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quinta-feira, 11 de abril de 2019

HOMO LUZONENSIS: O QUE NOS CONTA ESTA DESCOBERTA SOBRE NOSSO PASSADO

                



                       

Esta descoberta, agora anunciada, de Homo luzonensis, mas cujo sítio arqueológico vem sendo escavado desde há alguns anos, reforça o facto da arvore evolutiva do género Homo

             


ter uma estrutura arborescente, que nos foi ocultada pelo facto da espécie Homo sapiens (a nossa) ter invadido e dominado todos os habitats da Terra, tendo sido um factor decisivo na extinção doutras espécies concorrentes, do género Homo [H. neanderthaliensis, H. denisovans, H. floriesensis, H. luzoniensis (?)], que connosco coexistiram. 
Esta visão é reforçada com a descoberta numa gruta na ilha de Luzon, Filipinas. Esta descoberta vem no seguimento de outra, a de Homo floriesensis, em 2004, na Ilha das Flores (Indonésia). 
Um facto importante é o de que Homo erectus, cuja existência se estende por mais de um milhão de anos, saiu de África e dispersou-se pelo continente asiático, atingindo os arquipélagos do que são hoje a Indonésia e as Filipinas. Porém, esta dispersão geográfica e no tempo originou variantes e novas espécies que se especializaram em determinados ambientes. 
Não irei reproduzir aquilo que escrevi a propósito de Homo floriesensis. Mas é evidente que tanto a espécie alcunhada com o nome de «Hobbit», como esta de Luzon, só podem ter como ascendência o Homo erectus. Aliás, isto é reforçado pela existência de instrumentos de pedra e marcas de talhe em ossos de rinoceronte com 700 mil anos, encontrados não longe da gruta de Callao o local, nas Filipinas, onde foram descobertos os restos de Homo luzonensis.

Quanto ao «grande feito» de o género Homo ter alcançado ilhas hoje distantes, penso que existe uma certa exploração sensacionalista nas notícias:
- primeiro, porque nos longuíssimos intervalos de tempo da evolução do género Homo, existiram vários episódios em que os níveis dos oceanos foram muito mais baixos (lembremos o estreito de Behring e a língua de terra chamada Beríngia, de onde vieram os primeiros colonizadores do continente americano). Em certas épocas, a separação entre as ilhas britânicas e o continente europeu (as costas francesas de hoje) era tão pequena, que manadas a atravessavam e no seu encalço, iam bandos de humanos...

- e segundo, não é nada espantoso que estes hominídeos tenham fabricado jangadas ou canoas escavadas em troncos de grandes árvores: a indústria lítica é apenas a que subsiste, após muitas centenas de milhares de anos, mas sabemos - por outras culturas ditas da «idade da pedra» - que os artefactos de pedra eram sempre uma minoria. Calcula-se que as culturas do paleolítico tinham cerca de 80% de instrumentos em madeira, fibra vegetal ou peles e tendões animais ; por que motivo o Homo erectus, que fabricava instrumentos de pedra, não teria também artefactos em madeira? 

Não me parece razoável imaginar que um desenvolvimento separado, a partir de símios, viesse dar origem a seres com características típicas da linhagem humana. Antes favoreço a hipótese de que um longo isolamento - decorrente da transformação de penínsulas em ilhas  - tenha separado definitivamente as populações iniciais de Homo erectus presentes, quer na Ilha das Flores (Indonésia), quer na Ilha de Luzon (Filipinas). 
Se, de facto, existem sinais inequívocos de indústria lítica e de caça com 700 mil anos, é provável que a população desse tempo tenha evoluído em total isolamento até cerca de 50 mil anos, modificando-se para se adaptar às condições singulares do ambiente. 
É bem conhecida a tendência para o nanismo em muitas populações de mamíferos isoladas durante longos anos em ilhas. O mesmo aconteceu com as populações de H. erectus naquelas ilhas asiáticas. 

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

NA AVENTURA HUMANA, A ARTE COMEÇOU MAIS CEDO DO QUE SE PENSAVA...

Quando me refiro à aventura humana, não estou a pensar nos mais de 2,5 milhões de anos do processo de humanação, desde os vários Pithecantropus, ao género Homo e suas notáveis espécies…

         
                     Imagem: a mais antiga pintura figurativa (grota em Sulawesi)

Sabemos que houve ornamentação e certo grau de abstracção nas culturas dos Homo neanderthalensis, mas, na minha subjectividade, o «nós» começa realmente com a espécie Homo sapiens que, segundo os dados mais recentes da paleo-antropologia, deve ter surgido em África há cerca de 350 mil anos. Esta espécie, que é afinal a nossa, propagou-se muito rapidamente em vários continentes, adaptando-se a condições naturais muito diversas, desenvolvendo novas técnicas e também uma cultura simbólica cujos principais traços apenas podem ser delineados através dos vestígios materiais que deixou.
A foto acima mostra impressões de mãos e uma figura animal, difícil de se perceber: faz parte do notável conjunto de arte parietal,  duma gruta de Sulawesi que é hoje da Indonésia, com a remota idade de 40 mil anos. 
A gruta de Chauvet (em França) foi datada em cerca de 35 mil anos. Muitos outros vestígios de arte rupestre europeia pertencem a épocas mais recentes, como é o caso de Lascaux, Altamira, Foz Côa…
As figuras presentes em todos estes exemplos de arte parietal – sem dúvida, representações de forças cósmicas, assumindo a forma de leões, alces, cavalos, bisontes, etc… - espantam pela forma muito perfeita, que nos permite reconhecer - não apenas os animais selvagens contemporâneos - como o detalhe de animais extintos, os rinocerontes lanígeros, ou os mamutes.
Mas, sobretudo, espanta a capacidade de captar o movimento apenas com um traço, a sobreposição de várias posições, traduzindo os movimentos do animal (visível em certos frescos de Chauvet e nalgumas gravuras de Foz Côa), o aproveitamento dos relevos naturais das rochas nas paredes ou tectos, para dar um efeito de volume, de sombreado. 

