quinta-feira, 7 de novembro de 2019

FALSA EDUCAÇÃO E NEO-COLONIALISMO

Ouvir histórias verídicas, passadas no sistema escolar, contadas pelas próprias pessoas que as viveram, custa-me. Mas não tenho dúvida de que as pessoas que as contam (quando adultas), sofreram traumas, enquanto crianças ou adolescentes. 
Pergunto aos meus botões ...«como é possível»? 
- Como é possível haver pessoas que fazem coisas assim a crianças indefesas? Como é possível haver uma instituição «cega» em relação aos comportamento de certas pessoas, funcionários da sua instituição, só reagindo quando as situações se tornam demasiado conhecidas, em que já não é possível «abafar» o escândalo?
A escola de hoje é uma espécie prisão onde as crianças e adolescentes são torturados de todas as formas, para se transformarem, algumas, em monstros torturadores de professores, funcionários e progenitores, num ciclo vicioso sem fim. 
Nada do que, supostamente, as crianças e adolescentes «aprendem», fica; pelo menos, nada daquilo que seria suposto ficar. 
O ensino é mera «decoração», no sentido de «decorar» textos, quase sempre sem apreender nada do seu real significado, para logo em seguida os esquecer. 
Mas também, «decoração», como se «decora» um apartamento, com mobílias, com bibelots, etc. Também neste sentido, é algo efémero, nada que fique para «a vida». É como o «décor» que se coloca no palco para uma peça de teatro.
Por estes motivos, tenho vindo a alertar para a necessidade de se subverter a ideia-feita de que a «educação» é sinónimo de progresso, de fornecer ao indivíduo instrumentos para ele se poder desenvencilhar na vida. Este é sempre o grande (pseudo) argumento dos arautos do sistema. 
Mas, estão a distorcer completamente - com fins de propaganda - a realidade nua e crua!
Pois a escola tornou-se, em geral, uma antecâmara para o insucesso na vida. 
As pessoas que colocam a ambição dos seus filhos e filhas em determinada carreira lucrativa, em geral exigindo estudos difíceis e exigentes (sob todos os pontos de vista, também tempo e dinheiro), estão a criar neles frustração para a vida inteira. 
Até mesmo isto se passa com os chamados «muito bons» alunos: acontece que há imensos casos de jovens que chegam ao segundo ou terceiro ano dum curso de medicina ou engenharia, desencantados. Muitos, prosseguem apenas por obrigação, sem entusiasmo; outros, têm a coragem de dizer «afinal não era nada disto que eu queria» e abandonam esse curso. 
Note-se que estamos a falar dos tais 1% ou 0.01%, que viram o seu «sonho» (ou o dos pais) realizar-se e entram para o almejado curso superior, que iria conferir prestígio social e um posto de trabalho e um rendimento, confortáveis, seguros!!!
A imensa maioria dos alunos acaba por não ficar com uma formação-base, com pés e cabeça, com alguma empregabilidade, quando teoricamente deveriam ter idade para se bastar a si próprios. 
Muitos, vão para cursos que não desejaram e para os quais não têm apetência real, apenas desejam ter um «dr.» ou «eng.» apenso ao seu nome. A chancela de diplomado no ensino superior seria a «porta de entrada» nas classes médias superiores, segundo o imaginário das multidões, apenas. Este preconceito está arreigado na generalidade das pessoas, na altura em que isso deixou de ser assim. 
Do ponto de vista económico, as sociedades imbuídas de elitismo, produzem grande número de desempregados de longa duração. Muitos destes não são contabilizados, porque «frequentam um curso superior». Outros, têm frequência de cursos superiores com especializações que nunca irão exercer na vida activa. Por fim, uma minoria de licenciados ou mestrados, encontra empregos correspondentes à sua formação académica. E, destes poucos, em boa justiça, seria preciso descontar os que exercem docência, em qualquer nível de ensino, porque manter esta função docente, é condição para perpetuar o próprio sistema. 
Do ponto de vista humano, as coisas não são mais positivas. As múltiplas patologias - as depressões, o bullying ou assédio, o burn-out ou exaustão, etc...-  relacionadas, a um ou outro nível, com insucesso escolar e profissional, seriam demasiado complexas para serem descritas em alguns parágrafos. 
São, porém, uma carga de sofrimento humano, que se estende a toda a sociedade. Esta, está «cega» a tais patologias. Elas são vistas como se fossem primariamente culpa do indivíduo e/ou dum conjunto muito particular de circunstâncias. O célebre reflexo de «enterrar a cabeça na areia» é aquilo que mais se vê. Poucas são as pessoas situadas em postos de responsabilidade e decisão que tentam abordar de modo sério as diversas patologias decorrentes da organização da nossa sociedade.

O pior, é a sociedade e o poder político resignarem-se a este estado de coisas. O primeiro passo deveria ser a classe média aceder ao grau de consciência do que está a suceder, para - ela própria- exercer pressão sobre o poder político e empresarial, por forma a que tal estado de coisas evolua. Para que não se perpetuem estas aberrações, de geração em geração!

Algo de alternativo aos diplomas superiores deveria existir e funcionar, neste país. Não seria algo inédito ou estranho, pois existe noutros países: sistemas de «creditação» fora dos percursos clássicos. Isto deveria ser tentado seriamente: a importância da formação na empresa, como meio de proporcionar aos indivíduos formas de acesso ao emprego com remuneração digna e de acordo com as suas capacidades e expectativas e de proporcionar às empresas as modalidades de formação em recursos humanos adequadas à sua actividade. A fluidez de percursos académicos e profissionais deveria ser muito maior. 
Não se compreende que não exista uma planificação flexível, ao nível do Estado, das Autarquias, das Universidades, estabelecendo prioridades e quantificando necessidades. A não ser que isso seja visto como sintoma típico dum país neo-colonizado, mas simultaneamente com veleidades de país «rico». 
Portugal dá-se ao «luxo» de não gerir seus recursos humanos em múltiplas áreas... se exceptuarmos algumas empresas ditas de «ponta», algumas multinacionais. 
O «material humano» é o mais precioso bem que se tem numa sociedade, mas os nossos dirigentes ignoram isso, não se importam que este país seja exportador líquido de «cérebros», nomeadamente para outros países europeus ....

