Fecha os
olhos e deixa-te ir.
Assim que
estiveres a vogar no oceano dos sons, verás as paisagens interiores. As tuas
visões são intransmissíveis, mas o som que emana desta flauta é profundamente
inspirador. As defesas do Eu consciente são abaixadas, suavemente, não
violentamente, com pleno consentimento e adesão do nosso espírito.
Estamos em
cima do dorso de um elefante, que se desloca num pantanal, com aquele passo
paciente, tão embalador.
O pantanal é
em si mesmo um lugar mágico; as estruturas sólidas dissolvem-se, como um amplo
palácio que se dissolve no nevoeiro. As estruturas sólidas desaparecem e dão
lugar a fluidos mais ou menos viscosos, escoando, lentos pelos interstícios da
nossa memória.
Os sons,
líquidos, esgueiram-se e jogam com os nossos sentidos; porém, estão sendo
produzidos numa redoma de realidade superior. Os avatares de toda a minha
orquestra interior estão atentos a cada pulsação, a cada movimento, a cada
intenção de gesto. Estão em sintonia com a paisagem sempre em mutação do
pantanal, visto do dorso de um paciente elefante.
O leopardo
está atento, à escuta entre os troncos de mangais. Os leopardos estão no seu
território. Eu é que sou o invasor. Mas eles também sabem que não têm nada a
temer, porque o invasor está bem visível, não se esconde, não é outro predador
que procura, numa emboscada, caçar a presa.
Algumas aves
pernilongas, com bico recurvo, estão nas margens, dançando uma estranha ronda.
Suas asas batem na superfície aquática e espalham colares de pingos
cristais em torno. Creio que estão fazendo uma dança nupcial. Ou um ritual
antigo da água. Estão a celebrar o deus das aves: afirmam seu território, sua
geração, sua divindade.
Tenho em
frente de meus olhos um poente, que nunca mais se transforma em noite. As muitas
cores estão cambiando as nuvens e as superfícies de água numa sinfonia.
Imagino-me dentro duma concha, contemplando o nacre, as paredes da concha, o
irisado, as flutuações de cores e as cintilações, que brincam nos nossos olhos.
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