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domingo, 12 de março de 2023

FINANCEIRIZAÇÃO, ESPECULAÇÃO E ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: três fatores da crise do capitalismo

Desde sexta-feira passada, que os clientes do SVB (Silicon Valley Bank) não têm acesso às suas contas para levantar dinheiro «em espécie» (cash) de que precisam, ou para pagar contas. Com efeito, o segundo banco dos EUA faliu e essa derrocada foi súbita, efetuou-se em 48 h. O banco falido foi tomado por uma companha de seguros, a «Petro Insurance Corporation».

                                     
Esta falência sucedeu a outra, a do «Silvergate Bank», que detinha o nº16 no ranking das instituições bancárias americanas. 
A economia dos EUA é, há muito tempo, um castelo de cartas, assente em nada, ou seja, no «ar quente» da especulação de Wall Street. 
Parece que este banco SVB perdeu muito dinheiro em empréstimos aos «venture capitalists», porém esta suposição não me parece a mais adequada, para explicar o colapso, pois eles tiveram como principal fator a desencadear a falta de solvabilidade, a subida acentuada dos juros das obrigações.



 No mercado bancário, a compra de obrigações, principalmente de Obrigações do Tesouro, tem importância,  devido a que os bancos podem apresentar melhores ratios entre capital emprestado e capital próprio, o que lhes dá a possibilidade de expansão das suas operações de crédito. Sendo a valorização das obrigações tanto mais baixa, quanto mais a sua taxa de juros sobe, não é surpreendente que a subida, em ritmo acelerado, dos juros das Obrigações do Tesouro nos EUA, provoque a descida da capitalização dos bancos, visto que aquelas obrigações formam boa parte das suas reservas.
A financeirização da economia traduz-se, nos EUA, na perda substancial de rendimento do capital financeiro, quando os juros se aproximam da normalidade, ou seja, da sua média histórica. 




Noutros países, como por exemplo, na Coreia do Sul, a crise manifesta-se num setor diferente: No imobiliário, onde existe o sistema muito particular de Jeonse (40% do mercado dos apartamento para aluguer) . Neste sistema, os inquilinos, em vez de pagar renda ao proprietário, emprestam-lhe, a juro zero, uma soma correspondente a uma certa percentagem do valor do apartamento. O proprietário tem de devolver a quantia, passados dois anos. Nas décadas passadas, o sistema funcionou bem, pois havia uma carência de imobiliário, havia um crescimento vigoroso da economia e os preços dos apartamentos iam subindo  (80% das economias das famílias estão investidas no setor imobiliário, neste país). Agora, com uma das taxas mais baixas de fertilidade do mundo e correlativo envelhecimento da população, a Coreia do Sul encontra-se num contexto completamente diferente dos anos de expansão. Os preços dos apartamentos estagnaram ou diminuíram.  
Os mercados de exportação contraíram-se, a construção do imobiliário parou, em simultâneo com o encarecimento das matérias-primas (incluindo alimentares). 
Este aumento generalizado de preços, ao nível mundial, é resultante da inflação desencadeada pelas sequelas da frenética impressão monetária, das ruturas das cadeias de produção e abastecimento, causadas pelos «lockdowns» do COVID. Finalmente, as subidas bruscas do petróleo e outras fontes de energia, decorrente das sanções ocidentais às exportações de combustíveis da Rússia (o maior exportador mundial de gás natural e de petróleo), afetaram severamente todos os mercados em 2022. 
O resultado destes fatores conjugados, é que a Coreia do Sul (e, provavelmente, outros países com economias similares) deixou de ser um exportador líquido, para ser um importador líquido, ou seja, a economia sul-coreana gasta mais dólares a abastecer-se de produtos que importa do estrangeiro, do que os dólares que obtém pelas suas exportações. Isto é uma inversão muito notável pois, com exceção da grande crise de 1996-7, este país asiático tinha durante décadas um balanço positivo nas trocas comerciais.    
 
Em qualquer dos casos, a economia dos países capitalistas típicos está condenada. 
No caso das economias largamente financeirizadas, como é o caso dos EUA e também do Reino Unido, as sucessivas perdas de rentabilidade do capital tornam insustentáveis todos os esquemas de tipo Ponzi, em que assentam as suas economias, desde a banca, até aos fundos de pensões (sejam elas públicas ou privadas).
No caso das economias industriais e exportadoras muito dinâmicas, como a Coreia do Sul (igualmente para o Japão e outros países do extremo-Oriente), as dificuldades são acentuadas pela insustentabilidade demográfica: Uma economia capitalista tem de crescer para sobreviver e, para isso, tem também de crescer em termos demográficos. Em paralelo, ocorre o «encolhimento» dos mercados-clientes incapazes de absorver a oferta dos produtos industriais produzidos, devido à severa crise prolongada que lavra em países do Ocidente, principais clientes dos produtos industriais do Extremo-Oriente.
O resultado de todos estes fatores conjugados, traduz-se num comportamento caótico global da economia capitalista, num grau tal, que provocará uma grande destruição de capital. Segundo opiniões avalizadas, entrámos numa depressão, pelo menos tão severa como a depressão de 1929.

PS1: O artigo de Michael Hudson, que pode consultar AQUI, dá-nos a panorâmica do que se passa nas falências sucessivas dos bancos americanos. Tal como eu escrevi, Hudson põe à cabeça como causa para estas falências em série, a subida das taxas de juro dos bonds do tesouro, que constituem parte substancial das reservas de qualquer instituição bancária nos EUA. Os valores das obrigações diminuíram acentuadamente (quando o juro aumenta, a obrigação vale menos), esta quebra foi contagiar, por sua vez, as descidas no imobiliário e nas ações.

PS2: O mecanismo de funcionamento dos empréstimos fracionários é explicado por Richard Wolf

PS3: Um grande número de bancos tiveram de suspender a sua cotação nos mercados de ações, tendo as suas ações descido em média de 80%.