Num subterrâneo mundo, onde as águas são iluminadas por debaixo,
vogam algumas canoas com misteriosos movimentos ondulantes, muito suaves. Tudo
o que se pode entrever do local é adivinhado aquando de brevíssimos clarões
azulados, que mostram instantâneos de cenas petrificadas.
Homens nus
reclinados, com a cabeça rapada, deixam-se transportar nas canoas. Estas
movem-se sem nenhum gesto de seu passageiro. Cada canoa acosta, sucessivamente,
a um pequeno cais. Aí, mulheres muito belas, nuas, vistas de costas, entram
sucessivamente, uma em cada canoa. Afastam-se e perdem-se as suas silhuetas no
fundo da gruta, que é afinal um rio subterrâneo, que serpenteia por debaixo da
terra, silencioso.
Agora estou numa dessas barcas. Ela dirige-se a uma abertura
ao longe, enquadrada pela vermelhidão de archotes. O rio subterrâneo desemboca
numa enseada. Observo a paisagem calma da noite com estrelas e sem luar. Oiço
claramente o ruído suave da onda a lamber a areia da praia. O vai e vem da maré
deixa um rasto fosforescente, desenhando um contorno sempre em mudança a cada
ondulação levemente esboçada no limiar das águas.
Os vultos que caminham desde
umas rochas a uns duzentos metros, vão-se aproximando do ponto onde me
encontro. Todo o grupo está silencioso, apenas se ouve o ruído do chapinhar da
água ao nível de seus calcanhares, pernas, coxas e por fim, mergulham, num
deslizar calmo. Nadam longamente, mas a uma distância curta do ponto onde estou.
Emergem por fim e aproximam-se da praia, fosforescentes, corpos esplêndidos,
bem proporcionados, apenas se distinguindo o seu contorno. Tudo é magnífico e
nada assustador. Estes corpos espectrais passam perto de mim, mas sem notar-me.
O sonho deixa-me uma sensação de alegria serena; estou envolto
num halo de luz e contemplo o céu estrelado, com profunda gratidão.
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