A IIIª Guerra Mundial tem sido, desde o início, guerra híbrida e assimétrica, com componentes económicas, de subversão, desestabilização e lavagens ao cérebro, além das operações propriamente militares. Este cenário era bem visível, desde a guerra na Síria para derrubar Assad, ou mesmo, antes disso.

terça-feira, 25 de abril de 2017

BANCOS CENTRAIS E CRISE TERMINAL DO CAPITAL



Tenho seguido regularmente a actualidade da economia e finança globais, no intuito de compreender melhor as forças que moldam o nosso mundo. 
Fiquei surpreendido, há alguns anos a esta parte, com a minha própria ignorância sobre estes assuntos, aliás partilhada com vasto conjunto de pessoas, não conscientes de que lhes faltava um elemento-chave para compreenderem o que se passava à sua volta.

Nos anos mais recentes, após o colapso de 2008, que levou o sistema capitalista mundial à beira da implosão, os bancos centrais dos diversos países do Ocidente têm-se esmerado em programas «não convencionais», supostamente para «salvar» a economia mundial e prevenir nova catástrofe. 

Porém, a realidade é completamente diferente: os programas ditos de «estímulo» à economia são apenas um inflacionar de bolhas, que dão a ilusão aos investidores e às pessoas em geral de que existe crescimento económico, de que há recuperação, quando, em boa verdade, apenas são aumentados os activos de toda a espécie, nas folhas de balanço dos referidos bancos centrais.

Antes de mais, é necessário esclarecer que os bancos centrais dos países ocidentais, contrariamente à crença das pessoas, não são instituições públicas detidas pelos respectivos Estados. 
Tanto no caso da Fed (Federal Reserve Bank), como do Bank of England, ou da BCE... são consórcios de grandes bancos, com participação de entidades públicas, mas onde o capital maioritário é privado e portanto a gestão, é largamente em função dos interesses privados dos bancos, não dos interesses nacionais das respectivas nações.

O mecanismo pelo qual criam moeda é também ignorado por um grande número de pessoas. Eles criam moeda a partir do nada. Não existe contrapartida à criação monetária, pelo que, se houver um excesso de moeda em circulação, poderá desencadear uma inflação, muito difícil de controlar, uma vez disperta. 

Poderíamos interrogar que sentido tem aquele objectivo de obter inflação da ordem dos 2% anuais? Este objectivo, largamente partilhado pelos bancos centrais ocidentais, parece absurdo, se pensarmos bem. Claro que, enquanto consumidores, não teremos qualquer vantagem em ver o poder de compra do nosso dinheiro diminuir em 2% ao ano. 
Mas essa política destina-se a «dar a ilusão» do  crescimento, que tarda em surgir espontaneamente, por um lado. Por outro, destina-se a aliviar a carga da dívida que pesa sobre grandes actores financeiros e os Estados, cada vez mais endividados. 
Os devedores terão de pagar - daqui a uns decénios - quantias que, nominalmente, correspondem ao capital em dívida, sem porém que isso corresponda a valor real, porque a moeda em que pagam nesse momento, entretanto se desvalorizou muitíssimo. 

Não há contemplações para os reformados, para os aforradores, para todos os que tiveram uma gestão responsável das suas economias domésticas: para estes, trata-se da «eutánasia do rentista» como dizia Keynes, só que os tais «rentistas» são pessoas modestas na sua imensa maioria, dependentes das pensões da segurança social para sobreviverem. 
Estas, estão baseadas em modelos predictivos, em que haveria um determinado crescimento permitindo uma média de rentabilidade de 6-7 % do capital acumulado. 
Além disso, conta com determinado nível de contribuições dos trabalhadores no activo para os cofres da Segurança Social. 

Como sabemos, tal modelo está completamente posto em causa, devido à diminuição da natalidade, ao aumento exponencial do desemprego e das formas precárias de relações laborais, que obrigam a um constante despêndio de subsídios de desemprego.