Se as pessoas avaliassem os dirigentes (na política, na instituição escolar e universitária, no meio empresarial, etc.), não por aquilo que eles proclamam, mas por aquilo que fazem, efectivamente, talvez as coisas pudessem correr melhor para Portugal e os portugueses.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

DANÇA RITUAL DO FOGO - MANUEL DE FALLA


Direção e Coreografia: Carlos Saura e Antonio Gades. Música: Manuel de Falla. Voz: Rocio Jurado

Do filme «El Amor Brujo», uma bela apresentação de flamenco dos bailarinos Antonio Gades e Cristina Hoyos

terça-feira, 5 de novembro de 2019

A VERDADE... CONVENIENTE OU INCONVENIENTE ?

                                        Image result for DIANA JOHNSTONE: The Lynching of the Charismatic Geek

Este título ocorreu-me por eu ter lido um artigo de Diana Johnstone sobre Julian Assange. 

Ele é o símbolo contemporâneo das pessoas que, sujeitas a enormes pressões de toda a espécie não vergam, não cedem, não se deixam seduzir pelos cantos de sereias, mas simplesmente dizem ou escrevem o que sabem, cientes de que é seu dever tornar público os dados que permitirão as outras pessoas fazerem os juízos próprios sobre quem anda a mentir, como é que as coisas realmente se passam, sobretudo como é que os poderosos cozinham as suas narrativas para encobrir os seus (muitos e muito grandes...) crimes.

O caso Assange tem para mim um outro significado, o de me desabituar definitivamente de julgar as pessoas com base nas suas declarações de princípios, esses princípios tão bonitos, tão generosos, mas que logo sofrem um «entorse» assim que o interesse de quem os profere está em jogo. 
Por outras palavras, são igualmente abundantes os hipócritas nas fileiras das diversas ideologias, sejam elas de extrema direita ou esquerda,  ou moderados, centristas, liberais, socialistas, etc. 
Digo isto porque os que costumam mascarar-se em arautos da verdade, em cavaleiros da justiça, etc. são os que logo viram a cara, e fingem que não sabiam aquilo que se está a passar com Julian Assange. Todos sabem -porém - que é o equivalente a um assassinato a sangue frio, a uma lenta e cruel asfixia. Mas Julian Assange e Chelsea Manning são sujeitos a estes longos e penosos sofrimentos, porque tiveram a coragem de desmascarar as crueldades, os crimes, as corrupções, dos poderes: de todos os poderes, por mais que a media prostituta diga o contrário, por mais que tentem colar-lhes a etiqueta de «agentes encobertos da Rússia de Putin», ou de «inimigas do Ocidente».

A media está envolvida no encobrimento de crimes dos Estados, para isso usando todas as técnicas de condicionamento. Uma forma é a saturação com conteúdos triviais, que provocam a relativização de todas as notícias ou informações que chegam à cidadania e à qual esta responde com indiferença. 
Outras técnicas consistem em adjectivar dando conotações, em reproduzir acriticamente o discurso oficial, em perpetuar a «verdade» oficial. 
A inclusão de algum noticiário não elogioso, mas não pondo em causa, no essencial, o poder instalado, dá a «cobertura» de respeitabilidade, permitindo que os ingénuos sejam mantidos na convicção de existir «objectividade» dos media. 
Quando determinado acontecimento é demasiado difícil de enquadrar dentro da narrativa oficiosa e dos media do poder, então das duas uma: ou a posição dos críticos do poder é distorcida até à caricatura, sendo depois apontados a dedo, ou se faz «black-out» (ocultação total): se não está noticiado em nenhum meio de comunicação de massas, então, «não existe»... 
Não creio que o regime de controlo da informação e das pessoas seja grosseiro, nem que se esgote com os exemplos acima dados: pelo contrário, usa duma enorme carga de ciência psicológica e sociológica por detrás do cenário, tem imensa energia investida em torná-lo credível para a grande maioria do público.  

É verdade que o público já estava sujeito a um condicionamento prévio, por anos de doutrinação disfarçados de «educação» (seja em escolas públicas ou privadas, tanto faz, pois o efeito é o mesmo!). Mas o seu reforço constante é absolutamente essencial para manter a ilusão «matrix», da narrativa do poder. 

Voltando ao nosso assunto inicial; Assange e o artigo de Johnstone... Se há uma coisa que o poder não tolera e não perdoa é «lançadores de alerta» mostrarem a realidade por detrás da ribalta, desfazendo toda a roupagem de mentiras constantemente envergadas pelos porta-vozes do poder e reforçados, confirmados com as pseudo-informações mediáticas, que na realidade são instrumentos de propaganda, apenas. 
Como é evidente, por mais que pessoas isoladas ou pequenos grupos de idealistas tentem «furar» este «ecrã de fumo», que se interpõe entre a realidade e as pessoas comuns, tal não irá acontecer em tempos «normais». 
Será preciso uma crise profunda, que abale as estruturas de poder, que desfaça as alianças «santas» ou «espúrias» entre os vários actores, sobretudo que a grande massa da população compreenda finalmente -depois de ter sido espoliada - o que têm feito com ela, durante tantos anos. Quando atingido este ponto, será impossível manter as aparências, pois a realidade irromperá na vida de milhões. Será a própria vida a romper a cortina nas suas mentes, essa cortina que impede milhões de pessoas de ver, de compreender. 

MANLIO DINUCCI: «04-11, ver Nápoles e depois morrer»

                         
RETIRADO DE:
 https://nowarnonato.blogspot.com/2019/11/pt-manlio-dinucci-arte-da-guerra-4-de.html

