sexta-feira, 28 de julho de 2017

[OBRAS DE MANUEL BANET] PROJECTO PARA UMA SUITE

PROJECTO PARA UMA SUITE*

1-  Andante maestoso

À hora em que o falcão desdobra as suas asas e se eleva para, logo de seguida, planar acima das estepes ainda silenciosas, ouve-se o trotar longínquo de uma mula.
Na curva do caminho pedregoso, surgem a montada e seu cavaleiro, talvez centauro, sobrevivente do tempo em que os licórnios vinham comer flores nas mãos de donzelas apenas recobertas pelo movediço manto de seus cabelos acetinados... do tempo em que os pomos de ouro eram fruto das árvores existentes nos jardins das Hespérides... desse tempo em que  os homens e as mulheres podiam entregar-se sem mácula aos alegres jogos do amor, sob as ramagens acolhedoras de bosques verdejantes.
Agora que o cavaleiro se encontra mais próximo, já se podem distinguir os traços do seu jovem rosto: seus olhos parecem perdidos na contemplação do horizonte; seus lábios finos apenas entreabertos sugerem – mais do que desenham – um sorriso no seu rosto. Todo ele respira nobreza feita de serenidade, de força tranquila, de fusão com a paisagem grandiosa e bravia.


2- Allegro con moto

Duas criança brincam no terreiro de uma casinhota à beira da estrada. Seus gritos estridentes encorajam montadas imaginárias, aladas sem dúvida, como Pégaso; em torno dos seus pés descalços elevam-se nuvens de poeira doirada.
De rompante, começam aã descida do outeiro, fazendo rolar pedras e torrões de terra, numa carga esfuziante até À beira do riacho onde se vão refrescar; mergulham seus corpos na água turbulenta, dando enormes espadeiradas na sua superfície, que afugentam libélulas e outros insectos multicolores... nos seus espíritos juvenis, mais não são do que uma armada de piratas num oceano imenso.
As sombras dos salgueiros alongam os seus braços, afagando os rapazes num amplexo enternecido. O Sol esconde-se atrás das colinas, lá ao longe, fazendo piscadelas aos dois irmãos despreocupados.
Assim como quem se despede da sua amada, mergulham eles uma última vez, antes de saírem deste lugar encantado, com os seus corpos reluzentes, percorridos por arrepios a cada carícia da brisa.


3- Adagio molto

A sombra invade lentamente o vale; a gritaria das aves extingue-se progressivamente, dando lugar a silêncios prolongados, entrecortados de quando em vez, por uivos longínquos, que o eco das montanhas reproduz com várias intensidades. Esses uivos produzidos por um velho lobo, parecem assim provir de uma numerosa alcateia.
Depois, quando a única luz que percorre as encostas escarpadas das montanhas é só a do disco róseo de Diana, o silêncio é total.
Numa atmosfera surreal, á medida que as constelações se acendem uma por uma, na abóbada celeste, pode-se ouvir o piar discreto de corujas, mochos e outras aves nocturnas.
É nesse instante que surge o som rústico de uma flauta, em melodia arrastada, apenas acompanhada por leves acordes de alguma lira ou harpa. As variações sobre o tema vão-se sucedendo, acentuando cada vez mais um vago sentimento nostálgico.
No final, um trilo muito longo deixa a melodia num cume instável e toda a natureza se cala, tensa, como que suspensa por um fio acima de um precipício.


4- Staccato

Primeiro vêem os gnomos; cada cabriola destes pequenos deuses deixa um rasto de luz no solo, como um flash de néon.
Depois, quando a Lua se descobre de entre um biombo de nuvens, surgem as asas membranosas de morcegos, rodopiando numa valsa sabática.
Por fim, em longas filas, pela encosta acima, uns vultos, segurando candeias e tochas.
No cume reúnem-se num largo círculo e entoam preces numa língua desconhecida. As suas vozes confundem-se com o vento que faz balançar os ramos dos pinheiros.
No meio desse círculo mágico, primeiro de forma ténue, depois nitidamente, surge um ser – misto de bode e de humano – cuja cabeça cornuda está aureolada pelo disco lunar. Começa então um fantástico baile, em que os espectros ensaiam grotescos passos de dança.
No auge do Sabat, o bode ergue-se e toma entre suas patas um facho, com o qual “abençoa” os macabros dançarinos.