Os fundos de pensões, quer geridos pelos Estados, quer geridos em termos privados, estão calculados para gerar pensões mensais a partir de um certo número de anos de participação dos titulares baseados em taxas de juro médias da ordem de 6%. 
Ora, como estamos num ambiente em que as taxas de juro de obrigações e de depósitos a prazo são negativas, ou abaixo do valor estimado de inflação, vemos os referidos fundos a envolverem-se em operações arriscadas, pois têm de ir buscar rendimento aos activos especulativos, como sejam ações cotadas em bolsa, fundos mobiliários, etc... cuja rentabilidade depende de factores muito imprevisíveis, correndo o risco de não obterem rendimentos, mas antes perdas que os levam à falência. 
Isto explica as declarações de falência de fundos (privados, municipais ou mesmo estaduais) de pensões de funcionários nos  EUA, havendo tendência para se acentuar e alargar a muitos países ocidentais. 

Os bancos centrais geram um excesso de massa monetária ao comprarem activos diversos; obrigações soberanas, obrigações de empresas, acções... 
Os mercados deixam de funcionar enquanto mercados, no sentido de atribuirem valor aos activos em função da oferta e procura. O peso dos bancos centrais é tal que os valores dos juros de obrigações estatais de Portugal, país sobreendividado, são agora muito baixos, a um nível comparável aos países de economia muito mais forte. 

A economia real não cessa de se degradar como se constata com uma série de sintomas, como a diminuição do Baltic Dry Index, que quantifica o volume de fretes marítimos internacionais, o fecho de um enorme número de lojas de comércio de retalho nos EUA, ou a constante diminuição do poder de compra dos salários, nos países ditos «desenvolvidos». 

Muitos dados apontam para uma verdadeira depressão: os valores de PIB, revelando um crescimento anémico, no melhor dos casos, são corrigidos usando um índice de inflação manifestamente incorrecto. 
Se o crescimento nominal for de 2% e a inflação descontada for de 1%, o crescimento real será de 1%. Porém, a inflação real anual tem sido de 4-6%, pelo menos. Isto atira o crescimento real para valores negativos...

Os bancos centrais estão apostados em disfarçar o problema, não em solucionar seja o que for. Contam com os Estados, com o FMI e com outras instituições que monitorizam a economia mundial, para que se mantenha a ilusão duma economia em «recuperação», quando - na verdade - está em depressão desde 2008, sem nunca ter verdadeiramente retomado os níveis anteriores.

A compra desenfreada de activos pelos bancos centrais, vai fornecer aos grandes bancos uma massa monetária em quantidades abismais. Eles deixam de estar insolventes, mas não têm incentivo para emprestar às empresas e particulares, o que seria o processo - clássico, no capitalismo - para fazer arrancar a produção, pelo estímulo da procura, pelo maior poder de compra. 

Não há alargamento do crédito à economia real. As tais somas colossais fornecidas aos grandes bancos vão parar a contas detidas pelos bancos privados nos bancos centrais, como sendo «reservas em excesso», tendo um juro muito baixo, mas sem qualquer risco. 

Por este motivo, não existe uma inflação na economia real. Porém, na economia de casino, ou seja, na bolsa, existe inflação: os grandes actores, bancos, seguros, hedge funds, as grandes companhias, usando crédito praticamente gratuito, vindo dos bancos centrais, têm feito grandes compras de títulos bolsistas. 
Em particular, as grandes empresas têm adoptado programas de auto-compra de acções: estas aplicações não são benéficas para o desenvolvimento das empresas, não correspondem a um investimento produtivo; servem somente para manter os bónus dos gestores, visto que contribuem para que os accionistas recebam elevados dividendos.

Neste contexto, a implosão estrepitosa do sistema monetário e económico global não é uma questão de «se» acontecer...é apenas uma questão de «quando».