Nápoles, e não Roma, foi ontem, o centro do Dia das Forças Armadas. No Lungomare Caracciolo, desfilaram 5 batalhões. Mas o ponto alto foi a área de exposições das várias Forças, que atraiu durante cinco dias, para a Piazza del Plebiscito, sobretudo, jovens e crianças. Eles puderam embarcar a bordo de um caça, conduzir um helicóptero com um simulador de voo, admirar um drone Predator, entrar num tanque, treinar com instrutores militares, para depois ir ao porto visitar um navio de assalto anfíbio e duas fragatas de mísseis. Uma grande «Feira da guerra» criada com um propósito específico: o recrutamento.
70% dos jovens que desejam alistar-se, vivem no sul, especialmente na Campânia e na Sicília, onde o desemprego juvenil é de 53,6%, em comparação com uma média da União Europeia de 15,2%. O único que lhes oferece uma ocupação “segura” é o exército. No entanto, após as selecções, o número de recrutas é menor do que o necessário.
As Forças Armadas precisam de mais pessoal, pois estão envolvidas em 35 operações em 22 países, desde a Europa Oriental aos Balcãs, desde África ao Médio Oriente e à Ásia. São as “missões de paz” efectuadas, sobretudo, lá, onde a NATO sob o comando USA fomentou, com a participação activa da Itália, as guerras que demoliram Estados inteiros e desestabilizaram regiões completas.
Para manter as forças e os armamentos adequados - como os F-35 italianos enviados pela NATO para a Islândia, mostrados pela Rai em 4 de Novembro - são gastos na Itália, com dinheiro público, cerca de 25 biliões de euros por um ano. Em 2018, a despesa militar italiana aumentou do 13º para 11º lugar no mundo, mas os USA e a NATO pressionam para um aumento adicional, em função, sobretudo, da escalada contra a Rússia.
Em Junho passado, o governo do Conte I “desbloqueou” 7,2 biliões de euros para adicionar à despesa militar. Em Outubro passado, no encontro do Primeiro Ministro com o Secretário Geral da NATO, o governo do Conte II garantiu um compromisso de aumentar a despesa militar em cerca de 7 biliões de euros a partir de 2020 (La Stampa, 11 de Outubro de 2019). Assim, está a passar-se de uma despesa militar de cerca de 70 milhões de euros por dia para cerca de 87 milhões de euros por dia. Dinheiro público subtraído aos investimentos produtivos fundamentais, especialmente em regiões como a Campânia, para reduzir o desemprego a partir do desemprego juvenil.
Bem diferentes são os “investimentos” feitos em Nápoles. Ela adquiriu um papel crescente como sede de alguns dos mais importantes comandos USA/NATO.
- Em Nápoles-Capodichino, existe a sede das Forças Navais USA, na Europa, sob as ordens de um almirante americano que comanda, ao mesmo tempo, as Forças Navais dos EUA para a África e a Força Conjunta Aliada (JFC Nápoles), com sede em Lago Patria ( Nápoles).
- A cada dois anos, a JFC Nápoles assume o comando da Força de Resposta NATO, uma força conjunta para operações militares na "área de responsabilidade" do Comandante Supremo Aliado na Europa, que é sempre um general USA, e “para além dessa área”.
- No quartel general de Lago Patria, está em função desde 2017, o Hub da Direcção Estratégica para o Sul, um centro de inteligência/serviços secretos, ou seja, de espionagem, concentrado sobre o Médio Oriente e sobre África.
- Do comando de Nápoles depende a Sexta Frota, com base em Gaeta, que - informa a Vice Almirante USA, Lisa Franchetti - opera “do Polo Norte ao Polo Sul”.
Esta é a função de Nápoles no âmbito da NATO, definida pelo Presidente Mattarella, na mensagem de 4 de Novembro: "Uma aliança para a qual escolhemos livremente contribuir para a tutela da paz no contexto internacional, para a salvaguarda dos mais fracos e oprimidos e dos direitos humanos”.

il manifesto, 5 de Novembro de 2019

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

sábado, 2 de novembro de 2019

MAX KEISER: CHINA VAI REVELAR SUAS RESERVAS EM OURO


Não apenas a China tem 20 mil toneladas de ouro (e não as 2 000 toneladas oficiais) e vai revelar isso publicamente, como se prepara para o lançamento de uma moeda digital* indexada ao ouro!!!
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Um Yuan indexado ao ouro é já praticamente existente, quando se pensa na recentemente lançada nota de crédito em yuan, que já é usada em trocas comerciais, sendo estes yuan utilizáveis para comprar ouro no SGE (Shangai Gold Exchange) - a bolsa de ouro (físico) de Xangai. A nota de crédito pode beneficiar da tecnologia «blockchain», facilitando as trocas comerciais. Não é difícil de imaginar que este yuan digital vai ajudar a destronar o dólar do comércio internacional, visto que permite a convertibilidade do yuan em ouro, o que não acontece com o dólar.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

[OBRAS DE MANUEL BANET] ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO (versão integral, corrigida)

                           

                     ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO

            
         
[parte I]


Por vezes, a mente é levada a construir complexas construções, as quais se apoderam do próprio funcionamento do indivíduo. A sua consciência é auto-adormecida, pela falsa evidência, aparência, ou ilusão, de que a realidade que o cerca se conforma ao modelo interior, por ele construído. 
Por outras palavras, temos a tendência - forte e generalizada - de interpretar as informações, tanto o que nos chega pelos sentidos, como o que entra pela via do «universo medio-cognitivo», duma maneira que se encaixe no modelo interior que construímos (não conscientemente) do mundo e de nós próprios.
Quando nos deparamos com evidência de que assim é (como escrevi acima) e, sobretudo, que o nosso ponto de vista não pode ser senão o ângulo subjectivo do indivíduo, que interpreta as coisas de acordo com a sua conveniência, podemos ser tentados a adoptar uma postura cínica, como: «se as coisas são assim, então irei fabricar a minha narrativa do real, de acordo com a minha conveniência».
Mas, a narrativa do real, não é o real. O real está para além do alcance da mente humana, não porque não exista... nem porque a mente humana seja conceptualmente deficiente para alcançar tal conhecimento. 
- Não, a impossibilidade de ver o real é ontológica. 
É o que nos transmite o Koan seguinte: 

«os olhos não podem ver-se a si próprios.» 

