusar que uma esquerda estúpida continuamente lance anátemas sobre quaisquer pessoas que tentam debater sobre o que é a nação, a pátria, se existe ou não nacionalismo revolucionário e se sim o que é, afinal.
Esta esquerda estúpida (porém, maioritária nalguns meios) é o exemplo acabado de autoritarismo e cobardia … pois não se bate no plano das ideias com outras pessoas, fazendo efectivo uso da liberdade de opinião; antes quer, a todo custo, calar a voz dos que ela considera serem inimigos… nestes últimos tempos, o «politicamente correcto» revelou-se claramente como o que sempre foi implicitamente: a expressão de desespero de classes médias em perda de estatuto, que pensam recuperar esse estatuto arvorando-se em detentores da verdade, do saber, etc. Bastante triste, na verdade. Mas isto não tem que ver com uma outra esquerda, que sempre se colocou ao lado e no seio dos humildes, dos espoliados, dos oprimidos.

Negar a existência fundamental da nação, da pátria, não tem que ver com uma esquerda classista e, portanto, esta não deve ter complexos em desenvolver um pensamento, uma política e uma acção dirigidas ao território e à nacionalidade. 
Pelo contrário; esta esquerda classista tem ainda maior responsabilidade em fazer uma escolha clara e responsável, clarificando conceitos e derivando daí as escolhas. Ou seja, tem de fazer uma política própria, não se deve deixar arrastar por modismos.