O sistema eleitoral
instituído nas chamadas democracias, implica não apenas um voto universal, ou
seja, qualquer cidadão/cidadã pode ser eleitor, como também que os candidatos
uma vez eleitos tenham apenas de prestar contas aos seus verdadeiros «empregadores».
E quem são eles?
Basicamente são os financiadores das campanhas, entidades que
têm obviamente algo a ganhar com a eleição de tal ou tal candidato, não
admitindo portanto que este se desvie do verdadeiro programa – aquelas
garantias com base nas quais recebeu montões de dinheiro para pagar a sua
campanha eleitoral, como monstruosa campanha publicitária.
É assim que as
eleições se transformam em meros despiques para ver que candidato tem a melhor
equipa de publicitários por detrás, em geral a mais bem paga…
As pessoas que
votam têm, em geral, uma visão completamente diferente deste cenário. Pensam
que são participantes do processo de tomada de decisão no seu país, contribuindo
com o seu voto para a escolha dos políticos que irão representá-los.
Esta ideia
totalmente ingénua é matraqueada – vezes sem conta – a todos os níveis, mas
ainda assim, as pessoas precisam de algo mais, isto não chega. Então, para as
«incentivar» é preciso o medo.
O medo é que faz votar. Porque as pessoas votam
sobretudo «contra». O medo do candidato do outro partido, odiado e temido, esse
é o factor decisivo pelo qual uma fracção muito importante do eleitorado se
mobiliza para ir votar.
Depois, evidentemente,
a realidade impõe-se, após o carnaval eleitoral, seja nos países ricos e
poderosos, seja nas «repúblicas bananeiras», não importa.
Em ambos os casos, a
oligarquia ao comando assegura-se que os recém-eleitos vão fazer aquilo para
que realmente foram pagos.
Não o seu programa eleitoral, evidentemente, mas
somente o programa de manutenção do «status quo», polvilhado - aqui e acolá -
de uma pequena medida inócua, de uma pequena variante sem importância, mas que
a media – a prostituta de serviço – irá hipertrofiar, como sendo um sinal de
que o governo realmente mudou, de que as coisas agora são diferentes!
Este sistema funciona
de maneira mais ou menos eficaz, repetindo-se o ciclo ao longo dos anos, em
várias «democracias».
Mas este sistema deveria ser rejeitado, na medida em que quase
todos os eleitores ficam frustrados, mesmo aqueles que votaram nos candidatos
maioritários e que vêm o «seu» partido ou candidato subir ao poder, pois - aos
poucos - vão percebendo que as suas esperanças eram infundadas e que os novos
rostos apenas trouxeram mais do mesmo.
Então, como é que ele
subsiste e, mesmo, prospera?
Trata-se de um paradoxo, tanto mais que as pessoas
comuns têm uma visão já não tão ingénua do sistema, todas sabem que há uma
enorme dose de representação (teatral) no palco da política?
Aqui entram dois
factores de psicologia das massas que interessa analisar.
1-
O factor desresponsabilização: a maneira
como o eleitor anonimamente coloca o voto na urna, faz com que esteja
completamente «impune», seja qual for o resultado, sejam quais forem as
consequências do seu acto. A impunidade significa que poucas pessoas
proclamam aos quatro ventos em quem votaram (e, mesmo neste número, até pode
acontecer que algumas não sejam sinceras). Portanto, a grande maioria das
pessoas sente-se psicologicamente «irresponsável», sempre que participou
activamente na subida ao poder de um dado candidato, de uma dada facção, de um
dado partido e esta escolha se revela como desastrosa. Muitas pessoas «consolam-se» prometendo a si
próprias votar noutro candidato, noutro partido, aquando das eleições
seguintes.
O
mecanismo de retirada da responsabilidade é completamente previsto e acarinhado
pelo sistema em vigor. Não é um acaso, não é uma «falha» do sistema. É condição
essencial. Logicamente as pessoas – ao votarem dentro deste contexto – nunca são
praticamente tornadas responsáveis ou coniventes pelos crimes, grandes ou
pequenos, daqueles que eles ajudaram a colocar no poder. Quando nos dizem que
as nossas «democracias» são promotoras da responsabilidade e do sentido cívico
dos cidadãos, não podiam dizer mentira mais descarada!