Dirás: «mas os meus olhos, que se reflectem no espelho e dos quais vejo a imagem, são reais, pois os fluxos de ondas luminosas que chegam aos meus olhos, o são ... 
Para lá da explicação imediata, de que os olhos não podem ver senão o reflexo (ou seja, ondas luminosas) ao espelho, de si próprios.... devemos ter em conta que o próprio tecido do real é composto de uma grande complexidade. 
Estaremos convictos de que «vemos» algo, que os olhos não nos estão a enganar, no instante preciso em que estamos a sofrer uma ilusão. 
Além disso, a realidade física, as leis da reflexão dos objectos num espelho, a luz que incide e é reflectida, o modo como isso acontece, etc...existem, mas, também elas não proíbem que determinados parâmetros variem, e isso fará com que o observador interprete - de modo erróneo - uma determinada imagem. 
Deve-se ler a discussão acima, não meramente no sentido literal, mas também metafórico: compreendemos que estamos permanentemente a nos enganar a nós próprios, com os «olhos da mente» coloridos por lentes, de cores diversas, como um caleidoscópio que varia, consoante nossos estados internos.
Poderia desenvolver e ilustrar longamente o que acima delineei, mas peço ao próprio leitor para fazê-lo, reflectindo, recorrendo a memórias da sua experiência pessoal, ao que tem ocasião de observar no mundo que o rodeia. 
Assumindo pessoalmente os pressupostos acima, como é que eu me poderei libertar desta «teia», desta «matrix», que me impede a ver o real sem «filtro», sem as ilusões de «óptica» decorrentes da minha própria pessoa? 
- Fará sentido procurar «sair de mim próprio»? 
- Será que posso me desdobrar em «observador do real» e «observador do observador do real» ... num jogo de espelhos sem fim, até ao infinito? 
- Não será melhor eu assumir que - faça o que fizer - estarei sempre imerso nesta matriz, neste vai e vem entre o mundo real e a minha percepção do mesmo, a qual não é mecânica, nem automática, mas sim uma construção?
O meu cérebro tende a procurar «fazer sentido» da informação, porque foi feito para isso, geneticamente. Também foi treinado pela educação, reforçando este comportamento na vivência de todo o tempo de vida... 
Mesmo que tente descolar do realismo ingénuo - a realidade é «aquilo que vemos» - o certo, é que não comando as minhas pulsões, o meu «fundo animal», pelo que - no melhor dos casos, somente poderei «a posteriori», depois duma ocorrência, tentar compreender o que se passou. 
Também neste caso, terei necessariamente de recorrer às experiências passadas e ao armazenamento das mesmas na memória, não poderei raciocinar de outra forma, senão da maneira como me foi ensinado, condicionado, habituado a fazê-lo. Em qualquer situação, haverá sempre um subjectivismo irredutível, no centro da interpretação do que vejo.  

A consciência da não-distância ao real, da não-descolagem do personagem que observa, em relação à informação que lhe chega pelos sentidos (ou mecanismos cognitivos), poderá ser um princípio. 
Tendo em conta esta complexidade, não deverei ter a veleidade de saber tudo, nem de ter uma clara visão do que vejo. Terei uma grande prudência em relação aos meus juízos. Nomeadamente, de que sendo eu centrado, ancorado, na minha existência (e isto não pode ser de outro modo), não poderei abarcar a realidade numa visão global, como se fosse «Deus».
A impossibilidade de uma parte (nós) ter um total conhecimento e consciência do todo, no qual está incluída (o Universo), foi demonstrada matematicamente por Gödel, um dos mais brilhantes matemáticos do século XX.
Eu adopto a posição de um realismo prudente, não trivial, não «materialista», não ingénuo em relação à ciência, nem à sua ideologia (cientismo) que muitas vezes nela se esconde. 
Mas sou realista e reivindico esta minha opção, pois me parece ser a única que poderá alimentar uma abordagem saudável e construtiva dos problemas éticos, que se me deparam a cada passo.
Se falamos de ética e de consciência, estamos a falar de quê? 
- Estou a fazer algo pelo sentido do dever ou do prazer? 
- Estou a auto-avaliar a minha escolha, a minha acção, por valores que poderão ser adoptados pelo conjunto da sociedade e até do universo, ou estarei meramente a jogar com as palavras, para me «enganar» a mim próprio?
Muito poderia e deveria ser dito e escrito sobre estas questões, mas aqui irei apenas dar uma indicação de caminho:  A consciência de si e a noção do real, da realidade, são dois aspectos indissociáveis do «ethos» do indivíduo; tal pode também ser aplicado, com modificações, à ética social, à «moral pública».

[parte II]
                        
Quando me decidi a escrever algo do «sumo» da minha experiência, relativamente a questões que só superficialmente são tidas como do foro íntimo - a consciência, a autonomia do indivíduo, a responsabilidade individual e social - não estava querendo dar «lições de moral», mas antes motivado pelo desejo de arrumar - na minha própria cabeça - conceitos e experiências. 
Depois descobri que, ao arrumar este conjunto de questões, estava a tornar tudo muito mais claro, na minha mente. Este era um «fio de Ariadne» que me poderia conduzir, no futuro, para fora de situações embaraçosas e de constrangimento, como acontece nas vidas de quase todas as pessoas. 
Este «fio» talvez seja demasiado frágil e talvez apenas uma hipótese. Porém, se tal hipótese se confirmar, mesmo que só eu consiga recorrer a ele para sair do labirinto, já é muito.
Para si, leitor/a, isso significa que o/a leitor/a pode encontrar o seu próprio método, também! Não será isto uma boa notícia?  
As pessoas todas precisam de um «vestido aureolar», uma roupa invisível que proteja a nudez do seu ego. Elas deslocam-se na sociedade, exibindo esse traje, embora estejam nuas, face a alguém com o olhar ingénuo duma criança.
É curioso ver as pessoas imbuídas das suas roupagens e adereços, como se fossem personagens de teatro, ou de ópera. Serão elas capazes de descolar de suas próprias «representações teatrais», verem-se a si próprias e o papel que estão desempenhando?
- Os personagens da história (os monarcas, chefes militares, etc) construíram deliberadamente um «avatar» de si próprios, um ser mítico, que os súbditos adoravam, um símbolo, algo que não tinha realidade, senão na imaginação dos seus adeptos.
Assim procedem, igualmente, os «ídolos» do desporto, do cinema, da música pop, da política-espectáculo, enquanto manipulação hábil desse «vestido-aureolar». 
Do lado dos adeptos, do lado das massas, existe um desejo, não-satisfeito, de amor, de um amor impossível de satisfazer porque é o amor que uma criança com poucos meses de vida possui/recebe do seio materno, que o nutre e lhe dá tudo, calor, carinho, segurança, prazer. 
A nostalgia dos humanos pelo seio materno é universal. Aquilo que não é tão universal é um desejo sôfrego pela satisfação do retorno ao seio materno, mesmo que seja de modo totalmente simbólico, ou o mais  irrisório, até. 
Mas devemos compreender que em larguíssima escala, na sociedade, existe uma regressão infantil de certo número de pessoas. São estas pessoas com grande pulsão para «se entregarem», que procuram uma identificação com um ídolo. Elas colocam-se (interiormente) na postura do «bebé que mama o seio materno». Isto não deveria surpreender, pois estas pessoas não conseguem encontrar na sua vida - que, elas próprias desprezam - algo que supere a quase perfeita felicidade do bebé. É como uma droga, como a «soma» do romance de Aldous Huxley.  E a isto, pode chamar-se alienação.
Note-se que, quanto mais frustradas, mais se agarram à sua «droga» preferida: numas, pode ser  mesmo «droga» no sentido usual de substância aditiva. Noutras, pode ser a identificação com e adoração do ídolo. 
Tal mecanismo é patológico, na medida em que vai escamotear a realidade: o ídolo, não é assim na realidade, mas é essa a imagem retida pelos adeptos que o adoram. Além disso, o reforço constante da imago do ídolo, na media popular de massas, cria e alimenta em permanência, o mecanismo de identificação com ele: os adoradores recebem através da imago, um pouco de sua aura, do seu poder mágico, etc.
As pessoas podem estar de tal maneira reprimidas ou anuladas, que não têm a coragem - nem pensam sequer - de viver a sua vida, construindo os seus projectos, aceitando desafios, lutando pelos seus objectivos. Assim, um pequeno grupo consegue perfeitamente manter controlo das restantes pessoas, dominadas. A receita é simples e muito velha: 
- Fazer com que a imagem da(s) pessoa(s) dominante(s) coincida com um mito pré-existente, vestindo a mesma roupagem do mito, ou um pouco diferente, mas facilmente reconhecida pelas massas, o vestido-aureolar de que falei acima.
Mas, nada disto seria possível se não houvesse, profundamente, em todos nós, uma tendência genética, hereditária, para o gregarismo.
Esta tendência já está presente, antes do aparecimento dos humanos, no mundo animal, não sendo portanto uma contribuição original da evolução humana, mas antes uma herança ancestral, transportada pelos homininos, até a Homo sapiens e presente em todas as culturas humanas, passadas e presentes.

