sexta-feira, 14 de agosto de 2020

[MITSUKO UCHIDA] 5º CONCERTO PARA PIANO DE BEETHOVEN («IMPERADOR»)


 

É por demais conhecida a história (ou lenda?) de que Beethoven terá inicialmente dedicado a obra ao imperador dos franceses, Napoleão Bonaparte. Quando Beethoven se apercebeu de quem era na verdade Napoleão, liquidador da liberdade dos povos, o compositor riscou o nome do imperador na página de dedicatória e inscreveu a frase: «em comemoração de um grande homem» deixando no vago quem era esse «grande homem» ...

É esta a história que contam, não sei se foi assim ou não. 

O próprio nome «Imperador» foi dado por Cramer - o editor inglês das obras de Beethoven - não pelo próprio compositor. É, não obstante tudo o que se conta, uma das grandes obras do romantismo nascente, tal como a Eroica (3ª Sinfonia de Beethoven).

Eu consigo abstrair os elementos circunstanciais - tanto do Concerto o «Imperador», como da Sinfonia «Eroica» - porque não são simples obras de circunstância. 

Ambas as obras são atravessadas pelo sopro de uma inspiração generosa e liberal do homem que, além de génio musical, era coerente: Ele nunca renunciou às suas convicções liberais, como o demonstra a 9ª Sinfonia, escrita perto do fim da sua vida, sobre poema de Schiller.   

Curiosamente, Beethoven compôs uma obra de circunstância, essa  bastante medíocre. Uma sinfonia foi encomendada a Beethoven para comemorar Wellington, o vencedor na batalha de Vitória (1813, Espanha) e, mais tarde, retomada para comemorar a batalha definitiva de Waterloo (em 1815). Provavelmente, ele não se empenhou muito na sua feitura. A obra está quase esquecida: nunca se ouve em salas de concerto. Quanto a gravações em disco, apenas se pode encontrar a «sinfonia esquecida» em colecções integrais da obra de Beethoven. 

Beethoven está muito acima dos imperadores e ditadores de sua época e de todas as épocas... a sua música sublime resiste ao tempo e pode ser apreciada pelas sucessivas gerações.  

Mitsuko Ushida e a orquestra de Saito Kinen sob a direcção de Seiji Ozawa, são perfeitas na interpretação do 5º Concerto.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

GUERRA AO CORONAVÍRUS OU GUERRA AOS POBRES?

 

Oiça John Pilger, denunciando a hipocrisia dos que fazem demagogia com elogios ao NHS, mas que contribuíram para desmantelar o prestigiado sistema público de saúde do Reino Unido e continuam a fazê-lo agora, sob cobertura de «luta contra o coronavírus»!!

Nada do que se fala neste vídeo aparece nas notícias da media mainstream. Porém, é muito importante!

Se isto não chega para convencê-lo que a comunicação social está sob controlo e ao serviço da oligarquia, então não há nada que o convença!

PS 1: Egon von Greyerz publica num artigo , uma tabela que mostra como o efeito da epidemia é tanto pior, em termos de redução do PIB, quanto mais autoritárias forem as medidas tomadas:

(MIS-)MANAGEMENT OF CV

terça-feira, 11 de agosto de 2020

[MANLIO DINUCCI] O QUE FAZ A ITÁLIA A FAVOR DO DESARMAMENTO NUCLEAR?


                                      



No 75º aniversário do bombardeamento atómico de Hiroshima e Nagasaki, o Presidente da República Sergio Mattarella reiterou que “a Itália apoia fortemente o objectivo de um mundo livre de armas nucleares". Foi ecoado pelo Presidente da Comissão de Defesa da Câmara, Gianluca Rizzo (M5S): “Faço minhas as palavras do Presidente da República, a favor de uma política que aponta para um mundo livre de armas nucleares”. Compromisso institucional máximo, portanto, mas em que direcção?

