terça-feira, 8 de julho de 2025

ESCOLHAS POÉTICAS: «O Barco Encalhado» [OBRAS DE MANUEL BANET](*)


Navegando ao longo de costa rochosa, avistei um dia os escombros dum barco encalhado.

Perguntei ao piloto do meu navio se tivera notícia dalgum naufrágio, nos tempos mais recentes.

Ao que ele me respondeu: "Não, Senhor. Este deve ter encalhado há bastante tempo."

O casco de madeira apodrecida, negra, era colonizado por lapas e mexilhões; carangejos pequenos corriam à superfície.

A carcaça em decomposição ainda exibia, no centro, um fragmento de mastro; como um braço erguido para o céu .

A vida borbulhava nos seus destroços, como num cadáver de cetáceo morto que dera à costa.

Este, lentamente, é descarnado pelas brigadas de criaturas oceânicas até nada mais restar senão o esqueleto.

A visão daquele esquife imóvel no meio de rochedos bravios, lentamente devorado pelo exército voraz dos mares...

Fez-me pensar...

A cena apareceu-me como perfeita analogia das construções intelectuais que navegam na sociedade, como navios nos oceanos.

As construções defeituosas não vogam até muito longe. As correntes arrastam-nas, metem água e acabam por naufragar!

Depois, seus destroços presos nos rochedos, sob as furiosas vagas, ficam desconjuntados, irreconhecíveis.

Por fim, o que resta do navio, desfaz-se; só alguns pedaços a boiar, ou nem isso. O que sobra, vai para as profundezas.

Ninguém advinha que ali se ergueu um orgulhoso navio. Da praia ao horizonte, o mar permanece tão vazio como no começo do Mundo.

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(*) Ao meu amigo, Maximiano Gonçalves e, geralmente, a todos os outros amigos.  Com eles, consigo melhor enfrentar as realidades mutáveis do presente.

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