Quanto mais não fosse, os activos que incham as folhas dos balanços dos bancos centrais estão hipervalorizadas, muitos deles são tóxicos (ex. fundos hipotecários, papel sem nenhum valor) ou com um valor de mercado muito diferente daquele sob o qual estão contabilizados, nos cadernos de activos dos bancos centrais. Por exemplo, as obrigações soberanas portuguesas, não correspondem ao valor pelo qual o BCE as comprou, visto que, se acabar o programa de compra sistemática de activos (60 biliões de euros mensais) dos países do Euro em dificuldades, os valores das obrigações desses países caem a pique, elas só serão vendáveis com um enorme desconto.

Um dia, os bancos centrais tentarão aliviar a carga absurda de activos que detêm. Verificarão que não têm maneira, senão colocando estes activos à venda por alguns cêntimos por cada euro do valor de compra.

                              


[Figura 1: activos dos bancos centrais. No 1º trimestre deste ano já adquiriram 1 trilião de  dólares, em termos anualizados, cerca de 3,6 triliões de dólares] 

O próprio mecanismo que está no cerne do funcionamento da economia capitalista, nomeadamente a descoberta do «valor» dos activos através do mercado, está completamente posto em causa. 

A falsa atribuição de valor a uma série de activos tóxicos, ou hipervalorizados, a existência de entidades beneficiando de acesso a crédito praticamente gratuito, o não confronto das empresas com os mercados... tudo isso faz com que as bolhas sejam insufladas e se avolumem, em múltiplos sectores. 
A bolha das acções, das obrigações (um mercado dez vezes maior que o das acções), do imobiliário... tudo isso está a começar a esvaziar-se. Esta fase pode parecer suave, pela simples razão de que a média é omissa sobre grande parte da realidade, temerosa de que isso tenha efeitos negativos no negócio dos seus principais accionistas. 
Os apartamentos de luxo em várias cidades sofrem uma quebra de 50 %, isso não é trivial, porém ainda afecta directamente pouca gente. Os títulos das bolsas já estão em franca queda, mas isso não se reflecte ainda nos índices, devido ao modo como estes são construídos; umas quantas empresas - Microsoft, Apple, Google, etc. - compensam, com suas subidas, a descida generalizada. Ainda não tem um efeito de pânico. Fundos de pensões entraram em falência recentemente em Nova Iorque, no Texas, no Michigan e em Altanta, mas poucas pessoas fora dos EUA sabem disso, etc... 

Os bancos centrais têm feito tudo para adiar o rebentamento das bolhas que eles próprios desencadearam. O resultado desse adiamento, será fatalmente um agravamento dos seus efeitos. 

Existe o mito de que a economia de guerra pode solucionar estes problemas. 
Nada mais falso! A corrida armamentista, uma nova Guerra Fria, nunca fará senão adensar problemas; o armamento e despesas militares são essencialmente improdutivos, quando não destrutivos das economias. É sempre nefasto para a economia real, mesmo quando é apenas armazenado; no caso pior, quando é utilizado, serve para destruir vidas e capital - sob forma de edifícios, de estruturas, etc.  
Pelo contrário, os investimentos em infraestruturas como estradas, edifícios, portos, aeroportos, etc, são potencialmente multiplicadores do capital aplicado, pois ajudam a criar riqueza. 


domingo, 23 de abril de 2017

LE JOUR D'APRÈS - ELEIÇÕES FRANCESAS

                               


Como tenho chamado repetidas vezes a atenção, estas eleições são apenas a encenação conveniente para a continuação da ditadura disfarçada de democracia, a qual - aliás - não é exclusiva da França....

O sistema eleitoral está desenhado para focalizar a atenção dos cidadãos num personagem, mais do que num programa. É assim que se explica que Macron, que nunca fora candidato a coisa nenhuma, tivesse imediatamente uma obsessiva campanha mediática a seu favor.  
As forças do capital não se enganam em relação aos seus verdadeiros aliados. Elas apostam pesadamente, com muito dinheiro, com muito peso de propaganda mediática, naquele que dá as maiores garantias de continuidade do status quo. 