Façamos falar os factos:

Ø A Itália ratificou o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), em 1975, que afirma: "Cada um dos estados militarmente não nucleares, que faça parte do Tratado, compromete-se a não receber armas nucleares de ninguém, nem o controlo sobre tais armas, directa ou indirectamente ".

Ø Ao violar o TNP, a Itália concedeu as suas próprias bases para a instalação de armas nucleares dos EUA: actualmente bombas B61, cujo número é estimado em algumas dezenas, mas não é verificável. Estão instaladas nas bases de Aviano, juntamente com os caças F-16C/D dos EUA, e em Ghedi-Torre, onde os Tornado PA-200 da Força Aérea Italiana estâo prontos para um ataque nuclear sob comando USA.

Ø A Itália - confirma a NATO – faz parte dos países que “fornecem à Aliança aviões equipados para transportar bombas nucleares, sobre os quais os Estados Unidos mantêm controlo absoluto, e pessoal treinado para o efeito”.

A B61 será substituída, em breve, pela B61-12: uma nova bomba nuclear, com potência seleccionável no momento do lançamento, que se dirige com precisão para o alvo e tem a capacidade de penetrar no subsolo para destruir os ‘bunkers’ dos centros de comando.

O programa do Pentágono prevê a construção de 500 bombas nucleares B61-12, com uma despesa de 10 biliões de dólares. O programa está em fase final: nos polígonos do Nevada estão em curso os testes de lançamento da nova bomba (sem ogiva nuclear). Entre os aviões certificados para o seu uso estão o Tornado PA-200 e o novo F-35A, fornecidos à Força Aérea Italiana.

Não se sabe quantas B61-12 serão instaladas na Itália e noutros países europeus. Poderão ser mais do que as bombas B-61 anteriores e também ser instaladas noutras bases. A de Ghedi, reestruturada, pode acolher até 30 caças F-35A com 60 bombas B61-12.

Às novas bombas juntam-se as armas nucleares da Sexta Frota estacionada em Itália, cujo tipo e número são secretos. Além de que, com o rompimento do Tratado INF, os Estados Unidos estão a desenvolver mísseis nucleares de alcance intermédio com base em terra, que, como os Euromísseis dos anos 80, também poderão ser instalados em bases italianas.

A Itália, oficialmente um Estado não nuclear, desempenha assim a função cada vez mais perigosa, de base avançada da estratégia nuclear dos USA/NATO contra a Rússia e contra outros países.

Como membro do Conselho do Atlântico Norte, a Itália rejeitou em 2017, o Tratado ONU sobre a abolição das armasnucleares. No mesmo ano, mais de 240 parlamentares italianos - principalmente do Partido Democrata e do M5S, os actuais partidos do governo – comprometeram-se, ao assinar o Apelo ICAN, a promover a adesão da Itália ao Tratado ONU.

Na primeira fila, o actual Presidente da Comissão de Defesa, Gianluca Rizzo, e o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luigi Di Maio. Três anos depois, como os factos comprovam, o seu compromisso solene revela-se um expediente demagógico para recolher votos.

Para concretizar, em Itália, "uma política que aponta para um mundo livre de armas nucleares", como declara Gianluca Rizzo, não há senão um modo: libertar a Itália das armas nucleares, conforme prescreve o TNP, e aderir ao Tratado ONU, executando o que eles estabelecem: “Cada Estado Parte que possua armas nucleares no seu território, pertencentes ou controladas por outro Estado, deve assegurar a rápida remoção de tais armas”. Portanto, os signatários do Compromisso ICAN, exigem que os Estados Unidos removam todas as armas nucleares da Itália.

Se no Parlamento há alguém que queira um mundo livre de armas nucleares,
demonstre-o não por palavras, mas mas com factos.

Manlio Dinucci

il manifesto, 11 de Agosto de 2020

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Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

Email: luisavasconcellos2012@gmail.com

Wepage: NO WAR NO NATO

domingo, 9 de agosto de 2020

[Daniel Estulin] OPERAÇÃO SECRETA «LILÁS DOURADO»

                             Imagen

Daniel Estulin dá-nos preciosas informações sobre o destino de milhares de toneladas de ouro, produto de saques japoneses e alemães, antes e durante a IIª Guerra Mundial. 