5- Finale, vivace

A visão do movimento anterior desvanece-se num horrendo trovão e uma tempestade furiosa rebenta. Este final é entrecortado pelos raios que rasgam as trevas, pelos fogos fátuos, no cimo das árvores.
Após o ribombar dos trovões, uma chuva densa cai sobre o vale, imensa cortina de água que ensopa a terra.
A alvorada surge num ambiente ainda nublado mas os cantos das aves – primeiro timidamente e, progressivamente, com maior intensidade – erguem uma sinfonia ao novo dia, retomando o tema da flauta,  transfigurando-o de melancólico em uma melodia plena da alegria de viver.


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* DA RECOLHA INÉDITA «UM CORPO MERECE SEMPRE VIVER» (1987-1989)













quinta-feira, 27 de julho de 2017

[OBRAS DE MANUEL BANET] «A... PASSA»

A… Passa*

Amor, duas palavras tem
          que ser.
Uma para dizer:
         “querer”
  e a outra
para responder:
        “Não”

Novo dia, nova luz
Ora s’alumia, naquela hora,
Senhora, deusa de Luz.

Des-i-lu-sões ... estão meus
Pensamentos cheios,
        Porque é que os devaneios
Têm freios nos pneus
                                 Meus?
           -Santo Deus,
vá deles saber
           as razões!

Se lá achara, aquela que foi
Na hora bela musa – soi.
Ó Sol, sozinho do meu
ninho em vinho se
                         foi?
Se lá achara, nela já lhe dois
Aquela dor grande vela
Mastro e caravela,
Queira vê-la
Se quereis...
                   Sóis!

Equação do vento
na lira:
Ler um tento,
Não se delira,
mas se tento
fazer a ira
da vontade cozer
os versos de frade
é por amor à verdade,
à verde idade
A ver (saudade)
O Largo da Trindade.
De Lisboa, só vem
Coisa boa...
Nos bailes de Sant’António
O seu demónio
paira à toa:
Os versos entoa
vertidos
em pira,
expira,
hélice
d’Alice...
Krakatoa!

Java, porém,
É mais além...
Trovejava
o Nepal
em sânscrito
inscrito
no rito.
Ir ou mito,
o que tem?
Que cantem!
Que digam, felizes:
Doidas perdizes
Deu-me um pagão!
...mas não se pagam
senão com pagem
na voragem
de um sermão.

Ser irmão do Sol,
nascente ou posto
de luz que na cruz
quebra o rosto:
- Do vinho, o mosto.
- Do pinho, o gosto.

Aposto:

            Um quarto de padrinho!
-          “Quieto, quietinho!”
diz o encosto.
-          “Aqui estou, sozinho!”
responde o bem-disposto
autor do presente
verbo demente:
       “Se mente
         a semente,
         não tente
         o potente
          agente
          do dente...
         a gente
        qu’ aguente!
        Já sente
        o pente
         rente
        ao rosto.

Sem cinta que sinta
a santa assenta
a venta na manta.

“Milagre!”
Diz o padre
mas que madre
se há de, no sabre,
dorir, dourada?

Dormir ou nada...
  Nevada, se surgir
Cevada ceifada
a fada de Fado.
Ó malfadado
verso embrulhado,
em chita ensarilhado!
-Não, Conchita,
o telhado
continua aferrolhado
pelo mau olhado
da conta.

                Ia nu, a ferros,
 Ao lado de uma tonta...
Ó Liberdade!
Ó Verdade!
Ó Beldade!
Mata-me depressa
morro-me com pressa
de voltar à puberdade.

Ideia louca
Louvada “Deia”
gentil me destes
a prazeres agrestes
e, com Orestes,
estás sempre prestes,
a despir as vestes...
Vem, não restes
no céu e aos terrestres
dá novos mestres!

                 Fiel labéu
De cão: “Afia-dente”

O que sente
um vidente?
É ponto assente
Que mente
... e no poente
mui contente,
o Sol ardente
            diz:
-          “O sal que rebente
                           no cristal
        Tal como quis!”

Que isto se diga, não importa...
(o que importa é o que vai por dentro)
-          Não voltei à porta do Cristo
       nisto não arrisco o meu petisco!
San Francisco
      deita o isco
      ao marisco deita
      e não deita mal!

Vá ver o quintal
Do Quim
E – que tal ‘ –
- Que sim, que sim,
diz o pasquim
Astral...

Por fim, sem mal
vos dei o talismã
da mamã,
não vim de cal,
         não!
        de...
        Portugal
Por Túgal,
Para vento
Tentúgal
atento,
solúvel,
pregá-lo-
ei  em Vigo
....Se vi,
           digo,
... Se não,

           deixá-lo!

