Deixou repousar em
cima do peito o livro que estava a ler; fechou os olhos. Sentia um agradável
torpor, embalado pela música de J. S. Bach
Neste estado, as
imagens que lhe apareciam diante do espírito e sobretudo os sentimentos no seu
peito, o transportavam para o êxtase:
Uma luz difusa
fazia rebrilhar miríades de partículas de poeira doirada. Uma pulsação rítmica
movimentava o tronco do sonhador, era o movimento do cavalo dócil, que se
transmitia ao cavaleiro. Um jovem, no meio de uma orquestra de músicos
empoados; estava entoando uma pura melodia jamais ouvida antes.
(Tudo era
estranho, justamente por tudo lhe parecer familiar. Até o gato do vizinho se
imiscuíra no sonho, com os seus movimentos circunspectos, cautelosos…)
Sobretudo, a
estranheza era devida à impossibilidade de decidir onde se encontrava: se no
seio da música de Bach, se no conforto do seu estúdio ou se no universo dos
sonhos… Talvez estivesse nesses três universos em simultâneo. Era a alegria metafísica
que o invadia, que o impulsionava a subir aquela escada de luminoso cristal que
se erguia pelos céus em arcada, num majestoso arco-íris. O livro que tinha
estado a ler, porém, não estava relacionado com tal visão. Embora não se saiba
o conteúdo exato do mesmo, sabe-se que era de bioquímica. Com efeito, no campo
dos sonhos onde evoluía, bailavam várias espirais caprichosas de proteínas,
enroladas em torno de eixos invisíveis, em tons de vermelho, roxo, castanho e
azul-escuro. Deslocavam-se, rodavam e pulsavam ao ritmo da música. Por vezes,
aproximavam-se umas das outras, ou se afastavam como galáxias no Universo.
[Depois, mergulhou num torpor
profundo e sua visão esfumou-se rapidamente.]
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