Que importância tem isso hoje, para além de seu interesse histórico? 

- Para sabe-lo, ouve os 2 podcast abaixo:


https://www.buzzsprout.com/332756/4612118-podcast-daniel-estulin-lila-dorada-primera-parte?play=true


https://www.buzzsprout.com/332756/4705085-podcast-daniel-estulin-lila-dorada-segunda-parte

sábado, 8 de agosto de 2020

CONCERTO EM MEMÓRIA DE J.S. BACH

 

                                      

Gravado a 28 de Junho de 2020, por ocasião dos 270 anos da morte de J.S. Bach. 

Foi gravado ao vivo na Igreja de S. Tomás de Leipzig, com a Leipziger Cantorei e a Sächsisches Barockorchestra, sob a direcção de Gothold Schwarz 

Dienstag, 28. Juni 2020, 20.03 Uhr / Tuesday, 28 July 2020, 8.03 pm CEST
Live aus der Thomaskirche Leipzig / live from Leipzig St. Thomas Church
Leipziger Cantorey · Sächsisches Barockorchester · Thomaskantor Gotthold Schwarz
08:00 Johann Sebastian Bach (1685–1750): Vor deinen Thron tret´ ich hiermit, BWV 668
11:55 Begrüßung / welcome address: Prof. Dr. Michael Maul (Bach-Archiv Leipzig)
24:05 Johann Christoph Bach (1642–1703): Der Gerechte, ob er gleich zu zeitig stirbt
29:10 Johann Schelle (1648–1701): Aus der Tiefen rufe ich, Herr, zu dir
39:37 Moderation
42:13 Johann Ludwig Bach (1677–1731): Unsere Trübsal, die zeitlich und leicht ist
47:32 Dieterich Buxtehude (1637–1707): Gott hilf mir, BuxWV 34
1:03:16 Johann Michael Bach (1648–1694): Ich weiß, dass mein Erlöser lebt
1:05:25 Moderation
1:07:49 Johann Sebastian Bach (1685–1750): Aus der Tiefen rufe ich, Herr, zu dir, BWV 131
1:30:10 Johann Sebastian Bach (1685–1750): Vor deinen Thron tret´ ich hiermit, BWV 668 (Arrangement by Benjamin Dreßler)
 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O QUE TERÁ REALMENTE OCORRIDO NO PORTO DE BEIRUTE?

                   
                                            Porto de Beirute sacudido por violentas explosões


                                 
                                         
                                         Vídeo sobre acontecimento (legendado em inglês)


É evidente que houve uma imprudência absurda das autoridades em autorizar que as toneladas de nitrato de amónia (matéria prima para explosivos) fossem armazenadas numa instalação do porto de Beirute. Esta incúria é - infelizmente - possível em países (incluindo Portugal) onde o Estado central é fraco, corrupto, sujeito a interesses mafiosos de toda a espécie. 
Portanto, é inegável que a armazenagem deste produto, tão perigoso, durante tanto tempo, pode ser imputada, como crime de negligência às «autoridades» libanesas. Estamos a falar de um Estado falido, que sofreu uma guerra civil, uma invasão, e que é controlado por uma variedade de grupos, do Hezbollah (aliado do Irão) aos Cristãos Maronitas, entre outros, que controlam - exactamente como máfias - certos sectores do Estado. 
Antes desta tragédia houve outra, recente. Com efeito, explodiu uma «bomba» no domínio financeiro: a bancarrota que eclodiu no final do ano passado e causou a ruína de muitos. Agora, a população martirizada, está a braços com um número de mortos de muitas centenas e vários milhares de feridos.

