Manuel Banet, ele próprio
Reflexão pessoal, com ênfase na criação e crítica
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ATÉ QUE PONTO CONTROLAMOS AS NOSSAS MENTES? [DOCUMENTÁRIO]
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
O ELOGIO DA PREGUIÇA
Gostava de fazer o elogio da preguiça*, mas da verdadeira, da que não corresponde a uma fase de recuperação das forças, para depois continuar o trabalho, para se aguentar a rotina, para aí passar as melhores horas do dia a fazer aquilo que - interesse-nos, ou não - interessa sobretudo ao patrão.
O problema ultrapassa a questão da duração do trabalho. O movimento operário, historicamente, lutava por uma delimitação, uma redução da contribuição do trabalhador em horas de trabalho, sem redução do salário. Não vejo isso como eticamente errado, embora o «tempo de trabalho» seja uma aproximação em relação ao trabalho verdadeiro, sem aspas.
Os economistas ao serviço do patronto inventaram essa coisa infernal da «produtividade», uma falácia de todo o tamanho, pois o trabalhador não controla as condições concretas de sua produção de bens ou serviços. Estas condições dependem, em medida quase exclusiva, dos organizadores do trabalho, os gestores e empresários.
Mas, voltando ao assunto deste escrito, a questão de que os períodos de ócio correspondem a períodos de não-trabalho, é mais outra falácia, pois o trabalhador deve atender a «n» coisas fora do horário quotidiano de trabalho e mesmo fora dos meses de trabalho, durante as férias. Ele tem múltiplas tarefas, indispensáveis para o funcionamento do trabalhador e da sua família. O «ócio» não existe na vida das pessoas comuns, escravas para ganhar o sustento, seja pelo trabalho assalariado, ou outra forma (profissão liberal, trabalho informal, etc.).
As pessoas trabalham sobretudo para comprar o que precisam para viver. Alguns, conseguem pôr de lado para «pequenos extras», coisas (ou serviços) que não são realmente indispensáveis para refazer a sua capacidade de trabalho, para perpetuar condições mínimas de vida, para si e sua família.
Mas o tempo de ócio verdadeiro, é a parte da vida que pode ser utilizada para um «hobby», uma prática desportiva, ou artística, ou de convívio com amigos... ou nada, só para preguiçar.
A sociedade está doente de muitas maneiras; uma delas, é a percepção do tempo. Trabalhamos, para «ter tempo» e estarmos livres de obrigações; assim pensam as pessoas, em geral. Mas a equação está fundamentalmente falseada, pois o tempo, em si mesmo, não é coisa que se possa comprar, gastar ou consumir. Quanto ao trabalho humano, este sim, está sujeito à mercantilização para a grande maioria das pessoas.
É debatível se o tempo deva ser considerado uma grandeza física, tal como a força, a energia ou o espaço. No entanto, o tempo existe socialmente:
No sentido psicológico - Na forma subjetiva como sentimos a passagem do tempo, em função das ações que realizamos num dado intervalo de tempo.
Ou, no sentido económico - O tempo devotado a ganhar dinheiro, seja com trabalho assalariado ou noutra modalidade.
Mas o tempo não tem substância, não é uma coisa. Porém, é objetivado, medido, dividido, repartido, ganho ou perdido... Note-se que, afinal, todas estas expressões são metáforas.
Esta metaforização do tempo tornou-o «real» na vida e na consciência das pessoas, tanto em relação a si próprias, como às suas atividades. As pessoas não sabem funcionar doutro modo.
A "civilização do trabalho" controla o espaço e o tempo das pessoas; controla, no sentido de determinar o que as pessoas podem fazer, num determinado intervalo de tempo.
A sociedade e os indivíduos tendem a considerar o tempo e o espaço de uma forma análoga. O «meu tempo» é assumido como sendo a minha propriedade privada, tal como a casa própria é o meu espaço privado.
A forma de controlo mais eficaz, é a que não se faz notar. Assim, as pessoas costumam acreditar que «dispõem do seu tempo», tal como dispõem dos seus espaços privados.
O tempo livre verdadeiro, aquele em que o indivíduo não se dedica a algo por motivos utilitários, como no trabalho para obter dinheiro, ou no estudo para obter um diploma, etc., é a componente do ser humano que escapa ao controlo social. Só esta fração do «tempo livre», é realmente livre.
Alguém que preencha o chamado tempo livre fazendo algo útil, como cultivar a sua horta (por exemplo), está - na realidade - a reiterar sua inserção na engrenagem produtiva.
O tempo de preguiça verdadeira é um tempo de prazer, para o sujeito: Sem necessidade e sem rotina ou dever. Realmente, uma janela de liberdade.
Note-se que os ricos e poderosos, em todos os tempos da História, eram os que podiam dedicar-se ao ócio. Tinham pessoal que trabalhava nas suas propriedades, que geria sua fortuna, que executava as tarefas domésticas, etc.
Tanto no passado como no presente, os indivíduos realmente criativos são os que conseguem tirar partido dos seus ócios. Por isso, se diz que a preguiça é amiga das artes, da criação artística, ou literária.
No século XIX surgiram, em resultado das condições de escravização assalariada nas indústrias, movimentos para limitar o trabalho quotidiano; nomeadamente, as campanhas pelas 8 horas de trabalho. Segundo os sindicalistas da época, o trabalhador precisava de 8 horas para dormir, 8 horas para as tarefas do quotidiano (cozinhar, comer, fazer compras, deslocação nos transportes, etc), além das 8 horas de trabalho.
Hoje em dia, este conceito de jornada laboral está a ser posto em causa, com graves consequências na vida de milhões de indivíduos, nas sociedades ditas desenvolvidas.
A maioria dos oprimidos, sejam eles assalariados ou não, tem estado mais motivada pelas reivindicações laborais quantitativas (mais salário, maior cobertura social, maior cobertura nos gastos de saúde, etc.), do que com as reivindicações mais qualitativas, de algum modo relacionadas com o tempo. Exemplos destas últimas: o dispor inteiramente de si próprio fora do horário de trabalho, ter período(s) de férias, poder usufruir da licença parental, etc.
Somente com a transformação da sociedade, a robotização pode deixar de ser posta exclusivamente ao serviço do aumento de produtividade e do lucro. Quando os avanços da robótica servirem para auxiliar a libertação do trabalho, livrando as pessoas de trabalhos penosos, repetitivos, perigosos, causadores de doenças e sem criatividade.
Se tal não ocorrer, a escravização será ainda mais acentuada do que agora. Tem vindo a generalizar-se a prática de «levar consigo o trabalho para casa» literalmente, invadindo a esfera do lar. Assim, em pleno século XXI, muitos trabalhadores tornaram-se escravos a tempo inteiro, 24/24h.
A intensificação da exploração não é coisa do século XIX. O efeito social e na saúde dos trabalhadores tem sido terrível, embora isto seja ocultado pela media ao serviço do poder. O aumento vertiginoso, nestes últimos decénios, das neuroses e psicoses, está estreitamente correlacionada com a exploração acrescida a que os indivíduos estão sujeitos.
Não faço ideia durante quanto tempo vai continuar a escravidão reforçada, que se constata atualmente: A dos trabalhadores «flexíveis», ou seja, disponíveis para trabalhar a qualquer hora do dia, e em qualquer dia da semana, sem limites, sob o comando e ao capricho da entidade patronal. É uma forma de sobre-exploração patente em cada vez mais empresas e setores desta sociedade digitalizada e desregulada.
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* Expressão semelhante ao título do livro de Paul Lafargue, «Le droit à la paresse», mas o que escrevo é substancialmente diferente do conteúdo desta obra.