Irei desenvolver este tema no capítulo seguinte.



[parte III]



Nas espécies animais mais próximas da espécie humana do ponto de vista evolutivo, os grandes símios antropóides, a existência de comunidades estruturadas de modo muito idêntico, de geração em geração, reforça a noção de que existe uma determinação genética nos seus modos de se relacionarem e de se estruturarem em sociedade. 
Nos gorilas, a estrutura social é diferente da sociedade dos chimpanzés, e nestes difere grandemente da dos seus «primos», os bonobos. Porém, a distância genética entre eles não é muito elevada. 
Estão todos muito dependentes do grupo para a criação e integração dos infantes e dos jovens. A sociedade está estruturada de modo hierárquico e familiar nos gorilas, hierárquico e supra familiar nos chimpanzés e não hierárquico,  sexualmente promíscuo, nos bonobos.
A estruturação dos grupos pré-humanos - ou homininos - pode ser inferida pelos vestígios quer da anatomia, quer de restos arqueológicos, permitindo inferir a estrutura dos bandos, a partir de uma série de parâmetros. 
Mas, só podemos ter a certeza sobre os detalhes dos modos de organização social, na nossa espécie - o Homo sapiens - a qual terá cerca de 300 mil anos, segundo as descobertas mais recentes.
A estrutura familiar foi - em muitos casos- o único nível de complexidade que muitos humanos das épocas mais remotas conheceram.  Isto não invalida a existência de agrupamentos supra familiares, como os clãs ou as tribos, mesmo nas etapas anteriores ao «homem anatomicamente moderno». 
Porém, a estruturação das sociedades em conjuntos maiores é típica das épocas pós-paleolíticas: neolítico, calcolítico, idade do bronze, do ferro… Nas sociedades agrárias e pastoris iniciais, já existia uma hierarquia dos géneros, das idades, do poder e da riqueza. 
As relações eram, porém, quase sempre «cara a cara», havia um conhecimento directo dos chefes pelos súbditos e vice-versa. A complexidade crescente e o tamanho dos conjuntos humanos, veio trazer uma distância cada vez maior entre os dominantes e seus subordinados. Nas sociedades do paleolítico e do início do neolítico, aquele que se impunha pessoalmente como chefe do bando, do clã ou da tribo, seria quase sempre um homem forte e respeitado pela sua coragem e argúcia. 
Nas sociedades agrárias mais tardias, como no Egipto, a casta de sacerdotes dominava o poder, pondo e dispondo de monarcas divinizados. 
Irrompe, nas sociedades humanas, a partir de há cerca de oito mil anos, a religião organizada e de estado, um elemento decisivo de organização da sociedade. Nesta, o exercício do poder estava integrado na ordem cosmológica havendo, portanto, uma vinculação comum a esse poder, como emanado directamente da ordem divina. 
Só num período muito curto e recente a humanidade não esteve submetida a um poder patriarcal, autoritário, fortemente apoiado na religião. O restante, foi o período das sociedades pré-históricas (cerca de 300 mil anos), mais o longuíssimo período superior a 5 milhões de anos, em que os homininos se foram afastando do ancestral comum a estes e aos grandes símios. 
Claramente, isto mostra-nos que os comportamentos sociais têm uma profunda raiz na nossa história propriamente biológica. 
Também as formas de organização das sociedades humanas, ao longo da História e que antecederam a civilização contemporânea, mantiveram, de alguma forma, relação com este fundo comum da espécie.
Para inúmeras gerações, a questão central da vida não era a liberdade do individuo, mas a subsistência. O conseguir alimento suficiente para si e para os filhos, era a preocupação quase exclusiva de inúmeras gerações de homens e mulheres.  
A questão da submissão ao grupo ou gregarismo nasce dessa situação. 
Nunca foi fácil o ser humano ou hominino sobreviver. Nos primeiros milhões de anos, os homininos tinham de contentar-se com o que os grandes carnívoros deixavam das carcaças das prezas mortas por eles. 
Existem muitas indicações de que a humanidade (e as formas que a antecedem) vivia na carência ou no limiar desta, além de que eram muito mais frequentemente presas do que predadores: não faltam evidências disso, desde marcas de dentes de grandes carnívoros nos ossos fossilizados de homininos, até às composições isotópicas dos dentes, que nos dão uma ideia da composição da sua dieta. As estimativas da densidade populacional, correlacionadas com a abundância ou escassez de alimento, mostram uma humanidade no limiar da fome em vastos períodos históricos. 
Tem de compreender-se então o gregarismo como uma tendência forte, no ramo da evolução animal ao qual pertencemos. Forte, no sentido de ter havido muitas forças societais que favoreceram este comportamento, que até o reforçaram com dispositivos sociais (as castas, as classes, as ordens...) numa superestrutura ideológica.  Mas, as coisas são muito mais complexas, pois em simultâneo, surgem forças que se exercem no sentido contrário. Estou a referir-me à plasticidade do comportamento humano, que alguns assimilam ao livre-arbítrio, mas que - afinal - se pode resumir à capacidade de autodeterminação do indivíduo, em relação ao grupo no qual está inserido. Esta liberdade face ao grupo, obviamente, tem mais oportunidade de se exprimir e desenvolver numa sociedade onde exista uma certa abundância, ou onde os indivíduos não estejam tão constrangidos, tão dependentes do entorno social, para a sua simples subsistência. 
Os ideólogos do individualismo colocaram as liberdades e garantias individuais como direitos inerentes e inalienáveis de todos os humanos, claramente acima de quaisquer direitos de grupos. 
Os direitos humanos foram assim entendidos como coisa absoluta, independente das sociedades. Nalguns filósofos, foram tidos como independentes da contribuição dos indivíduos para as mesmas sociedades.
Porém, pouco tempo depois, a partir da segunda década do século XX, desenvolveram-se regimes totalitários, como o nazismo e o bolchevismo, em que o indivíduo era subordinado ao Estado todo-poderoso.  
As guerras e enormes destruições ocorridas conduziram ao Direito Internacional, aos princípios da ONU, à sua Carta e Convenções, aos organismos supranacionais. Infelizmente, todo o edifício está fortemente posto em causa pela própria utilização abusiva dos poderes dominantes, que violam impunemente esta legalidade internacional. 
O gregarismo é um mecanismo biológico e não adianta muito contrariá-lo. Mas, deve-se compreender que a manipulação deste gregarismo, que está na nossa biologia, é um dos ingredientes da propaganda ou das «relações públicas». Esta manipulação está integrada no âmago das nossas sociedades, condicionando de forma inevitável praticamente todas as pessoas. 
Através de mecanismos psicológicos infundem a ilusão nas pessoas de uma liberdade no consumo, na política, na religião, etc. Isto consiste, claro, num processo hábil de neutralizar as salvaguardas racionais e a verdadeira autonomia dos indivíduos, sem que estes tomem consciência disso. 
A questão da propaganda (ou «public relations») na sociedade contemporânea será tratada, em pormenor, na parte seguinte.   

