Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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domingo, 17 de março de 2019

A PROFUNDA TRANSFORMAÇÃO VINDA DAS ESTEPES HÁ 4500 ANOS




Há cinco mil anos, as estepes do Ponto - região que se estende do sul do Cáucaso até à Anatólia - eram  palco da primeira revolução nos transportes: com efeito, o carro puxado por parelhas de cavalos, tornava muito mais fácil a deslocação das populações, que viviam em regime nómada, criando gado nas planícies que se estendiam desde o que é hoje o Irão, até ao Danúbio, na Europa Central.
Como há alguns meses tinha relatado em vários artigos neste blog (ver aqui e aqui), a aplicação da técnica do ADN antigo aos restos fossilizados* permitiu retraçar as migrações de populações nómadas, como os Yamnaya. Estas tribos nómadas foram importantes, não apenas devido à domesticação do cavalo, como também por estarem na origem de quase todas as  numerosas línguas, desde o centro da Ásia e até à Europa ocidental. Nesta vastíssima extensão, os diversos povos falam línguas com raízes comuns, descendentes dessas culturas do Ponto, com algumas excepções: o vasto grupo linguístico indo-europeu




A teoria de que a substituição completa (1, 2) da população masculina dos territórios conquistados pelos povos das estepes, aquando da migração para o ocidente europeu, se deveu a um massacre em massa dos homens, sendo as mulheres autóctones tomadas à força, parece-me não reflectir os processos que terão ocorrido, nem se coaduna com aquilo que se sabe de ocorrências semelhantes de outras épocas. 

O facto dos idiótipos** do ADN do cromossoma Y, das épocas anteriores à grande migração, terem quase desaparecido na Península Ibérica, desde há 4500 anos em diante,  pode estar correlacionado com outros factores. 
Com efeito, acumulam-se evidências duma grande epidemia - tão devastadora como a peste negra, que assolou a Europa no final da Idade Média - ter ocorrido pouco antes, ou em simultâneo ao movimento migratório das populações nómadas do Leste. 
Não se sabendo, ao certo, qual a natureza exacta da estirpe responsável, sabe-se - no entanto - que esta causou uma quebra populacional nas populações da Europa central. 
Muito provavelmente, os povos do Leste foram ocupando os territórios cujas povoações entraram em colapso ou em decadência acentuada. 
Se este movimento se revestiu de aspectos de conquista militar ou não, é impossível, por enquanto, determinar. 
De qualquer maneira, quer tenha sido pacífica ou violenta nos momentos iniciais, uma tal conquista não pode ter sido genocida. 
Os romanos, os mouros e muitos outros povos conquistadores, antes e depois deles, permitiam que algo da cultura dos povos por eles dominados se exprimisse, assimilando até certos chefes e elites da mesma, tentando harmonizá-los no contexto da civilização dominante, conquistadora. 
Não vejo por que razão os homens das estepes euro-asiáticas tivessem agido de modo totalmente diferente. 
Mesmo no caso de uma conquista violenta, esta não podia causar a erradicação completa e deliberada da população masculina, pois isso significaria não haver  escravos em quantidade suficiente para cultivar as terras e servir os vencedores. 
A densidade demográfica europeia, de há cerca de 4500 anos, era muito baixa: havia extensas zonas da Europa de floresta densa e contínua, apenas com algum povoamento (povoações com dezenas, a poucas centenas de pessoas, não mais) ao longo dos grandes rios.

 As culturas anteriores às migrações dos povos indo-europeus não foram erradicadas, antes fundiram-se com as dos povos vindos do leste, num novo molde. 
Existem numerosas evidências arqueológicas desse fenómeno, como o surgimento de novas formas arquetípicas, por exemplo a cultura cujos vasos têm decoração  «cordiforme», ligeiramente posterior às vagas de migração vindas do Leste. 
Embora seja difícil a datação dos monumentos megalíticos, sabe-se que a civilização correspondente durou milénios, sobretudo na orla atlântica da Europa (desde a Irlanda, Escócia, Inglaterra até à Galiza e a Portugal, passando pela Bretanha). É seguro afirmar-se que a civilização megalítica se iniciou muito antes e continuou depois da grande migração dos povos das estepes.

A minha hipótese é de que a fusão dos elementos das várias culturas propiciou o aparecimento da «idade do bronze», ou seja, das primeiras cidades, dos primeiros Estados organizados e das rotas do comércio internacional.  

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* não apenas têm sido obtidos e sequenciados os ADN de fósseis humanos do paleolítico (alguns, com mais de 50 mil anos) como também do neolítico, do calcolítico, da idade do bronze e mais recentes.
** o ideótipo é o conjunto de marcadores de um cromossoma, neste caso, o cromossoma Y, que é apenas transmitido por via masculina.


1) https://www.dn.pt/vida-e-futuro/interior/homens-das-estepes-e-novos-misterios-a-peninsula-iberica-a-luz-da-genetica-10680408.html

2) https://observador.pt/2019/03/14/revista-science-divulga-estudo-com-colaboracao-portuguesa-sobre-o-passado-genetico-da-peninsula-iberica/


sábado, 20 de outubro de 2018

DO NEOLÍTICO À IDADE DO BRONZE (Parte I)

                                  

“I am especially interested by one issue: It is possible, maybe even likely, that an important fraction of the genetic medical variation that we find in our species arose in the last 10,000 years. Such variation/adaptation may be the result of the intense cultural development that led to agropastoral economies, a lifestyle that introduced major differences in the lives of large sections of humanity in almost every part of the world.”