As pessoas que não acreditam na tese de um acidente vão apontar a dedo potências ou facções, pelos quais têm maior antipatia:
- Assim, do lado do governo de Washington, veio logo a tese absurda de que esta sabotagem seria instigada pelo Irão, apenas porque este é, na região, o inimigo nº 1 a abater. 
- Outras pessoas vêem o «dedinho» de Israel, cujos serviços secretos (Mossad) são especialistas em fazer atentados que se parecem mesmo muito com acidentes. 
O poder sionista de Israel não tem boas recordações do Líbano, da sua derrota humilhante e expulsão do Sul do Líbano, devido à milícia do Hezbollah. 
Antes de mais, se estamos a pensar que NÃO terá sido acidente, devemos perguntar «qui bono», a quem aproveita?
- É um facto que o Líbano tem estado a aproximar-se do Irão, tal como acontece com o Iraque. Com desespero, as direitas europeias e norte-americanas, vêem afastar-se este país do seu campo, anteriormente conhecido como «a Suíça do Próximo-Oriente».
- Por outro lado, tanto o Líbano, como a  Síria, estão realmente no ponto de chegada das Novas Rotas da Seda. A costa síria e libanesa é um ponto estratégico para investimento dos chineses, protegidos pela base naval russa de Tartus, na Síria. 
  
Pode ser tudo uma questão de coincidências? Eu não acredito em «coincidências», pelo menos, deste tipo...

Custa-me acreditar que, durante tantos anos (cerca de seis anos e meio, desde 2013!), nada tenha ocorrido com aquela matéria explosiva, manifestamente tão perigosa; que tenha ficado «tranquilamente» armazenada nas instalações portuárias e na cidade de Beirute. 
Embora haja negligência criminosa das «autoridades», penso -para além disso - que há algo misterioso, nesta situação: É que, se for verdade que esta matéria-prima explosiva foi estocada sem os devidos cuidados, como se explica que não tenha havido um acidente, mais cedo?  

Então, ao fim e ao cabo: foi acidente, foi sabotagem?
- Muitas pessoas dirão que nunca se saberá, ao certo, caso tenha sido um acto de sabotagem, feito por profissionais (serviços secretos?) capazes de fazer estas coisas sem deixar rasto.  

Eu acredito que a verdade vem sempre ao de cima; mas teremos de esperar mais algum tempo para saber o que esteve na origem desta tragédia. 

NOTA 1: O presidente do Líbano, Aoun, não exclui a hipótese de atentado com bomba ou outro engenho ter deflagrado as explosões.

NOTA 2: A hipocrisia «oficial» israelense desmontada por Gideon Levy. Leia aqui.

NOTA 3: Thierry Meyssan afirma que o que causou as explosões foi uma bomba israelita com características de mini-arma nuclear e que já tinha sido testada na Síria.

NOTA 4: alguns pontos do artigo seguinte de Pepe Escobar «Quem beneficia com explosão em Beirut?», também foram considerados por mim. Veja aqui.
 

NOTA 5: Philip Giraldi reforça a verosimilhança de um ataque israelita, citando no seu artigo uma ameaça recente feita no mês passado de Julho de 2020: «... the Israeli defense minister specifically threatened to destroy Lebanese infrastructure »

NOTA 6: Pepe Escobar escreve um artigo com muito sumo, dando o contexto geopolítico e civilizacional.

NOTA 7: A análise de Kim Iversen é muito perspicaz. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

[PEPE ESCOBAR] Mar do Sul da China: o cerne da questão

                            Footage from a PLA landing drill in June. The Chinese military is reportedly planning another large-scale simulated invasion exercise this month. Photo: Handout
                             exército Popular da China faz exercícios em Junho deste ano 

Texto de Pepe Escobar para o Blog do Saker, postado originalmente no site Asia Times
Tradução de btpsilveira

Quando os grupos de ataque dos porta aviões Ronald Reagan e Nimitz envolveram-se recentemente em operações no Mar do Sul da China, muitos cínicos notaram que a Frota do Pacífico dos Estados Unidos está fazendo o seu melhor para tornar a teoria infantil da Armadilha de Tucídides numa profecia autorrealizável.