[parte IV]                          

Na parte III desta série, propunha que nos debruçássemos sobre a questão da propaganda ou das relações públicas (PR = public relations), em conexão com o gregarismo; este foi seu fio condutor. 
Agora, na parte IV, é tempo de aprofundar o que afinal liga esse mecanismo largamente endógeno, o gregarismo, com algo que é - para todos os efeitos  - uma construção das sociedades.
A teoria da propaganda ou das «relações públicas» foi fundada e desenvolvida por Edward Bernays, um sobrinho de Sigmund Freud, mas depois dele um grande número de especialistas - psicólogos, sociólogos, etc. - foram acrescentando e refinando os conceitos. Se esta teoria foi inovadora no seu tempo (primeiras décadas do século vinte), ela não é mais do que a versão banal dos achados de Freud sobre o inconsciente, sobre as pulsões, enfim sobre a psicologia das profundezas, e a sua aplicação ao homem e mulher comuns, ao cidadão que cruzamos no quotidiano, com o objectivo de induzir um comportamento, que pode ser de consumir algo, mas também pode ter a ver com a escolha política ou outra. 
Noutro escrito detalhei bastante este aspecto, pelo que evitarei aqui repetir-me: o leitor poderá reportar-se ao artigo aqui, deste blog.
O que me interessa agora detalhar estas técnicas como meios de manipulação, que fazem com que as pessoas adoptem, em aparência, atitudes e mesmo valores que pensam ser próprios, resultantes de sua escolha, quando - na verdade - são induzidos e resultantes de um condicionamento. 
Qual a relação isto tem com a manipulação? 
Penso que tem tudo a ver, pois «manipulação» deve ser o termo apropriado para indução de certos comportamentos ou ideias, sem que haja consciência disso. 
Logicamente, os métodos abertamente autoritários, repressivos, estão excluídos da minha definição, embora, mesmo nestes sistemas políticos, os poderes possam recorrer à manipulação, para que as populações adoptem determinado padrão de comportamento. 
Neste caso, porém, existe uma secreta, mas real, consciência por parte de certo número de indivíduos dominados, de que tais comportamentos estão a ser forçados sobre eles, mesmo que eles não possam exprimi-lo. 
Mas, a propaganda ou o «public relations» consiste em algo muito diferente, pois as pessoas são levadas à ilusão de que escolhem fazer isto ou aquilo, que a sua escolha da máquina de lavar roupa é inteiramente racional, ou é inteiramente baseada numa avaliação que elas próprias fazem das suas características, como produto... Este exemplo é um bocado simplista, mas é intencional; mesmo nas questões mais subtis, afinal de contas, a propaganda infiltra-se, fazendo as pessoas acreditar que estão a raciocinar por elas próprias. Por exemplo, se lhes dão notícias que pintam a realidade de determinada maneira, só uma minoria consegue compreender um escrito ou discurso que venha negar a narrativa habitual e desmascarar os parâmetros «normais» daquelas notícias. Desta minoria, um número ainda menor estará capaz de ter outra forma global de encarar a política, sociologia ou economia. 
Igualmente, a chamada Educação tem muito mais de doutrinação, de amestrar, do que de educação, no sentido humanista de fornecer instrumentos de autonomia, de raciocínio crítico, de capacidade de ver o mundo social e natural pelos seus próprios olhos. 
Mas, por que razão isso resulta? Porque razão resulta a publicidade? Por que razão resulta a propaganda política e ideológica? ... ou qualquer outra forma de incutir modos de pensar alheios ao indivíduo?
A resposta a esta interrogação tem necessariamente de passar por vários planos:
- Em primeiro lugar, passa pelo mecanismo da auto ilusão. O eleitor, o adepto deste ou daquele, gosta de ouvir as suas «próprias» ideias, nos discursos, notícias, aquilo que reforça a sua convicção, a sua visão do mundo, a sua escolha pessoal, em todos os campos. Assim, terá tendência a aplaudir e a mobilizar-se por candidatos que apelem para esses mesmos valores ou ideias, que os reforcem, que os coloquem de maneira forte, enérgica, ao nível do discurso. 
Terão mais votos, os candidatos que tiverem maior facilidade em produzir o discurso que agrada ao eleitor, não os que tenham realmente coisas importantes e originais a dizer, ou que tenham verdadeiras soluções para os problemas, admitindo que esses candidatos existam.
A «escolha» tende a ser inteiramente emotiva, baseada na impressão que tal ou tal candidato causa, junto do eleitor, não havendo relação nenhuma com o conteúdo concreto do discurso ou prática. 
Se analisar os discursos eleitorais em várias décadas, verá que os conteúdos se tornam cada vez mais banais, mais insípidos de ideias, mais abrangentes, de forma a agradar a «gregos e troianos», com o tempo. Notará também que esta tendência se verifica em todos os partidos e correntes políticas que concorrem aos actos eleitorais.  
Podia-se também verificar um processo análogo com o fetichismo da mercadoria: por exemplo, o consumo de luxo, de prestígio, teria a virtude mágica de colocar o consumidor entre a «elite» dos «muito ricos» e «superiores», visto que assinalaria o «status» de excepção do mesmo consumidor. Para outra categoria de produtos a sua utilização daria, ou restituiria, a juventude, o charme, o «sex-appeal», etc...
O mecanismo da auto ilusão é muito forte. Podem muitas pessoas auto-convencer-se das coisas mais extravagantes, desde a sua aparência física (naturalmente, a sua beleza é vista pelos próprios olhos...), aos seus dons intelectuais ou morais. 
Outro aspecto importante, é o que se prende com a pressão grupal ou - dito de outro modo - com a pressão de conformidade ao grupo, relacionado com o gregarismo.
Nos adolescentes, em particular, é comum observar-se sua colagem com uma norma geracional implícita... para serem aceites dentro do grupo, da sua faixa etária. Esta forma de coação social pode ser benigna, no melhor dos casos, resumindo-se ao uso de determinada indumentária, de certas expressões na linguagem, de gostar de determinadas músicas, etc. Mas, também pode ter aspectos muito menos anódinos, que passam pela criminalidade de grupos, ou gangs, pela sistemática utilização do interdito, do socialmente condenado, do vandalismo, do uso de drogas, da utilização de motas e motociclos de forma perigosa (para os próprios e os outros), etc. Tudo isto, para afirmarem, ou serem aceites, ou manterem, uma dada posição (hierárquica) dentro do grupo...
A tendência para o gregarismo é muito forte. Os psicólogos e sociólogos, ao serviço do sistema, sabem manipular os sentimentos das «massas» no sentido delas adoptarem este ou aquele padrão de comportamento. 
Ninguém, ou quase, gosta de sentir-se excluído do convívio com os seus semelhantes. O medo da exclusão, de ser apontado a dedo, inibe muitas pessoas de tomar certas atitudes, de fazer as coisas de acordo com sua consciência, por causa desse receio. É, portanto, uma força de coação social e psicológica muito importante. O esforço para uma pessoa se libertar de tal complexo, não é algo que se observe correntemente. A conformidade, para não dizer o conformismo, é a norma.
As pessoas são induzidas a conformar-se com a norma, «adaptando-se», quer na escola, quer na empresa, a essa norma, mesmo a mais absurda ou contra-produtiva. Os críticos são vistos, no melhor dos casos, como maçadores… nos piores, como loucos ou subversivos.

