[Este artigo é a
continuação da Parte I - ver aqui]
É muito difícil, senão impossível para nós, que não somos arqueólogos (e até
para arqueólogos profissionais) colocar em contexto uma pré-história que se
estende desde mais de 15 mil anos, até cerca de 3000 anos do presente. Mas eu
tento aqui fazer a síntese pessoal das leituras que tenho feito, esperando que
outras pessoas aproveitem algo. O ideal seria que sejam também
estimuladas a descobrir e avaliar os dados, que vão sendo descobertos e
divulgados por antropólogos e arqueólogos.
É de assinalar uma diferença
notável entre o modo como se pensava que as grandes mudanças tiveram lugar e a
realidade que se vem descobrindo, graças ao uso em larga escala (que permite
uma abordagem estatística) do ADN antigo, assim como o seu confronto com o ADN
das populações contemporâneas:
- Com efeito, as mudanças
culturais, acreditava-se, ocorriam sobretudo de contactos, de trocas, da
adopção de novas técnicas: mas - na realidade - este modelo «continuista» das
transformações sociais, para as etapas mais longínquas da pré-história, ficou
posto em causa, se as interpretações dos resultados com ADN antigo são
correctas.
Por exemplo, os progressos
do modo de vida agro-pastoril, a chamada «revolução neolítica», foram muito
lentos: demorou milénios a propagar-se desde o Crescente Fértil, até aos vários
recantos da Europa ocidental e nórdica:
- os
natufianos, no que é hoje Israel, e outros de uma região que se
estende desde o presente Iraque à presente Turquia, foram os povos onde
emergiram as primeiras práticas agrícolas há cerca de 15 mil anos, com
domesticação/hibridação dos cereais a partir das gramíneas selvagens da
região. Porém, na Península Ibérica, este modo vida não pode ter
surgido muito além de 7500 anos atrás (dados
arqueológicos disponíveis).
O intervalo temporal que
separa o início das práticas agrícolas pelos natufianos e pelos primeiros
iberos, é afinal de contas, sensivelmente o mesmo (7500 anos) que medeia entre
esses mesmos iberos do Neolítico e nós próprios!
Parecia que esta difusão
ultra-lenta fosse devida a uma conversão progressiva dos povos
caçadores-recolectores, em povos agro-pastoris.
Porém, estudos
com ADN antigo parecem indicar que houve aparecimento de haplotipos
novos na Europa central, depois ocidental e por fim, na Ibéria. Na mesma época,
certos haplotipos das populações ancestrais de caçadores-recolectores quase
desapareceram. Isto significa que houve populações invasoras, que substituíram
- em grande parte - populações paleolíticas locais.
Os dados são consistentes com uma invasão seguida de miscigenação em que os indivíduos autóctones do sexo masculino - apenas - são excluídos da reprodução, como acontece quando há massacres e/ou escravização massiva dos dominados. Tal cenário seria a explicação mais plausível para o quase desaparecimento dos haplogrupos típicos das populações paleolíticas, anteriores à invasão. Em reforço desta hipótese, observa-se uma continuidade dos tipos mitocondriais ancestrais (transmitidos por via materna, exclusivamente), o que é coerente com a tal hipótese da invasão. Com efeito, os invasores casam com as mulheres da população autóctone.
Note-se que os haplotipos acima referidos são variantes ou «marcadores» dos cromossomas Y. Não conferem - em si mesmos - «vantagem» ou «desvantagem» aos seus portadores. Não se aplica, portanto, o modelo de «selecção natural» de certas variantes genéticas. Estas mudanças são afinal o vestígio, na herança genética, do que poderá ter sido uma limpeza étnica ou genocídio dos autóctones pelos invasores.
Além disso, constata-se que
o fenómeno de substituição de haplotipos está mais presente nas zonas da Europa
central, do que em regiões periféricas e de difícil conquista: Não apenas a
Ibéria, como muitas populações do Norte da Europa, incluindo as Ilhas
Britânicas.
Existem numerosas evidências de que estas populações continuaram durante milénios, em plena «era neolítica», o seu modo de vida de caçadores-recolectores, apesar de contactos e vizinhança com outras populações, agro-pastoris, que se tinham instalado próximo dos territórios dos primeiros.
Uma
densidade populacional fraca tornou possível a manutenção de modos de
vida radicalmente diferentes, a pouca distância. Os
caçadores-recolectores, desde que tivessem condições, não se deixavam
facilmente render ao novo modo de produção. Pode ter havido uma esporádica
troca de bens e até miscigenação numa pequena escala; porém, uns e outros
conservaram suas tradições e modos de vida respectivos.
Compreende-se hoje que o
modelo «continuista» da propagação do modo de produção agrícola e das inovações
culturais associadas, seja uma projecção, uma construção ideológica
inconsciente.
A propósito destas questões,
vale a pena ver e ouvir a conferência de Krause, abaixo:
Genomas de princípios do
neolítico
Natufianos
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