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* EXTRAÍDO DE «TRANSFIGURAÇÕES», RECOLHA INÉDITA DE POEMAS (1985-1986)


quarta-feira, 26 de julho de 2017

[OBRAS DE MANUEL BANET] «QUI DONC PEUT TAIRE LES MORTS»

QUI DONC PEUT TAIRE LES MORTS ?*


Non, rien ne peut taire
Notre désir de chanter aux balcons
De notre jeunesse, tôt grandie
Trop fragile pour un saut de puce
Géante, néanmoins, sur les toits des rues

Non, rien ne peut taire
Notre chanson d’amour blessée
De flamme, embrasant les chaussées
Si près de l’oreille, un souffle
Réveillant des échos de tonnerre

Non, rien ne peut taire
Notre cri perçant tous les rideaux
De fer, de terre, de sable, d’eau
Jaillissant, telles larmes
Sang versé de nos cercueils

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* DA RECOLHA INÉDITA «LE RÂTELIER SOMNANBULE» de 1983-1986










terça-feira, 25 de julho de 2017

NUNCA PERDOARAM AO HAITI TER-SE LIBERTADO DO JUGO COLONIAL...

Creio que esta entrevista deve ser visionada com toda a atenção: Com efeito, os assuntos aqui abordados, são da maior importância e indesmentíveis, pois são essencialmente factos, totalmente verificáveis. Simplesmente, são omitidos na narrativa dominante da media corporativa. 
Além de explicar como é que as estrelas de Hollywood são usadas para fins que não têm nada de caritativos, mostra a lógica de exploração impiedosa, multi-secular, dos ex-donos de escravos que nunca perdoaram o atrevimento do Haiti se ter libertado do jugo colonial e ter instaurado a primeira república negra no continente americano e em todo o mundo.


                                             

ENTREVISTA DE ELIZI DANTO, ADVOGADA DE  JEAN-BERTRAND ARISTIDE POR SARAH WESTALL


segunda-feira, 24 de julho de 2017

ONDE ESTÁ O VERDADEIRO PODER, NOS EUA?

The Reign of Propaganda

Para evitar o holocausto nuclear, o mundo tem de deixar de estar hipnotizado, sujeito a lavagem ao cérebro pela média ocidental.


Ela própria é propriedade e agente directa dos grandes interesses que estão realmente a governar o mundo, por detrás da cena. Não, não se trata de mais uma «teoria da conspiração»! Não se pode realmente compreender nada do que se passa, se tomarmos como certo e seguro tudo o que os governos e a média regurgitam diariamente como «verdades», para consumo das massas.
Infelizmente, as pessoas estão inconscientes da manipulação. Esta só pode ter efeito, se as massas estiverem completamente inconscientes de que são manipuladas, nos seus sentimentos, nas suas opções, nas suas escolhas... É condição para a manipulação existir e continuar.
Outra condição, é a enorme catadupa de futilidades, de falsas notícias, de intrigas e coscuvilhices das «stars», satisfazendo a humana mas vã curiosidade das pessoas pela vida privada das celebridades. Esta catadupa implica que a mente das pessoas é constantemente distraída, desviada dos assuntos com real impacto nas suas vidas, desviada de se interessar por aquilo que verdadeiramente importa. A ignorância gera a indiferença, a qual, por sua vez, gera a impotência.
Outra tática que resulta é o efeito de familiaridade, que joga ao nível das estruturas profundas: um tipo que brinca, que goza com a sua própria imagem, «não pode ser mau tipo»... todos conhecemos as palhaçadas do Obama, por exemplo. É assim que se tornam «próximos», é assim que os vemos, como nossos conhecidos, vizinhos,  colegas... Este truque, ou ilusão de estarmos próximos destes personagens, de que temos uma certa intimidade com eles, induz as pessoas, não apenas a aceitar, mas a amar quem esteja no poder.  


A segunda coisa que o mundo tem de compreender, para evitar o holocausto nuclear, é de que não é uma estrutura simples e visível, a pirâmide do poder em Washington.