 A sociedade tem mais tendência para reforçar comportamentos gregários (ficar dentro do rebanho), do que encorajar a inovação, a criatividade, a procura de novas formas de abordar as questões. 
O conservatismo das sociedades permitiu que - nas eras remotas, em que, de geração em geração, a vida era perfeitamente semelhante - houvesse um máximo de estabilidade. 
Mas, agora, nas sociedades sacudidas pelo caos, onde nem nos podemos inteirar, quanto menos adaptar, aos efeitos das inúmeras mudanças, a educação conformista, autoritária e repressiva, surge como um anacronismo, como factor de regressão. 
Não admira que a educação, enquanto instituição, esteja em crise profunda e que não haja muita gente, dentro do sistema, capaz de tomar um recuo e perceber quais as causas profundas das disfunções. Este fenómeno ocorre de forma mais ou menos intensa, ou dramática, consoante os países, mas está patente em todas as sociedades.
Diria que a educação é a questão nº1, mas não o digo no sentido de preconizar a «enésima reforma do ensino». Acho que é hoje a questão pior tratada, de todas as questões, nos discursos políticos ou pseudo filosóficos, que se possam ouvir ou ler. Nos dias de hoje, a crise da educação é varrida para debaixo do tapete, é um claro caso de denegação. 
Como este problema é particularmente importante, a meu ver, merece que nos debrucemos sobre ele no próximo escrito (parte V), pois está no cerne de problemas sociais e das repercussões nos indivíduos contemporâneos. 

[parte V]
                         