Quanto ao papel de Marine Le Pen e do Front National, é - apesar das aparências - totalmente indispensável ao dispositivo do grande capital. 
Com efeito, funciona como elemento repulsivo das «classes médias», em relação a assuntos que seriam muito perigosos de abordar para a  ditadura corporativa: a crise da UE, do Euro, do papel subordinado da potência (nuclear) francesa face à potência americana dentro da NATO, etc. 
Mesmo que candidatos de esquerda radical abordem esses assuntos sob um prisma totalmente diferente de Marine Le Pen, são automaticamente etiquetados como «filo-fascistas» por uma media prostituta dos grandes interesses. 

É preciso saber qual é a estrutura de propriedade dos grandes media, hoje em dia, em França, para compreender que não existe real liberdade de informar e de ser informado: praticamente, todos os grandes jornais pertencem a grandes grupos, os quais também controlam canais de televisões, radios, editoras, agências de publicidade, num regime de oligopólio. A grande diversidade aparente de títulos e canais apenas reproduz uma e mesma visão das coisas, da economia, da sociedade, do mundo político, etc.

A ditadura ou totalitarismo do século XXI é um dispositivo que não utiliza muito frequentemente a violência física, ou se a utiliza, o faz em terras longíquas e de modo que esta seja vista como «proteção» dos valores dos direitos humanos e não como arbitrárias intervenções bélicas (lembram-se da ex-Jugoslávia, da Líbia, da Síria...?). 
Criminaliza a dissidência, infiltrando elementos violentos em manifestações pacíficas, para dar pretexto à intervenção das «forças da ordem». 
Induz elementos radicadizados por um Islão fundamentalista a passarem à ação, retirando a vigilância policial a que estavam sujeitos, depois de regressarem da jihad em terras sírias (este foi o cenário que proporcionou o ataque ao Charlie Hebdo, repetindo-se noutras ocasiões). 

O Estado precisa do terror: cria as condições em que existe efectivamente uma causa - a agressão militar das potências ocidentais contra as populações civis do Médio Oriente - «legitimando» os actos de terrorismo. Impulsiona esse mesmo terrorismo através de agentes provocadores em círculos de fundamentalistas diversos. Vários são os testemunhos de «whistleblowers», um dos quais (ex-operacional da CIA) afirmou recentemente que os ataques terroristas são 100% fabricados, são «ataques de falsa bandeira».

A quebra do ciclo da ditadura terrorista do capital não será obtida pelo meio de eleições. Como sabemos, se «as eleições fossem capazes de mudar a sério a vida, há muito que estariam proíbidas».
As eleições - pelo contrário - são um dispositivo que mantém as populações na ilusão de que vivem em «democracia», não havendo portanto que se rebelarem contra leis liberticidas, contra as espoliações dos seus direitos cívicos e sociais, contra a negação de direitos humanos fundamentais, como o de efectivamente viver do seu trabalho, etc. 

Os oprimidos não têm nada a ganhar em entrarem no jogo dos opressores: é como um casino em que os croupiers podem influenciar os resultados - em qualquer momento - de forma a que estes sejam os mais favoráveis aos interesses dos patrões ...

Os partidos que colaboram na farsa eleitoral são poeira para os olhos dos oprimidos. São parte da manipulação orquestrada pelos opressores, pois estes são «legitimados» pela presença no terreno eleitoral de partidos e candidatos supostamente ou nominalmente anti-capitalistas.

