Muitas pessoas aceitam a situação de massacres de populações indefesas em Gaza e noutras paragens, porque foram condicionadas durante muito tempo a verem certos povos como "inimigos". Porém, as pessoas de qualquer povo estão sobretudo preocupadas com os seus afazeres quotidianos e , salvo tenham sido também sujeitas a campanhas de ódio pelos seus governos, não nutrem antagonismo por outro povo. Na verdade, os inimigos são as elites governantes e as detentoras das maiores riquezas de qualquer país. São elas que instigam os sentimentos de ódio através da média que controlam.
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

O PARADOXO DO DÓLAR VERSUS VALORAÇÕES BOLSISTAS

 



A FED (Reserva Federal Americana, o banco central dos EUA) tem criado dólares desde Março deste ano, como nunca antes, embora antes fosse já profícua em tal actividade. Esta criação monetária, vai acabar por minar a capacidade do dólar permanecer como moeda de reserva mundial. 

Quando os detentores de dólares exteriores aos EUA - o que inclui os bancos centrais de todos os países do mundo, gostem ou não do governo dos EUA - ficarem convictos de que este já perdeu demasiado valor, que não compensa deter dólares, pois existe cada vez maior desconfiança em relação a esta divisa... então, será o fim da sua hegemonia, quer como valor de reserva, quer no comércio mundial. 

Ora, este momento aproxima-se a grande velocidade, pois existe uma consciência clara de que a FED está apostada em produzir moeda, mesmo com o risco de destruir o seu valor, para «salvar» a economia dos EUA.  

É aqui que reside o paradoxo. 
A FED equaciona - erradamente - a propulsão dos valores bolsistas para alturas estratosféricas, à saúde da economia americana, no seu todo. 
Em resultado da impressão monetária, o dólar vai descendo em termos relativos face a outras moedas, mas também vai perdendo credibilidade no público em geral e nos investidores. Verifica-se já a tendência dele deixar de ser refúgio preferido («safe haven») em tempos de crise.
 
A classe dos multimilionários e bilionários (os 0.01%), está constantemente a ganhar com a situação, visto que os activos bolsistas são parte substancial da sua riqueza total. Note-se que são eles os donos das empresas cotadas em bolsa, ou accionistas de relevo das mesmas. A tabela acima é bem elucidativa sobre o maná que receberam os muito ricos, desde o início da crise «do Covid».
  
Porém, ser-se rico em dólares hoje, pode significar perder-se tudo amanhã, se esta moeda sofrer uma crise hiper-inflacionária. Apostar que isso não ocorrerá jamais, ou que não ocorrerá em vida dos investidores actuais, é uma aposta muito arriscada.

Como referi num artigo publicado recentemente, se grandes países (como a China e a Rússia) decidirem indexar suas moedas respectivas ao ouro, com a garantia do ouro - que possuem em quantidade - isto será o toque de finados do dólar, enquanto moeda de reserva mundial. 

As pessoas e instituições irão optar por algo que possua a sólida garantia do ouro, de preferência a uma moeda sem qualquer esteio sólido, de um país com economia terciarizada e com défice crónico. Não poderão confiar num país assim, ainda por cima, com uma moeda constantemente inflacionada por emissões do banco central, não correspondentes a verdadeira riqueza. 

O «exorbitante privilégio», de que já falava Valéry Giscard D'Estaign, significa que os EUA, pelo facto do dólar ter sido designado «moeda de reserva mundial» nos acordos de Bretton Woods de 1944, está constantemente a ter défices orçamentais e comerciais, sem sofrer qualquer penalização, pois «exporta» a inflação gerada pelo seu próprio banco central. 
Com esses dólares produzidos a partir de nada, compra todo o género de produtos, desde matérias-primas a produtos transformados, que custaram muito a produzir, nos países que os exportam para os EUA. 
Estes produtores, em troca, recebem dólares, que apenas valem enquanto o mundo estiver convencido do seu valor. A partir do momento em que o esquema for claro para muitos, o risco de se possuir dólares será considerável. 