A ideia oficial pro forma, expressada pelo contra almirante Jim Kirk, comandante do Nimitz, é que as operações foram lançadas para “reforçar nosso compromisso com a liberdade da região do Indo/Pacífico, com a ordem internacional baseada em normas e com nossos aliados e parceiros”. 

Esses clichês não chamam a atenção de ninguém, desde que a mensagem verdadeira foi dada por um agente da CIA que posa como diplomata, o Secretário de Estado Mike “nós mentimos, nós enganamos, nós roubamos” Pompeo: “a República Popular da China não tem bases legais para impor unilateralmente sua vontade na região” referindo-se à Linha de Nove Traços. Para o Departamento de Estado, Pequim emprega nada menos que “táticas de gangsters” no Mar do Sul da China.

Repito: ninguém presta atenção porque a realidade no mar é dura. Qualquer coisa que se mova no Mar do Sul da China – artéria marítima crucial para o comércio da China – está à mercê do PLA (People’s Liberation Army – Exército da Libertação Popular [ELP] - NT) chinês, que decide quando e se empregar seus mísseis mortais DF-21D e DF-26 “matadores de porta aviões”. Absolutamente não há qualquer maneira da Frota do Pacífico vencer uma guerra aberta no Mar do Sul da China.

Bloqueados eletronicamente

Não referido nem citado pela mídia ocidental, um relatório chinês crucial traduzido por Thomas Wing Polin, analista residente em Hong Kong, é essencial para entender o contexto.

O relatório se refere aos aviões de guerra “Boeing EW Growler” dos EUA que acabaram totalmente fora de controle através de aparelhos de bloqueio eletrônico postados nas ilhas e recifes do Mar do Sul da China. 

De acordo com o relatório, “depois do acidente os Estados Unidos negociaram com a China exigindo que esta desmantelasse os equipamentos eletrônicos imediatamente, mas foram rejeitados. Tais aparelhos eletrônicos são parte importante da defesa marítima do país e não armas ofensivas. Portanto, o pedido do exército dos Estados Unidos para retirá-los não faz sentido.”

Fica ainda melhor: “No mesmo dia, Scott Swift, antigo comandante da Frota do Pacífico finalmente reconheceu que o exército dos EUA chegou tarde demais para controlar o Mar do Sul da China. Ele acredita que a China instalou grande número de mísseis de defesa aérea Hongqi 9, bombardeiros H-6K e sistemas de bloqueio eletrônico em ilhas e recifes. O aparato de defesa pode ser chamado de sólido. Caso os jatos de combate dos Estados Unidos se precipitarem sobre o Mar do Sul da China provavelmente encontrarão ali seu ‘Waterloo’”.

A questão é que Pequim considera esses sistemas – entre eles o bloqueio eletrônico – instalados nas ilhas e recifes no Mar do Sul da China pelo ELP cobrindo mais da metade da superfície total, como parte de seu sistema nacional de defesa.

Coloquei anteriormente em detalhes o que o Almirante Philip Davidson disse ao Senado quando ele ainda era um candidato a liderar o Comando do Pacífico para os Estados Unidos. Suas três principais conclusões foram:

1) “A China está buscando recursos avançados (por exemplo, mísseis hipersônicos) para os quais os EUA ainda não têm capacidade de defesa. Na medida em que a China conseguir estes sistemas de armamentos avançados, as forças dos Estados Unidos no Indo-Pacífico estão em risco cada vez mais elevado.”

2) “A China está minando a legalidade da ordem internacional.”

3) “Atualmente, a China é capaz de manter o controle sobre o Mar do Sul da China em qualquer cenário a não ser uma guerra contra os Estados Unidos.”

Implícito nessas declarações está o “segredo” da estratégia dos EUA para o Indo-Pacífico: na melhor das hipóteses trata-se de tentativa de contenção, dado que a China continua a solidificar sua Rota da Seda Marítima, ligando o Mar do Sul da China ao Oceano Índico.