Cavalli-Sforza (1922-2018)


Penso que não podia haver citação mais apropriada para encabeçar o tema em estudo, que a de Cavalli-Sforza, que morreu a 31 de Agosto deste ano.
Com efeito, ele liderou um projecto internacional em que se tentava fazer a «história dos povos sem história». Tendo, por um lado, marcadores genéticos (de amostras sanguíneas de populações contemporâneas)  e por outro, as famílias linguísticas a que pertencem esses mesmos povos; suas afinidades, quer genéticas, quer linguísticas, permitiam fazer uma gigantesca árvore da família humana. 
Era notória a sobreposição das árvores construídas apenas com dados de genética, com as que utilizavam os dados da linguística. 
O conhecimento das migrações, por outro lado, era a dimensão geográfica indispensável, quer para compreender as afinidades e diferenças genéticas, quer as de língua e cultura. 

O processo de isolar, purificar e sequenciar ADN antigo, desenvolvido pelo Prof. Svante Pääbo no laboratório de Antropologia Evolutiva do Instituto Max Planck de Leipzig, permitiu um avanço espectacular na paleo-antropologia e trouxe-nos uma maior compreensão dos mecanismos de humanação: 
- quais foram os processos genéticos, populacionais, evolutivos, que levaram as espécies ancestrais - homininos - a se transformarem na nossa espécie? 
Pelas estimativas mais recentes, a espécie Homo sapiens existe há cerca de 300 mil anos, enquanto as várias espécies da linhagem «Homo» surgiram há milhões de anos. 
A grande surpresa decorrente dos trabalhos de Pääbo e colaboradores, sobre ADN de Homo neanderthalensis é a de que parte significativa do seu ADN (1 a 3%) está presente  nas populações europeias e asiáticas contemporâneas. Isto significa claramente que, num passado remoto, houve cruzamento dos humanos «modernos» com os neandertais. 
Além de neandertais, existem provas de que houve cruzamento com outras espécies... O nosso ADN é, afinal de contas, um «puzzle» de ADN originário de várias espécies ancestrais.

No entanto, o desenvolvimento da tecnologia com ADN antigo não se ficou pelas formas mais ancestrais da nossa espécie, ou das espécies extintas aparentadas. A inovação técnica permitiu recuperar e purificar ADN fortemente danificado e contaminado e isso permitiu estudar genomas de muitos restos humanos  fósseis, contendo ADN em más condições de conservação, o que antes seria impossível. 
Assim, ADNs de ossos fossilizados de muitos e diversos povos, com 12 mil a  4 mil anos em relação ao presente, correspondentes ao neolítico (idade da pedra polida), ao calcolítico (idade do cobre) e à idade do bronze, foram sequenciados e fizeram-se estudos estatísticos da disseminação de variantes de genes e de «loci» particulares, os SNPs (Single Nucleotide Polimorphisms). 
As partes mais interessantes do genoma, para este género de estudos de genética, correspondem a dois tipos particulares de material genético: 
- O ADN mitocondrial, de transmissão materna exclusivamente: somente recebemos mitocôndrias, com seus genes próprios, das nossas mães; dos espermatozóides, apenas recebemos o ADN dos 23 cromossomas nucleares.
- O ADN do cromossoma Y, que apenas é transmitido de pai para filho. 
Isto tem a ver com a possibilidade de isolar tais moléculas, relativamente pequenas, por isso, menos danificadas, mesmo quando o ADN cromossómico restante está demasiado danificado. Por outro lado, este ADN permite traçar linhagens em intervalos de tempo longos. Com efeito, não existe, nem no ADN do cromossoma Y, nem mitocondrial, possibilidade de recombinação.

David Reich e sua equipa trouxeram dados muito interessantes nesta investigação: compararam o ADN ancestral proveniente de sítios arqueológicos da região do Cáucaso, onde se crê que foi originada a grande migração «indo-europeia», com amostras de diversas populações contemporâneas, por toda a Europa, Médio-Oriente, Pérsia e Índia.

A propósito das migrações destes povos nómadas, já se possuíam dados sobre disseminação linguística, assim como artefactos e técnicas (cultura material), indicando que uma nova cultura «invadiu» o espaço europeu, num espaço de tempo breve. 
Mas não se podia discriminar, com as técnicas tradicionais da arqueologia, se tinha havido apenas uma propagação cultural ou, em alternativa, migrações propriamente ditas. 

                   Bronze Age warriors


- Como é que surgiram e se disseminaram as práticas agrícolas, como viviam as primeiras comunidades agro-pastoris?
- Como se transformaram estas, de forma que tenham surgido as primeiras cidade-Estado, das primeiras civilizações propriamente ditas, com poder centralizado, com religião formalizada em templos, com castas, etc.? 

... Sobre a  «revolução neolítica», estas e muitas outras questões se podem colocar...