Porque, nessa altura, os dólares, que circulam pelo mundo fora, irão regressar aos EUA, onde produzirão uma hiperinflação e - mesmo - a falência do próprio Estado, visto que o Tesouro não poderá colocar sua dívida, senão a juros tão elevados, que serão impossíveis de suportar pelo Orçamento Federal. Então, será o colapso.

São as consequências deste paradoxo que a classe dos super-ricos quer evitar a todo o custo... mas, através de truques de magia, como o «Great Reset» e o seu cortejo de ideias mal cozinhadas, dos patrões de Davos...

Mas, a realidade é sempre mais forte: 
Se não acreditamos no «movimento perpétuo», nem na «quadratura do círculo», porque havemos de crer que, pelo facto das divisas se tornarem exclusivamente digitais, se resolverão os problemas da economia real, ou seja, a produção e a  justiça da repartição?

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

A VERDADEIRA LIÇÃO DO TITANIC E O FALSO «GRANDE RESET»

                             
Charles Hugh Smith é um autor prolixo, tendo editado vários livros sobre matérias económicas e relacionadas, além do excelente blog «OF TWO MINDS». O presente escrito tem como ponto de partida o notável artigo: The Titanic Analogy

No entanto, não irei aqui repetir os argumentos do autor acima citado, convidando os leitores a lerem o original, porque o meu objectivo é de por em evidência a futilidade das «medidas» que têm sido tomadas no campo das políticas monetárias, ao nível global. 

Com efeito, o «rearranjo das cadeiras no convés do Titanic, depois da colisão», analogia frequentemente usada para evidenciar a futilidade de certas medidas perante a avassaladora dimensão da crise que se está a abater - neste momento - sobre a economia mundial, é por demais apropriada, infelizmente.

Considere-se o facto das «elites» no poder (não apenas os governos, como bancos centrais, as organizações internacionais e regionais), nos quererem convencer que as medidas que estão implementando ou que preconizam vão ter uma real implicação no contexto de uma crise sistémica, como a presente.

Só para colocar em perspectiva a ilusão e futilidade das suas «medidas», consideremos a questão da digitalização das moedas (ou, pelo menos, as mais usadas para as transacções internacionais):

A digitalização vai resolver para eles - banqueiros e governos - o problema da «fuga» à visibilidade de transacções directas entre indivíduos. Ela ocorre, pelas razões mais diversas. Longe de ser veículo principal de transacções criminosas ou ilegais, a grande maioria das trocas em «papel-moeda» é do domínio da «economia informal». O canalizador que não entrega factura de uma reparação, se o cliente não a pede; o pequeno agricultor que vende à beira da estrada os seus legumes e frutas, etc. conseguem sobreviver, mas o seu negócio deixa de ser rentável no momento em que as transacções passam a ser digitais. 

Na realidade, esta economia dita informal é vital e será fortemente afectada, mormente nos países pobres, chamados do Terceiro Mundo, onde nem sequer existe cobertura de energia eléctrica em todo o território e onde nas cidades a quantidade de interrupções do fornecimento eléctrico inviabiliza o uso - na prática - de equipamento electrónico.

Ora, o «Grande Reset» que nos querem impingir, tem como medida emblemática a digitalização absoluta das divisas. Nas economias mais afluentes, calcula-se que mais de 70% das transacções são efectuadas sem utilização de dinheiro físico. Das quantidades totais transaccionadas, a parte da utilização de dinheiro físico tem diminuído nos últimos anos. Como medida indirecta desse fenómeno, pode-se observar a cada vez maior percentagem de comerciantes que aceitam cartões como pagamento, assim como a estagnação do número ou diminuição de caixas automáticas, para levantamento de dinheiro em notas. Portanto, o público está familiarizado com a digitalização do dinheiro, a sua utilização quotidiana mostra-o. 

Mas, a perversidade desta mudança reside noutro ponto...

Com efeito, têm sido feitos estudos, no FMI e noutras instâncias, sobre o efeito que teria a utilização de juros «muito» negativos (juros de -5 , -6 ou -7%) nas contas bancárias. 