Lembrem-se de Nusantao

O Mar do Sul da China é e continuará sendo um dos principais pontos críticos do jovem século 21, onde grande parte do equilíbrio do poder entre Leste e Oeste será questionado.

Já toquei no assunto anteriormente em alguns detalhes, mas, mais uma vez, um breve pano de fundo histórico é absolutamente essencial para entender as circunstâncias atuais que fazem o Mar do Sul da China parecer e sentir-se como um lago chinês.

Comecemos em 1890, quando Alfred Mahan, então presidente do Colégio Naval dos Estados Unidos escreveu seu livro seminal The influence of Sea Power Upon History, 1660-1783 (Influência do poder marítimo no curso da história, 1660-1783 – NT). A tese de Mahan era que os Estado Unidos poderiam pesquisar por novos mercados para comerciar globalmente, e protegê-los através de uma rede de bases navais.

Foi o embrião do Império de Bases (norte)americano – o qual ainda está ativo.

Foi o colonialismo das potências ocidentais (Europa e América) que engendrou a maioria das fronteiras terrestres e marítimas dos Estados limítrofes ao Mar do Sul da China: Filipinas, Indonésia, Malásia e Vietnã.

Estamos falando de fronteiras entre possessões coloniais diferentes – que desde o início disparavam problemas insolúveis que foram herdados pelas nações pós coloniais.

Essa história tem sido sempre completamente sui generis. O melhor estudo antropológico sobre a questão (Bill Solheim’s, por exemplo) define as comunidades quase nômadas que desde tempos imemoriais viajavam e comerciavam através do Mar do Sul da China de Nusantao – uma palavra Austronésia composta para “ilha do sul” e “gente”.

Os Nusantao não eram um grupo étnico definido. Eram parte de uma rede marítima. Por séculos tinham pivôs importantes desde a costa do Vietnã central e Hong Kong por todo o caminho até o delta do Rio Mekong. Não eram ligados a nenhum “estado”. A noção ocidental de “fronteiras” sequer existia. Em meados dos anos 1990, tive o privilégio de encontrar alguns de seus descendentes na Indonésia e no Vietnã.

Assim, foi apenas no final do séc. 19 que o sistema Westfaliano manobrou para congelar o Mar do sul da China dentro de um contexto inamovível.

O que nos leva de volta ao ponto crucial do motivo da sensibilidade chinesa com suas fronteiras: isso está ligado diretamente ao “século da humilhação” – quando a corrupção interna e a fraqueza chinesa permitiram aos “bárbaros” ocidentais tomarem posse de território chinês.

Um lago japonês

A linha dos nove traços é um problema extremamente complexo. Foi criado pelo eminente geógrafo chinês Bai Meichu, nacionalista ferrenho, em 1936, inicialmente como parte do “mapa da Humilhação Nacional Chinesa” traçado como uma linha em forma de “U”, englobando o Mar do Sul da China em todo o caminho até o Baixio James, que está 1500 km ao sul da China, mas apenas a 100 km de Bornéu.

Desde o início, a Linha dos Nove Traços foi promovida pelo governo chinês – lembrem-se, àquele tempo, ainda não comunista – como letra da Lei em termos de reclamações “históricas” da China sobre ilhas no Mar do Sul da China.

Um ano depois, o Japão invadiu a China. Ocupara Taiwan já em 1895. O Japão ocupou as Filipinas em 1942. Isso quer dizer que toda a linha costeira do Mar do Sul da China estava no controle de apenas um império pela primeira vez na história. O mar tornou-se um lago japonês.

Bem, isso durou apenas até 1945. Os japoneses ocuparam as Ilhas Woody nas Paracels e Itu Aba (atualmente Taiping) nas Spratlys. Depois do final da Segunda Guerra Mundial e com os Estados Unidos lançando bombas atômicas contra o Japão, as Filipinas tornaram-se independentes e as Spratlys foram imediatamente declaradas como território Filipino.