                      Image result for lionnes de Chauvet


                 
                   Acima: Grota Chauvet. Abaixo: Relevo cavalos Foz Côa                  


Estas figuras tinham a virtude mágica de se pôr em movimento, aquando dos ritos iniciáticos, à luz dos archotes.

Como dizia Picasso, ao sair da gruta de Lascaux, recém-descoberta: «nós não inventámos nada! Eles já sabiam tudo!». Com efeito, eles tinham um olhar atento e agudo, a mestria da forma e do movimento, a ciência dos pigmentos, sabiam jogar com o relevo e com sombra e luz …


O etnocentrismo, segundo o qual a nossa civilização seria a mais evoluída e as realizações do Homem contemporâneo superiores ... baseiam-se na ideia (muito antiquada, afinal) de que existe um «progresso», visto como um aperfeiçoamento na escala física, mental, moral e cultural da humanidade.
Deste sentido preciso de progresso só posso discordar totalmente, face às numerosas evidências de que disponho e que a ciência paleo-antropológica mais avançada nos põe diante dos olhos:
- O ser humano cedo assumiu a plenitude das suas características, físicas e psíquicas. Seria mais fácil admitir uma decadência, pois é certo que a aptidão física foi decrescendo, à medida que os humanos se fecharam em grandes cidades e que as suas formas de subsistência foram cada vez menos tributárias da força física.
Os homens de há várias dezenas de milhares de anos, assim como os raros caçadores-recolectores que restam neste Planeta, eram/são dotados de capacidades físicas notáveis. Porém, já nos seus alvores, a nossa espécie era também portadora de sofisticação cultural num grau muito superior ao doutros símios antropóides e mesmo dos nossos antepassados ante-humanos, de outras espécies do género Homo.
Isto explica-se facilmente na medida em que a subsistência e a expansão de Homo sapiens estavam dependentes da capacidade de tecer laços profundos, de constituir uma sociedade que possuísse um máximo de resiliência colectiva.
Os grupos humanos primitivos têm as prioridades da vida na ordem correta, ao contrário dos civilizados, sobretudo quando estes estão encerrados numa cultura tecnológica, da qual são escravos… sem o saberem.

A espantosa aventura humana consistiu nos mais de trezentos mil anos ANTES do que hoje se convenciona chamar «a civilização», o aparecimento de sociedades urbanas, com um poder centralizado, com religiões, sacerdotes e templos, com exércitos e guerras, etc…
Embora quase tudo na História dessa humanidade do período paleolítico pareça estar irremediavelmente perdido, pode-se ainda, através da antropologia física e da arqueologia reconstruir algo do que foi esta aventura. A evidência de simultânea expressão artística em duas regiões muito afastadas do globo, é indicação de que as capacidades artísticas já eram partilhadas pelos grupos humanos ANTES de saírem de África, há cerca de 80 - 90 mil anos. 
A tendência para romantizar a humanidade do paleolítico pode estar presente, mesmo nos espíritos mais rigorosos podem existir projecções inconscientes das concepções dos homens modernos e seus preconceitos.
Mas pode-se resistir a essa tendência implícita de reconstruir o passado à nossa imagem pois, na verdade, sabemos demasiado pouco sobre os grupos humanos que constituíram as primeiras culturas, produtoras de arte parietal. 
Conhecemos as técnicas materiais que utilizavam, sabemos qual o seu modo de vida genérico, podemos – por vezes – isolar e sequenciar o seu ADN, mas não fazemos ideia de como seriam seus idiomas, qual a extensão dos seus saberes, nomeadamente em relação aos fenómenos naturais, quais as narrativas que relacionavam o mundo dos humanos com a natureza e o sobrenatural… Talvez as culturas de há 40 mil anos atrás fossem semelhantes, pelo menos em certos aspectos, às culturas de caçadores-recolectores actuais, mas isto é uma mera hipótese…

A única certeza que possuo em relação a este assunto, é a seguinte: 
- Quaisquer que sejam os factos que a paleo-antropologia e as outras ciências venham a revelar, o importante é  que os humanos de hoje saibam mais e melhor sobre a profundidade da humanidade e da sua aventura.
Acredito que isso aumentará a humildade das pessoas e não a sua soberba; que o conhecimento desta história irá eliminar ou ajudar a combater o racismo, a xenofobia e o etnocentrismo, visto que a humanidade actual é una. 
Somos descendentes dos Homo sapiens, que se espalharam pelos 5 continentes (África, Europa, Ásia, Austrália e América). 
As pessoas, esclarecidas e informadas, terão desejo de preservar os vestígios e monumentos do passado, em promover o desenvolvimento das técnicas e da sociedade tecnológica, no respeito pelas culturas  tradicionais existentes (incluindo o respeito pelo território e pela dignidade dos actuais caçadores-recolectores), tal como pelas do passado e pelo mundo natural. 
Sem isso, sem um respeito profundo por si própria, enquanto humanidade multi-facetada, pelo seu próprio passado e pelo mundo natural, sejam quais forem os progressos tecnológicos, a humanidade caminhará para a degradação e para o abismo.