Nos capítulos anteriores vimos alguns dos métodos que permitem ao sistema de escravidão contemporâneo se apoderar das alavancas fundamentais das sociedades e - a pouco e pouco - ir controlando os indivíduos. Poderia insistir e desenvolver, detalhando os métodos de controlo social que estão despontando, com muita eficácia, em países muito diversos. Mas esta sequência de escritos propõe-se ser, antes de tudo, um roteiro para escapar da matrix ou labirinto... 
Trata-se de uma afirmação arrojada, pois não pode haver duas situações iguais, quaisquer duas pessoas são diferentes, neste mundo; cada qual terá de construir a sua escada metafórica, para se evadir da ilusão, da falsa realidade que o cerca e lhe faz andar sempre, em infindável caminhar, pelos corredores do labirinto, sem jamais vislumbrar a saída do mesmo. 
No entanto, creio que se nos centrarmos naquilo que é efectivamente idêntico no ser humano, por muito que cada um de nós seja único, podemos chegar a algum lado, podemos encontrar o fio de Ariadne que nos permita sair do Labirinto.
As necessidades básicas têm de ser satisfeitas, será esse o primeiro nível de auto-transformação. O reconhecimento de que o equilíbrio de todo o ser passa por uma alimentação, um estilo de vida, uma regularidade nas horas de repouso e sono, uma harmonia essencial do indivíduo consigo próprio, que se vai traduzir também por maior harmonia com a Natureza e com tudo aquilo que o cerca.
Uma disciplina adequada ao nosso próprio ser, levada a cabo no longo prazo, tem de ser interiorizada por convicção profunda, não por mera atitude de entusiasmo momentâneo. Pois, se o nosso ego se sobrepõe ao verdadeiro eu, comandando e dominando todos os aspectos da nossa vida (hoje em dia, isso é muito mais frequente do que se pensa), não haverá possibilidade de um indivíduo sair da matrix. Note-se que a matrix é completamente interiorizada por nós próprios. É assumindo os seus parâmetros inconscientemente, devido à nossa persistente adesão ao seu mundo falso, ilusório, que estamos encerrados nela. 
A matrix é (... ou tornou-se parte de ... ) o nosso ego.
No segundo nível, corresponde ao acordar para o facto de que as realidades que nos cercam, não são tão poderosas como parecem. De novo, estamos muitas vezes condicionados a imaginar coisas - geralmente inibitórias - sobre a realidade social que nos cerca, sobre os outros. A realidade do entorno social, o seu funcionamento, é como uma meta-linguagem, tem de ser compreendida, para ser desencriptada. Enquanto linguagem, tem uma gramática e uma sintaxe próprias. Quem está atento e consciente desta realidade básica, não poderá ser apanhado de surpresa, nem ficar indefeso, porque está desperto e atento a todos os sinais que vêm do entorno, dando-lhes uma «leitura» adequada. 
A leitura do real, analogamente à linguagem, é como quando analisamos a fundo um texto: não olhamos para as palavras isoladamente. Vemos as relações entre elas, avaliamos a importância relativa das mesmas, na estrutura do texto. Sublinhamos as palavras-chave, as que nos dão a chave para a compreensão global do texto em análise. Este modo de proceder, aplicado ao entorno social, não se aprende senão com muita experiência, com ensaios e erros. Mas, podemos acelerar muito a auto-aprendizagem, caso desejemos realmente nos emancipar, não da sociedade em si mesma, mas de nossa relação de submissão doentia aos  que a dominam.
O conhecimento verdadeiro de si próprio e da sociedade leva-nos à consciência das múltiplas instâncias em que nos auto-condicionamos e em que somos condicionados.  Tais mecanismos não são, em si mesmos, benéficos ou maléficos. Os indivíduos que já alcançaram aquele patamar de consciência, irão instituir - para si próprios - determinados condicionamentos e anular, ou neutralizar, outros. 
Os condicionamentos exteriores são poderosos, se adoptados e interiorizados inconscientemente. Porque, a partir desse momento, levam o indivíduo, sem que ele se aperceba, a adoptar automatismos, a ter respostas estereotipadas no seu comportamento em sociedade.  Penso que a maior parte, senão todos, os condicionamentos escravizantes, têm origem  na sociedade. Eles foram «naturalizados» de forma inconsciente, ao ponto de parecerem fazer parte de nós próprios. 
A verdadeira educação é sobretudo uma auto-educação. É uma educação da vontade, da capacidade de dirigir o barco do nosso ser... Aliás, a palavra «cibernética» deriva daí, na sua raiz grega: a palavra cibernética em grego, designa  o saber ou a ciência daquele que está ao leme dum navio. Por outras palavras, a nossa autonomia consiste na auto-condução do nosso ser pelos mares da vida.   
A falsa educação, que nos é imposta por anos e anos de condicionamento na escola, na família, na igreja, etc, tende a suprimir qualquer aspiração a exercitar nossa potencialidade cibernética.
O condicionamento skineriano ou pavloviano utiliza técnicas de amestramento, recorrendo à recompensa e à punição. Pode acontecer sem que as pessoas que protagonizam este amestrar tenham plena consciência do que estão a fazer. Elas estão convencidas de que isso é «educação» e de que o fazem «para o bem» da criança ou jovem.
Como poderá imaginar, não faria sentido nenhum eu propor-lhe um comportamento, seja ele qual for, pois somente o leitor/a está em condições de avaliar o seu próprio estado, a sua situação.
Sugiro apenas uma metodologia geral que lhe permita deslindar os problemas que tem encontrado na sua vida pessoal: 
- Procurar ver os próprios fracassos sem contemplações, mas compreender o que está na sua origem. 
- Ter clara noção do poder que está encerrado em cada um de nós, sem o hipertrofiar ou diminuir. 
- Avaliar as nossas qualidades, os nossos trunfos. A nossa avaliação deve ser realista e prudentemente optimista. 
- Devemos assumir o papel de «mestres» de nós próprios. 

A postura correcta face aos outros, face à sociedade, também se aprende e se aperfeiçoa.  Imagine-se um guerreiro com um escudo e uma lança: O escudo simboliza as tácticas defensivas e a lança, as ofensivas (ou contra-ofensivas). Para que seja bem sucedido num combate (imaginário), ele terá de guardar a boa distância, a que permite proteger-se dos golpes do adversário, mas conservando a capacidade de desferir - ele próprio - um golpe.
Esta analogia deve ser interpretada, não como algo bélico, mas como metáfora...O combate pode ser uma troca amistosa, uma relação amorosa, etc... Não fiquemos demasiado presos pelas palavras.
 Para que a vida não seja uma luta incessante e inglória, a postura de que falei acima não chega. Tem de ser complementada com outra, a qual se traduz no mais profundo Mandamento que existe.
Ele é reconhecido e ensinado, desde tempos imemoriais, em todos os povos, em todas as regiões. Pode-se formular do seguinte modo:
«Trata o outro, como queres que te tratem a ti próprio».
Isto significa o reconhecimento de uma série de coisas: 
- a igualdade humana (em dignidade);
- a necessidade de ver o outro (sairmos da nossa redoma, do nosso egoísmo);
- a troca igual, a ajuda mútua, a sociedade baseada na entre-ajuda... 
Deste mandamento extrai-se um sem fim de corolários.

Estou convicto de que é retomando este fio condutor, que podemos, colectivamente, ser felizes, pois a felicidade está absolutamente ligada ao bem-estar dos outros, ao estado de harmonia da sociedade que nos rodeia. É impossível ser-se feliz no meio da infelicidade, no meio da desgraça...  


Nesta série de textos «ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX», preconizo o conhecimento para o auto-governo (autonomia), assim como o conhecimento do entorno (a ecologia social), a capacidade de avaliar a situação em que nos encontramos, do modo mais objectivo possível, a firme decisão de sermos mestres de nós próprios, o que não implica rejeitar o que nos vem de fora. 
O mundo exterior deve ser visto como algo que nos enriquece, como fonte, não só de informação, mas de aprendizagem. 
Mas, tanto no plano individual como social, devemos ter como finalidade ética o que é realmente elevado...
Pois, não se trata de nos colocarmos acima dos outros, mas de adoptarmos o princípio da reciprocidade, como base das relações pessoais. Este princípio pode e deve estender-se a toda a sociedade humana: quanto mais for praticado, numa dada sociedade, mais essa sociedade estará próxima dos ideais de equidade, respeito, justiça. Portanto, estará proporcionando as melhores condições para a felicidade dos indivíduos.