O terreno favorável aos oprimidos é apenas o da luta social; aí, realmente, pesa o número e a união das pessoas, independentemente de suas particularidades ideológicas, étnicas, culturais etc, apenas atendendo à sua situação em termos de classe. 
Os oprimidos só se poderão libertar, se estiverem capazes de se auto-organizar em redes horizontais, reivindicando os seus direitos, fazendo pressão permanente para os arrancarem aos que comandam o Estado e o capital. 



sexta-feira, 21 de abril de 2017

CIÊNCIA, RELIGIÃO, ESPIRITUALIDADE, ÉTICA

                                 



Este cientista tem uma abordagem de bom senso, mas de um bom senso que não vai tão longe como isso. Quando fala da impossibilidade de se solucionar o «porquê», mas apenas o «como» dos fenómenos, através da ciência, está a ser correcto.
Porém, a existência de um espírito cósmico é vista com relutância por uma série de pessoas imbuídas de cientismo, talvez mais do que de ciência propriamente dita. O facto é que o célebre teorema de Goedel implica que não possamos abarcar nunca o todo para o submeter à lei de um sub-conjunto, seja ele qual for.
A ciência é um instrumento precioso, mas não é uma chave de sabedoria.
A sabedoria tem como fundamento o «coração», a ciência tem como fundamento a «razão». Quando a razão se junta com desejo de poder, transforma-se numa mistura muito perigosa e instável, dando origem às derivas mais obscuras da história humana.
Só enunciarei algumas delas (cada uma necessitaria de uma longa explanação):

- J. Robert Openheimer, um dos pais da bomba A, suicidou-se cheio de remorsos pelo monstro que ajudou a criar. Com efeito, muitos cientistas envolvidos em torno do Manhattan project consideravam como um dever patriótico desenvolver essa bomba, até porque havia indicações da espionagem (erradas ou sobrevalorizadas como depois se verificou) de avanços significativos dos cientistas alemães nazis neste domínio, de controlarem o átomo para fabricarem a bomba atómica.

- O darwinismo foi distorcido e transformado em «argumento» para justificar duas teorias monstruosas, o racismo e arianismo dos nazis, o lyssenkismo na URSS do tempo de Estaline.

- A eugenia é uma teoria racista que foi originada por Galton (sobrinho de Darwin) e que tem feito muito mal, inspirado muitos programas nefastos, desde esterilizações em massa de vários povos, até à promoção das guerras em que uma parte da humanidade contemporânea está mergulhada.

Poderia continuar com uma infindade de factos, por todos os investigadores consensualmente aceites, nomeadamente com a utilização de saberes das ciências e técnicas, para cometer depredações ou crimes ecológicos extremamente graves para o presente e futuro da humanidade...

O meu argumento é de que a ciência é um instrumento, podendo ser empregue para o bem ou para o mal, consoante as mãos nas quais esteja.
Isto sempre foi compreendido pelos cientistas, eles próprios. Por exemplo, Leonardo da Vinci escrevia os seus textos, suas notas para estricto uso pessoal, numa escrita indecifrável (excepto para ele). Era afinal a imagem em espelho da escrita vulgar, que ele treinou, provavelmente desde muito jovem, como «canhoto» que era. Os célebres manuscritos de Da Vinci só foram reconhecidos plenamente no seu enorme significado científico e filosófico, muito recentemente, em pleno século XX!

A não conflitualidade da pesquisa científica e dos seus conceitos e teorias com a religião foi reconhecida pelo papa João Paulo II. Ele, evidentemente, procedeu ao «aggiornamento» indispensável para manter a influência do catolicismo na intelectualidade esclarecida da sua/nossa época.
Do lado do ateísmo, Michel Onfray por exemplo, afirma sem qualquer problema que - apesar de ateu - ele (e muitos outros) é culturamente cristão, o que é uma evidência, não apenas pela educação, mas também pelo facto de que praticamente todas as teorias sociais e políticas contemporâneas (republicanismo, democratismo, socialismo, comunismo, anarquismo...) serem afinal laicizações do cristianismo. Esta constatação, que poderá surpreender alguns, teria de ser desenvolvida por si só num artigo ou numa série de artigos...

Mas o mais interessante, no meu ponto de vista, é que se afastem falsos argumentos:

- Uns, imbuídos do prestígio «mágico» do cientismo, usam abusivamente o nome de «ciência».