2-
O constrangimento do grupo. Dentro de um
determinado grupo, é muito difícil de se ter uma visão diferente, uma forma
diferente de se estar, de se comportar e de se ser aceite. A maior parte dos
grupos humanos, sejam eles «naturais», como a família, sejam eles colegas de
profissão, amigos, etc… não aceitam muito bem alguém que contradiz aspectos
essenciais da sua coesão. A ideologia é um deles, não dos menos fortes. Por
isso, os que não se conformam com a norma imperante dentro de determinado grupo
serão relegados para as margens, tolerados no limite. Para muitas pessoas, o
medo de serem expulsas e serem consideradas traidoras, de serem ostracizadas… causa
um medo maior do que a aceitação de toda a irracionalidade inerente às escolhas
do grupo.
Então,
muitas pessoas, apenas manifestarão da forma mais ténue os seus pensamentos de
dissidência, ou mesmo não irão sequer exprimir essa divergência com a norma
dominante dentro do seu grupo.
Por
outro lado, as pessoas sentem-se «fortes» quando estão no seio de uma multidão
que clama pelo mesmo que elas, seja num comício partidário, seja num jogo
desportivo… ou, como antigamente, nas batalhas - precedidas por cânticos e
gritos guerreiros ritualizados.
São,
portanto, estes dois factores que têm a ver com a manutenção das pessoas num
estado de infantilismo, por um lado, e de medo de exclusão, pelo outro, os
factores decisivos na manutenção do mito de serem os presentes sistemas de
governo considerados como democracias.
Portanto,
as pessoas teriam de ser capazes de individual e colectivamente perderem o medo:
o medo de serem apontadas a dedo, o medo de serem excluídos da «tribo». Assim,
haveria hipótese de se comportarem como adultas e responsáveis, pelos seus
actos, incluindo a escolha de seus mandatários ou representantes.
Penso,
contrariamente às teorias pessimistas e antidemocráticas, que há lugar para uma
verdadeira pedagogia cívica. Um grande objectivo de tal pedagogia seria as
pessoas assumirem os seus actos, não terem medo. Deve-se aceitar que somos
todos falíveis, que - muitas vezes - cometemos erros com as melhores das
intenções, além de que por vezes, somos impulsionados por forças psicológicas nada reluzentes, como a inveja, a vingança, o desejo de poder…
Mas
uma pedagogia partindo do princípio da realidade «tal como ela é»,
não se conforma com esta, não se
«adapta» a ela, mas está apostada em transformá-la.
Como?
Através da modificação das condições em que as pessoas evoluem, desde os anos
mais precoces, passando pela escolaridade, pela actividade profissional, etc.
Se as condições forem favoráveis, as pessoas tomam uma postura mais
aberta e mais amadurecida, pois elas ficarão mais felizes (alguns dirão
que produzirão mais «hormonas do prazer») se estimadas por aquilo que são e
pela sua contribuição livre e voluntária à comunidade, com toda a reciprocidade
e estímulo que isso implicará.
A
democracia directa é possível e já é
realizada em pequena escala, de forma mais ou menos formalizada, em
pequenos ou médios agrupamentos humanos. A transformação dessa forma de
democracia à escala de conjuntos maiores, de muitos milhares de cidadãos ou
mesmo de um país inteiro, será possível, não será uma utopia pois o engenho das
pessoas, da espécie humana, permitiu muitas formas diferentes de organização
social e política no passado e, no presente, existem muitas diferenças entre os
povos, no que toca aos seus regimes políticos. Portanto, o argumento de que,
intrinsecamente, pela natureza da
espécie humana, seria impossível uma democracia directa, participada, em larga
escala, é falho de lógica, de fundamento e parece-me ser um argumento para
encobrir uma atitude conformista.
Afinal,
o teatro eleitoral, esse sim, impede
a democracia verdadeira de se manifestar, pois oculta e confunde os cidadãos
sobre o que seria uma verdadeira democracia ou seja, a tomada colectiva de
decisões, a deliberação livre depois de discussão livre e bem informada sobre
quaisquer assuntos que digam respeito às mesmas pessoas que deliberam.