Em 1947, todas as ilhas receberam nomes chineses e em dezembro de 1947 todas as ilhas foram colocadas sob controle de Hainan (também uma ilha no Sul da China). Novos mapas foram desenvolvidos a seguir, porém agora com nomes chineses para as ilhas (ou recifes, ou baixios). Só que havia um grande problema: ninguém explicou o significado daqueles traços (que originalmente eram onze).

Em junho de 1947 a República da China reclamou para si tudo dentro daquelas linhas – afirmando estar, ao mesmo tempo, aberta a negociações para definir fronteiras marítimas com outras nações a posteriori. Mas momentaneamente não havia fronteiras.

Todo o acima preparou o cenário para uma “ambiguidade estratégica” do Mar do Sul da China que continua até hoje – e permite ao Departamento de Estado acusar Pequim de “táticas de gangsters”. O clímax de uma transição milenar da “rede marítima” de povos seminômades para o sistema Westfaliano só rendeu problemas.

Chega o COC

E quanto as noções (norte)americanas de “liberdade de navegação”?

Em termos imperiais “liberdade de navegação” das costas ocidentais dos Estados Unidos para a Ásia – através do Pacífico, Mar do Sul da China, Estreito de Malaca e Oceano Índico – é questão restrita à estratégia militar.

Ocorre que a Marinha dos EUA simplesmente não pode conceber ter que lidar com zonas de exclusão no mar ou ter que obter uma “autorização” a cada vez que tiver que cruzá-las. Se assim fosse, o Império de Bases perderia o acesso a estas.

Isso combina com a marca registrada da paranoia do Pentágono, lidar com uma situação onde um “poder hostil” – nomeadamente a China – decide bloquear o comércio global. Em si mesma, a premissa é ridícula, porque o Mar do Sul da China é a principal, a artéria marítima vital para a economia globalizada chinesa.

Daí que não há justificativa racional para algo como o programa Liberdade de Navegação (LdN). Para todos os efeitos práticos, esses porta aviões como o Ronald Reagan e o Nimitz se exibindo para lá e para cá equivalem a uma espécie de “diplomacia da canhoneira” do século 21. Pequim não parece impressionada.

Até onde tem a ver com os 10 membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN na sigla em inglês – NT), o que importa neste momento é construir um Código de Conduta (CdC) para resolver os conflitos entre Filipinas, Vietnã, Malásia, Brunei e China.

Ano que vem ASEAN e China celebrarão 30 anos de relações bilaterais robustas. Há boa possibilidade de que fortalecerão o status para “parceria estratégica ampla”.

A COVID-19 fez todos os atores adiarem negociações para a leitura do segundo projeto único do CdC. Pequim gostaria que fossem feitos face a face – porque o documento é muito sensível e, até o momento, secreto. Porém acabaram por concordar em negociações online – através de textos detalhados.

Será trabalho duro, porque como a ASEAN tornou claro em encontro virtual no final de Junho, tudo haverá de ser em acordo com as Leis Internacionais, entre elas a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês – NT)

Se eles conseguirem concordar em um Código de Conduta até o final de 2020, um acordo final pode ser aprovado pela ASEAN em meados de 2021. A palavra “Histórico” é fraca até para começar a descrever isso – porque esta negociação está em andamento por não menos que duas décadas. Não se deixe de mencionar que um Código de Conduta invalida quaisquer pretensões dos Estados Unidos em assegurar “Liberdade de Navegação” em área onde a navegação já seria livre.

É que “liberdade” jamais teve nada a ver. Na terminologia imperial, “liberdade” significa que a China deve obedecer e manter o Mar do Sul da China aberto para a Marinha dos Estados Unidos. Bem, isso é possível, desde que você se comporte. Chegará o dia em que o Mar do Sul da China será “negado” para a Marinha dos EUA. E você nem precisa ser um Mahan para saber que isso será o fim do domínio imperial sobre os sete mares.