Já ouviram, com certeza, pessoas a falar do que em geral NÃO SABEM: costumam dizer, doutoralmente: «a ciência prova que...» ora a ciência nunca provou, nem prova nada, como dizia Bateson*; as ciências físicas e naturais não são como a matemática em que, aí sim, existe prova, ainda que esteja subordinada a um conjunto de axiomas (ex.: a geometria mais corrente é euclidiana; porém não tem cabimento num contexto riemanniano).

- Outros, temerosos da ciência, combatem-na em nome duma «fé», não compreendendo que a sua fé só pode ganhar com um aprofundamento do conhecimento do Universo, ou seja, de Deus.

Segundo uma visão muito consensual em várias religiões, não se pode ter uma compreensão total, nunca, do que está para além da compreensão racional, seja qual for o estado da ciência ou do desenvolvimento tecnológico humano. Porém, se essa «fé» é temerosa da ciência enquanto método de conhecimento do real, é apenas um medo, uma ignorância. Talvez essas pessoas precisem de ter mais fé, para que ela não seja abalada pelo tipo de estudo realizado no âmbito da pesquisa científica.

Isto não significa que não se coloquem limites éticos à pesquisa científica. A procura da verdade, em si mesma, não deve ser vista como um absoluto. Praticamente todos os cientistas e filósofos, quer sejam ateus, ou possuíndo alguma forma de espiritualidade, entendem que devem existir limites éticos a essa pesquisa científica, podem é não estar de acordo no traçado das fronteiras.

--------------
Science sometimes improves hypothesis and sometimes disproves them. But proof would be another matter and perhaps never occurs except in the realms of totally abstract tautology. We can sometimes say that if such and such abstract suppositions or postulates are given, then such and such abstract suppositions or postulates are given, then such and such must follow absolutely. But the truth about what can be perceived or arrived at by induction from perception is something else again.
  • p. 27


quarta-feira, 19 de abril de 2017

WILLIAM ENGDAHL - «OS DEUSES DO DINHEIRO»

Estou impressionado com a concisão, clareza e verdade deste autor. Tinha lido vários artigos dele, na imprensa alternativa. Porém, nunca tinha tido acesso a este vídeo.



Embora a conferência aqui reproduzida seja de 2013, não deixa de ser muito actual, pois as forças em jogo são essencialmente as mesmas. Além disso, o que ele explica é fundamental para compreendermos o presente, os jogos dos poderosos. 

Engdahl termina com uma nota pessoal, demonstrando que a força do amor  ultrapassa todos os esquemas dos poderosos; ele é bem a prova disso. 

[Vejam esta actualização a conferência a 11 Setembro de 2016 e sobre o seu livro THE LOST HEGEMON

terça-feira, 18 de abril de 2017

Lamento d'Arianna - MONTEVERDI



                                     
                                           

Consta que esta ária foi composta sob o efeito do profundo desespero de Monteverdi pela morte da sua esposa. 
Quer isso seja verdade ou lenda, esta melodia impressionou até às lágrimas os que ouviram o «Lamento de Arianna», da ópera Orfeo, em Mântua, quando esta foi criada, em 1608. 

O estilo consistindo em traduzir os movimentos da alma pelo recitativo expressivo, o mais próximo da fala humana, recebeu o título de «stilo nuovo» (final do séc. XVI- início do séc. XVII). É uma característica distintiva do barroco nascente. É também particularmente adequado à Ópera, o novo género musical e teatral que, a partir dessa época, passou a ter a relevância que se sabe. 

segunda-feira, 17 de abril de 2017

O QUE OCULTA O TEATRO ELEITORAL?


