domingo, 28 de agosto de 2022

MITOLOGIAS IX: O QUE SAI DA «CAIXA DE PANDORA»?

 

                                Figura: píxide grega (British Museum)


Segundo as versões mais antigas do mito, Pandora* teria aberto, não uma caixa, mas um vaso. Pouco importa, pois o efeito será o mesmo, num ou noutro caso: 

- Nas duas versões, existe a irreversibilidade de saída dos males que aí se encontravam encerrados. Pandora* está diretamente associada ao mito de Prometeu. Ela casou-se com o irmão de Prometeu, Epimeteu. Foi para castigar Prometeu, que Zeus fez com que Pandora abrisse o vaso (ou a caixa), que Epimeteu lhe tinha dado para ela guardar.

                                  
A curiosidade de Pandora é «culpada» de ter querido indagar o que se encontrava no interior do vaso, ou caixa. Realmente, é difícil encontrar um mito mais misógino do que este: Tal como Eva**, e outras heroínas do panteão da antiguidade, é a curiosidade feminina a «culpada» de todos os males. Mas, se não nos fixarmos demasiado num traço que revela o estatuto social da mulher nas civilizações patriarcais da antiguidade e a culpabilização do género feminino, que durou até recentemente,  creio que a história de Pandora encerra uma sabedoria autêntica e profunda. 

Pandora é o lado feminino de Prometeu, o qual foi castigado pelos deuses por ter roubado o fogo do Olimpo. Prometeu originou a técnica, cujas artes do fogo e da metalurgia eram elementos essenciais, na transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro. Por outro lado, Pandora simboliza a curiosidade, que tem de existir para haver ciência, progresso técnico, evolução da civilização. 

Obviamente, o mito não especifica quais os sortilégios que se escaparam da caixa de Pandora. Creio que não são males absolutos. Podem sê-lo em mãos erradas. Mas, a humanidade tem tanto a aprender com as «Pandoras», como com os «Prometeus». 

Se Prometeu ofertou a ciência do fogo à Humanidade, Pandora ofertou outras ciências e técnicas benéficas. Estas, porém, podem-se transformar em maléficas,  caso a Humanidade não tenha sabedoria suficiente (como é o caso!).

Destapar o oculto é uma eterna tendência do espírito humano, é uma impulsão para descobrir, para desvelar o desconhecido. Sem este impulso, que eu considero instintivo, não haveria qualquer melhoramento na vivência humana, desde os tempos mais recuados. Os humanos não teriam saído das Culturas da Pedra.  Mas, a criatividade tem um preço.

O aviso explícito da  história de Pandora é o mesmo que o da lenda do aprendiz-feiticeiro, que utiliza sem critério os poderes mágicos do seu mestre, quando este está ausente, causando uma catástrofe no laboratório. O conhecimento dos saberes potentes, tem de ser confinado a sábios que sabem resguardá-los do vulgo, pois este irá causar crises, caos, hecatombes, pela forma irresponsável como manipula tais forças. 

Na antiguidade o conhecimento é considerado, simultaneamente, uma matéria preciosa e perigosa, a manipular com o maior cuidado. 

A caixa de Pandora tem vertido generosamente para a Terra o progresso científico, o conhecimento das leis da Natureza. Isto tem permitido todos os desenvolvimentos técnicos e o aumento do bem-estar das sociedades humanas. 
Em simultâneo, trouxe terríveis desenvolvimentos na «arte» de matar: A pólvora, o aço, a metralhadora, as bombas de fragmentação, o TNT e outros explosivos, as bombas nucleares, os mísseis hipersónicos... Esta lista, sem dúvida, é muito incompleta!  A sofisticação tecnológica implica uma maior letalidade dos armamentos. O contributo da ciência para a guerra não é, nem nunca foi, secundário. Tem sido decisivo ao longo dos séculos. 
Poderíamos continuar, referindo as descobertas em vários domínios: 
- Na biologia, a clonagem ou inserção de genes em vários genomas (e permitindo a construção das bio-armas). 
- Nos microprocessadores, para os computadores e smartphones que dão acesso à Internet (e permitem bombas teleguiadas com grande precisão).  
Etc.

Todos os grandes avanços da Ciência têm originado novos problemas. Às vezes, são referidos como «doenças de civilização», mas o termo peca por impreciso: A civilização não está em causa. O que está em causa é a organização da sociedade e da economia, para que o lucro seja extraído por alguns, à custa da imensa maioria. 

Se nós fossemos desenrolar completamente o conteúdo da «caixa de Pandora», seríamos obrigados a descrever a evolução das sociedades humanas, desde os primórdios, até hoje. Tarefa totalmente inviável e sem sentido, pois nem o fogo de Prometeu, nem a curiosidade de Pandora, nos impõem tal coisa. 

Fiquemos por aqui, sabendo-nos limitados no entendimento e  no saber.  

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(*) Pandora significa: «Aquela que possui os dons de todos os Deuses»

(**) Eva, primeira mulher, criada por Jeová = Pandora, primeira mulher, criada pelos Deuses do Olimpo 

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1 comentário:

Manuel Baptista disse...

O que chamamos «mitologias», são na verdade histórias que constituem a religião dos gregos e de outros povos.
No mundo judeo-cristão, as histórias da Bíblia formam a base de muito do que são os mitos, os contos, as tradições, os costumes: Passa-se exatamente o mesmo com a «mitologia» grega. As histórias dos deuses e heróis, formam conjuntamente a trama da religião politeísta grega.