A esquerda francesa e europeia deixou-se encurralar. Isto passou-se ao longo de um processo de decénios, mas os seus resultados nunca foram tão visíveis como agora, na véspera da segunda volta das eleições presidenciais em França.
Na era da globalização capitalista, com o triunfo do «pensamento único», a esquerda tornou-se largamente neoliberal, na sua essência.
A que não o fez, não soube, lamentavelmente, renovar a sua perspectiva do marxismo, de maneira a poder olhar de frente para os monstruosos erros do passado bolchevique e aprender com eles.
A esquerda, neo-liberal ou autoriária, teve o poder de transformar a realidade em várias ocasiões, antes e depois do virar do milénio. Tristemente, em vez disso, ela virou a cara e assobiou... no melhor dos casos.
Na política, substitui o critério de classe, como eixo central da avaliação de uma dada conjectura, pela ideologia dos direitos humanos, passando a ser uma esquerda das «causas fracturantes», uma «esquerda sentimental», mas certamente não a força exterior ao complexo do pensamento único, dos impérios mediáticos, etc. Deixou de ser a esquerda que assustaria o capital e seus representantes. Então, ainda bem que essa esquerda, a «esquerda do capital», se está a esfacelar e a desaparecer na irrelevância... pouco me importam os rótulos que ela a si própria se dá.
O que me importa é a tarefa imediata e urgente, de classe, de barrar o caminho a dois monstros:
- o do neoliberalismo e da mundialização/globalização (cujo significado exacto e último é o governo mundial, ou seja, um fascismo mundializado)
- o da direita retrógada, reaccionária, identitária, mas que apela a um número muito grande de pessoas (fartas de serem enganadas por políticas neoliberais de esquerda e de direita).
Face à enormidade das tarefas, parece não haver saída, de tão fortes e poderosas que são as forças opositoras às nossas.
A saída, porém, está presente, é real, nem é particularmente nova nos seus princípios: ela chama-se esquerda libertária ou socialismo libertário.
Nas suas diversas formulações, pode encontrar-se o necessário para reconstruir uma esquerda de classe, com um projecto libertário e socialista, no sentido amplo destas expressões.
Refiro um «projecto libertário e socialista» no sentido civilizacional, no de fazer sentir que o poder, o Estado, a autoridade, são palavras que recobrem uma grande dose de violência; que os meios da humanidade em suprir às suas necessidades e confortos, sem recorrer à exploração, existem e não são «utopias».
Mas tal implica que as pessoas percam as vendas/ lentes deformantes, que elas colocaram a si próprias. Sei que, na medida em que elas verdadeiramente o desejem, o conseguirão: outras já o fizeram no passado e no presente.
O problema central é dar expressão política a uma esquerda libertária, anti-capitalista, classista... e não interessa repetir os erros, imitar acriticamente a esquerda estalinista ou neoliberal; obviamente, isso seria suicidário.
Mas é necessário inventar o caminho, pois os meios devem ser adequados aos fins... Não será com violência e intolerância que se fará a revolução anti-autoritária...