Este princípio de cobrar juros aos depositantes, tem como razão primeira a impossibilidade da banca comercial ser rentável com a estrutura geral dos juros que tem sido levada a cabo. Os juros directores - que comandam os restantes juros - estão num ponto de quase zero. Nesta situação, é impossível os bancos comerciais obterem rentabilidade real de operações de empréstimo. Para colmatarem isso, os bancos têm feito uma política de cobrança de taxas, pelos mais diversos serviços; estas, são vistas pelo público como extorsão, pois as operações são hoje automáticas: na imensa maioria, não envolvem trabalho humano de qualquer espécie. 

Os bancos centrais querem empurrar as pessoas a consumir e não a fazer quaisquer poupanças. O «mantra» de que é preciso «estimular» a economia, para que ela tenha uns 2% de inflação anual, é a política decorrente de empréstimos, sem conta e medida, sem haver qualquer correspondência do lado dos bens e serviços produzidos. Devido a essa política, os Estados (as empresas e indivíduos também) estão metidos num ciclo vicioso. As economias do «mundo ocidental» estão cada vez mais enterradas em dívidas, que já são - em muitos casos - dívidas não cobráveis. Os Estados já estão na espiral descendente de terem de pedir mais e mais emprestado para cobrir os juros das dívidas que contraíram. Este comportamento insustentável verifica-se numa maioria dos países «ocidentais». 

O incentivo constante a gastar, a não poupar, tem efeitos nefastos, também, nas famílias: em certos países, uma grande parte não possui capacidade de acorrer a qualquer pequeno imprevisto. Um estudo recente indicava que 40% das famílias, nos EUA, não dispunha sequer de uma soma de 500 dólares em caso de imprevisto. Mas, na economia dos países também tem efeitos graves, pois é das poupanças acumuladas que se forma a massa de capital necessária para os empreendimentos, investimento produtivo e reprodutivo. Também aqui, a renúncia em estimular o comportamento de poupança das pessoas, por um lado e, por outro, o constante comportamento despesista por parte dos Estados, conduz inevitavelmente ao aumento de impostos. Estes são uma punção à economia real, é dinheiro quase todo usado em despesas e muito pouco em investimentos, que trariam aumento de riqueza.

Assim, com dinheiro digital a 100%, a economia real não vai sofrer nenhum impulso. Vai tornar-se imperioso gastar todo o dinheiro que se ganhou. A formação de poupança nas famílias não irá ocorrer. Não haverá dinheiro disponível para investimento. Entretanto os bancos ficarão aliviados, pois poderão impunemente fazer uma punção periódica nos salários e pensões, sem qualquer problema. Será exactamente tão fútil e perverso como a preocupação do comandante do Titanic, em impedir que a "ralé" da terceira classe se misturasse com os da primeira. 

O investimento produtivo, feito pelos Estados ou pelas empresas, esse sim, seria o caminho para se desfazer o ciclo vicioso. Seria o caminho da responsabilidade monetária, onde não houvesse possibilidade de traficar o valor do dinheiro. A inflação é a salvação dos governos, porque  ficam obrigados a pagar o mesmo, mas - de facto - essas quantias em dívida (e os próprios juros no caso de taxas fixas) vão sendo cada vez menos expressivas. Historicamente, demonstra-se que os governos, em situações de aperto, recorrem à impressão monetária. Mas, esta impressão não pode ocorrer, sem que seja muito óbvio o jogo, se houver um padrão ouro. Por isso, os governos não gostam dele. Porém, o padrão ouro funcionou muito bem internacionalmente e foi o garante da estabilidade monetária de 1815 (fim das guerras napoleónicas) até 1914 (rebentar da Iª Guerra Mundial), para falarmos apenas dos tempos mais recentes em que havia papel-moeda em circulação. Só a política económica e monetária keynesiana, que tem tido um papel hegemónico nos governos, nos bancos centrais e noutras instituições do mundo «ocidental», tem levado o sistema monetário e económico para este território de constante aumento descontrolado da massa monetária. 

Muitos dos problemas económicos actuais decorrem da visão neo-liberal, keynesiana, que tem dominado: desde o endividamento, a desorganização da produção, até à guerra monetária e comercial, com o risco real de guerra  física em larga escala.


PS1: O Guia para o Grande Reset de James Corbett fornece  muitas pistas para compreender o que se está a passar.