O sistema eleitoral instituído nas chamadas democracias, implica não apenas um voto universal, ou seja, qualquer cidadão/cidadã pode ser eleitor, como também que os candidatos uma vez eleitos tenham apenas de prestar contas aos seus verdadeiros «empregadores». E quem são eles? 
Basicamente são os financiadores das campanhas, entidades que têm obviamente algo a ganhar com a eleição de tal ou tal candidato, não admitindo portanto que este se desvie do verdadeiro programa – aquelas garantias com base nas quais recebeu montões de dinheiro para pagar a sua campanha eleitoral, como monstruosa campanha publicitária. 
É assim que as eleições se transformam em meros despiques para ver que candidato tem a melhor equipa de publicitários por detrás, em geral a mais bem paga… 

As pessoas que votam têm, em geral, uma visão completamente diferente deste cenário. Pensam que são participantes do processo de tomada de decisão no seu país, contribuindo com o seu voto para a escolha dos políticos que irão representá-los. 
Esta ideia totalmente ingénua é matraqueada – vezes sem conta – a todos os níveis, mas ainda assim, as pessoas precisam de algo mais, isto não chega. Então, para as «incentivar» é preciso o medo. 
O medo é que faz votar. Porque as pessoas votam sobretudo «contra». O medo do candidato do outro partido, odiado e temido, esse é o factor decisivo pelo qual uma fracção muito importante do eleitorado se mobiliza para ir votar.

Depois, evidentemente, a realidade impõe-se, após o carnaval eleitoral, seja nos países ricos e poderosos, seja nas «repúblicas bananeiras», não importa. 
Em ambos os casos, a oligarquia ao comando assegura-se que os recém-eleitos vão fazer aquilo para que realmente foram pagos. 
Não o seu programa eleitoral, evidentemente, mas somente o programa de manutenção do «status quo», polvilhado - aqui e acolá - de uma pequena medida inócua, de uma pequena variante sem importância, mas que a media – a prostituta de serviço – irá hipertrofiar, como sendo um sinal de que o governo realmente mudou, de que as coisas agora são diferentes!

Este sistema funciona de maneira mais ou menos eficaz, repetindo-se o ciclo ao longo dos anos, em várias «democracias». 
Mas este sistema deveria ser rejeitado, na medida em que quase todos os eleitores ficam frustrados, mesmo aqueles que votaram nos candidatos maioritários e que vêm o «seu» partido ou candidato subir ao poder, pois - aos poucos - vão percebendo que as suas esperanças eram infundadas e que os novos rostos apenas trouxeram mais do mesmo.

Então, como é que ele subsiste e, mesmo, prospera? 
Trata-se de um paradoxo, tanto mais que as pessoas comuns têm uma visão já não tão ingénua do sistema, todas sabem que há uma enorme dose de representação (teatral) no palco da política?

Aqui entram dois factores de psicologia das massas que interessa analisar.

1-    O factor desresponsabilização: a maneira como o eleitor anonimamente coloca o voto na urna, faz com que esteja completamente «impune», seja qual for o resultado, sejam quais forem as consequências do seu acto. A impunidade significa que poucas pessoas proclamam aos quatro ventos em quem votaram (e, mesmo neste número, até pode acontecer que algumas não sejam sinceras). Portanto, a grande maioria das pessoas sente-se psicologicamente «irresponsável», sempre que participou activamente na subida ao poder de um dado candidato, de uma dada facção, de um dado partido e esta escolha se revela como desastrosa.  Muitas pessoas «consolam-se» prometendo a si próprias votar noutro candidato, noutro partido, aquando das eleições seguintes.

O mecanismo de retirada da responsabilidade é completamente previsto e acarinhado pelo sistema em vigor. Não é um acaso, não é uma «falha» do sistema. É condição essencial. Logicamente as pessoas – ao votarem dentro deste contexto – nunca são praticamente tornadas responsáveis ou coniventes pelos crimes, grandes ou pequenos, daqueles que eles ajudaram a colocar no poder. Quando nos dizem que as nossas «democracias» são promotoras da responsabilidade e do sentido cívico dos cidadãos, não podiam dizer mentira mais descarada!