O poder político do presidente dos EUA esteve sempre fortemente condicionado pelo chamado «Estado profundo». Uma medida, seja ela qual for, para ser implementada (ou não), não depende em exclusivo da vontade presidencial ou do Congresso, mas da boa ou má vontade, daquilo que for compreendido como «o interesse nacional» pelos milhares de altos funcionários não-eleitos, da CIA e do Pentágono, até às múltiplas agências do Governo Federal.
Tem sido muito revelador, neste contexto, o que se tem passado desde a eleição de Donald Trump como presidente dos EUA. Tem havido uma guerra surda contra ele, do «Estado profundo», fazendo obstáculo e distorcendo todos os aspectos da sua política. O objectivo - mais ou menos confesso - é o do seu derrube, porque ele não está de alma e coração alinhado e cúmplice com os interesses da «elite» política que tem dirigido os destinos do país mais poderoso do planeta.
Por sua vez, esta mesma «elite» política e mediática é serventuária da «elite» das corporações. Aquela é beneficiada pela generosa contribuição dos lóbis constituídos pelos grandes interesses corporativos. São eles que determinam se um político é eleito ou não. Muito antes de se contarem os votos, contam-se os (milhões de) dólares. É quase certo que, quem conseguiu arrecadar a maior quantidade de dólares em fundos de campanha, será o candidato eleito.


Se não tivermos em conta este conjunto complexo e obscuro de relações, formando uma teia inextricável, não conseguiremos contextualizar as notícias da media, ignorando tudo do jogo que se desenrola por detrás do pano de cena.
Mas podemos deixar instantaneamente de ser manipulados, se compreendermos processos dessa manipulação.

domingo, 23 de julho de 2017

A VERSÃO ORIGINAL É (QUASE) SEMPRE A MELHOR




O single mais famoso de Julie London, "Cry Me a River", tornou-se um sucesso de um milhão de vendas, logo após a sua publicação em Dezembro de 1955. 
London cantou esta canção no filme «The Girl Can't Help It» (1956). 
Foi retomada por inúmeras cantoras e cantores de jazz e pop, ao longo de mais de sessenta anos, tais como Shirley Bassey, Barbra Streisand, etc. 
Curiosamente, a canção - escrita em 1953 - foi inicialmente composta para ser cantada por Ella Fitzgerald, no filme sobre os anos 20 «Pete Kelly's Blues», mas acabou por não ser incluída.

Dinah Washington, no vídeo abaixo,  interpreta a canção  com uma intensidade que põe em relevo suas qualidades expressivas. 











Now you say you're lonely
You cried the long night through
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you
Now you say you're sorry
For being so untrue
Well, you can cry me a river
Cry me a river
I cried a river over you
You drove me,
Nearly drove me out of my head
While you never shed a tear
Remember?
I remember all that you said
Told me love was to plebeian
Told me you were through with me
Now you say you love me
Well, just to prove you do
Cry me a river
Cry me a river
I cried over you
You drove me
Nearly drove me out of my head
While you never shed a tear
Remember?
I remember all that you said
Told me love was to plebeian
Told me you were through with me...
And now you say you love me
Well, just to prove that you do...
Come on! Come on!
Cry me a river...
Cry me a river...
I cried a river over you
I cried a river over you...



sábado, 22 de julho de 2017

O CUIDAR DOS IDOSOS... NOS LOBOS

                                

Uma alcateia de lobos: 

- Os primeiros 3 são os velhos e doentes, eles marcam o ritmo de toda a alcateia. Se fosse de outra maneira, eles ficariam para trás, perdendo contacto com a alcateia. Em caso de embuscada, seriam sacrificados. 
- Depois, vêm os 5 mais fortes, em linha da frente.
- No centro, está o resto da alcateia, seguidos pelos os segundos 5 mais fortes.
- O último é o alfa. Controla tudo a partir de trás. Nesta posição consegue ver tudo, decidir sobre a direcção a tomar. Ele vê a alcateia toda.
- A alcateia move-se de acordo com o ritmo dos mais velhos e entreajuda-se, vigia-se mutuamente.
Texto de Donald Wilson  [traduzido por Manuel Banet] retirado do blog de Martin Armstrong

Comentário: tal como em relação a outros animais, o lobo é representado no imaginário popular como cruel, sem sentimentos, uma encarnação do mal. 
Na realidade, o lobo é o animal mais nobre que existe. Mais nobre que muitos humanos, de certeza. 
O lobo deu origem ao cão, o qual descende de populações de lobos domesticadas durante o paleolítico. O cão é um animal nobre e fiel, derivando esses traços do lobo juvenil, naturalmente submisso aos mais velhos (substituição destes pelos donos humanos). 
Para mais esclarecimentos sobre as origens e genealogia do cão vejam aqui.