2-    O constrangimento do grupo. Dentro de um determinado grupo, é muito difícil de se ter uma visão diferente, uma forma diferente de se estar, de se comportar e de se ser aceite. A maior parte dos grupos humanos, sejam eles «naturais», como a família, sejam eles colegas de profissão, amigos, etc… não aceitam muito bem alguém que contradiz aspectos essenciais da sua coesão. A ideologia é um deles, não dos menos fortes. Por isso, os que não se conformam com a norma imperante dentro de determinado grupo serão relegados para as margens, tolerados no limite. Para muitas pessoas, o medo de serem expulsas e serem consideradas traidoras, de serem ostracizadas… causa um medo maior do que a aceitação de toda a irracionalidade inerente às escolhas do grupo.

Então, muitas pessoas, apenas manifestarão da forma mais ténue os seus pensamentos de dissidência, ou mesmo não irão sequer exprimir essa divergência com a norma dominante dentro do seu grupo.
Por outro lado, as pessoas sentem-se «fortes» quando estão no seio de uma multidão que clama pelo mesmo que elas, seja num comício partidário, seja num jogo desportivo… ou, como antigamente, nas batalhas - precedidas por cânticos e gritos guerreiros ritualizados.

São, portanto, estes dois factores que têm a ver com a manutenção das pessoas num estado de infantilismo, por um lado, e de medo de exclusão, pelo outro, os factores decisivos na manutenção do mito de serem os presentes sistemas de governo considerados como democracias.
Portanto, as pessoas teriam de ser capazes de individual e colectivamente perderem o medo: o medo de serem apontadas a dedo, o medo de serem excluídos da «tribo». Assim, haveria hipótese de se comportarem como adultas e responsáveis, pelos seus actos, incluindo a escolha de seus mandatários ou representantes.

Penso, contrariamente às teorias pessimistas e antidemocráticas, que há lugar para uma verdadeira pedagogia cívica. Um grande objectivo de tal pedagogia seria as pessoas assumirem os seus actos, não terem medo. Deve-se aceitar que somos todos falíveis, que - muitas vezes - cometemos erros com as melhores das intenções, além de que por vezes, somos impulsionados por forças psicológicas nada reluzentes, como a inveja, a vingança, o desejo de poder…

Mas uma pedagogia partindo do princípio da realidade «tal como ela é», não se conforma com esta, não se «adapta» a ela, mas está apostada em transformá-la.

Como? Através da modificação das condições em que as pessoas evoluem, desde os anos mais precoces, passando pela escolaridade, pela actividade profissional, etc. Se as condições forem favoráveis, as pessoas tomam uma postura mais aberta e mais amadurecida, pois elas ficarão mais felizes (alguns dirão que produzirão mais «hormonas do prazer») se estimadas por aquilo que são e pela sua contribuição livre e voluntária à comunidade, com toda a reciprocidade e estímulo que isso implicará.

A democracia directa é possível e já é realizada em pequena escala, de forma mais ou menos formalizada, em pequenos ou médios agrupamentos humanos. A transformação dessa forma de democracia à escala de conjuntos maiores, de muitos milhares de cidadãos ou mesmo de um país inteiro, será possível, não será uma utopia pois o engenho das pessoas, da espécie humana, permitiu muitas formas diferentes de organização social e política no passado e, no presente, existem muitas diferenças entre os povos, no que toca aos seus regimes políticos. Portanto, o argumento de que, intrinsecamente, pela natureza da espécie humana, seria impossível uma democracia directa, participada, em larga escala, é falho de lógica, de fundamento e parece-me ser um argumento para encobrir uma atitude conformista.

Afinal, o teatro eleitoral, esse sim, impede a democracia verdadeira de se manifestar, pois oculta e confunde os cidadãos sobre o que seria uma verdadeira democracia ou seja, a tomada colectiva de decisões, a deliberação livre depois de discussão livre e bem informada sobre quaisquer assuntos que digam respeito às mesmas pessoas que deliberam.