Mostrar mensagens com a etiqueta Obras de Manuel Banet. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Obras de Manuel Banet. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 1 de maio de 2023

História de fantasmas [OBRAS DE MANUEL BANET]






 Acordei no País dos sonhos

Percorri léguas e léguas de caminhos esconsos 

Ou de amplas autoestradas

Para me encontrar frente a um espelho

Num palácio abandonado


Este espelho é a porta de entrada

Dos que permaneceram no limbo

Para o tal Reino, onde sonhar

Significa a Vida e viver

Só representa a necessidade

Contingente da jornada


O sócio desta sociedade

Ultra secreta não precisa

De senha ou sinal para

Reconhecer seus pares

Caminhando ou vogando

Por rios serenos entre sedas

Ondeantes ao vento


- Mas a morte, a morte que nos espera

E sempre nos alcança?

Onde pára ela?

- Ela caminha ao nosso lado

Sem receio. Nós sabemos

Que ela é Rainha

E não a repudiamos


Viver em sonho e caminhar

Por suas veredas é distinção

De poetas. Eles comunicam

Fraternamente a seus pares

As rotas que tomaram,

As paisagens por onde passaram,

As histórias que ouviram


Para eles, dizer a verdade não custa

As mentiras que possam dizer

Não o são para os outros irmãos 

Todos descodificam fórmulas

Ou sortilégios, são línguas

Correntes, banais


Se alguma vez acordam

Precisam logo de retomar

A onírica estrada, 

Seja por que meio for 

A realidade do real é-lhes fatal

Definham, acorrentados

 Às medíocres rotinas


São aves ou peixes

Embora aparentem pertencer

À espécie humana

Mergulham na profundeza

Dos mares, ou planam

Muitos metros acima do solo


Ou talvez sejam outra

Espécie em gestação

A que substituirá

Mulheres e homens

Comuns de hoje;

Não sabemos


No meio do ruído

Das multidões

Estão silenciosos

E quando poderosos

Pretendem prestar-lhes

Homenagem, erguem

Estátuas e monumentos

Mas não  leem sua poesia.





domingo, 15 de janeiro de 2023

ODE À MÚSICA [OBRAS DE MANUEL BANET] + «AN DIE MUSIK» (FRANZ SCHUBERT)

A música sempre, eterna companheira

Nos momentos tristes ou alegres

Desta vida, o que nos vale és tu

Não sou de exclusivismos, todo o som

De qualidade me pode preencher 

Me impressiona,

Mas tem que ter alma

Para envolver-me e seduzir-me


Ela é uma presença constante

Por mais que recue no passado

Ou me ponha a escutar no presente

Ela tem a chave do meu ser

Mãe só há uma; porém 

Em espírito, fui nutrido pelo

Leite da sempiterna música

Das canções de embalar

Às grandes sinfonias 

Sim, Mãe há só uma:

Foi a minha música

Desde o berço, até hoje

À sua memória associo

Belos momentos musicais!



«An die Musik» de 
Franz Schubert (arranjo para violoncelo e piano)


sábado, 17 de dezembro de 2022

IDADE de SAPIÊNCIA [OBRAS DE MANUEL BANET]




O azul do céu não me impede de sentir o fresco vento norte
A idade de prata e ouro é quando olhas o céu e vês
O voo da ave inscrito
A bruma matinal escorrendo pelo vale

A certeza de que a terra é redonda e que se entretém
Rodando sobre si própria
Indiferente às travessuras dos humanos
Não nos traz aquela vertigem!

A ti entrego este sonho cerrado
Sob as pálpebras fechadas
Abertas ao mundo interior
Aquele que conta e contém

Todo o universo numa gota
De bruma que se condensa
Essa gota uni em verso a ti
No ser sem tempo, que és

De tal domínio não há fuga
Mas também que fazer
Lá fora, remando entre estrelas?
Trazei-me a gota reflexiva

Das aves eu sempre serei
Adorador, sem asas coloridas
Extasiado pela sua sombra
Que me faz sentir invejoso

E depenado e descamado
Mas sempre maravilhado
Outrora dava importância
A outras aventuras

Mas a Terra é redonda e
Gira em torno do Sol:
Mau ano, bom ano
Sempre será uma certeza!


Murtal, Parede 17 Dezembro de 2022



-----------------------------------

Poema anterior neste blog: «Quero Ser Animal»

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

QUERO SER ANIMAL [OBRAS DE MANUEL BANET]


 Sim, amanhã, a esperança

Sim, amanhã, a paz

Mas, hoje, tudo recoberto 

Dum véu de tristeza

Todos olvidados do dever


A humanidade perdeu a bússola

Os humanos não têm cura

Esqueceram seu Deus, 

Ou pior; por Ele se tomam!


Não quero mais ser humano:

Quero ser animal, só animal

Estar bem dentro do meu ser

Instinto seguro de animal

Me guie a cada passo


Quero perder toda a ilusão

De ser racional, alucinação

Mortífera do orgulho

Que enche o peito dos imbecis


Ser menino, não! Pois ele, afinal

É homem em potência,

Tem caprichos, tem birras

Homem-menino julga-se tudo

Permitido, não tem juízo


Ser animal é obedecer 

À Natureza e esta, o que é

Senão o Seu Criador?

É obedecendo à Natureza

Que se cumpre o trilho


Tudo o mais são bazófias!

É filosofia de trazer por casa

É ser covarde e cruel

É ser humano no pior sentido


Ser animal  é estar em harmonia

Consigo próprio, aceitar

A verdade eterna 

De nossa incompletude


O animal vive no instante

O seu ser é eterno 

Não se projeta no futuro

Felicidade, só assim possível!




                 





domingo, 16 de outubro de 2022

RECADO ÀS GERAÇÕES FUTURAS, SE AS HOUVER [OBRAS DE MANUEL BANET]

                                        Homem escrevendo uma carta - Gabriel Metsu , Séc. XVII


Supondo que as palavras não morreram,  o que é uma audaciosa aposta, eu sei, quero deixar um RECADO deste mundo, às gerações que vierem; se elas existirem!

Não quero fazer-lhe sermões de moral. Sei lá que vivências serão as dos humanos, quando num futuro distante, for estudado «o século XXI»? 

O século em que a estupidez e ganância dos poderosos quase despoletou o Apocalipse nuclear? 

Se as gerações futuras puderem ler este texto, significa que afinal não se chegou a esse ponto.

Creio que a lição a tirar pelas gerações futuras será: Como evitar armadilhas semelhantes?

- O meu recado é o seguinte:

 Nunca deixem vossos problemas, as questões graves, em mãos alheias!

A perversidade de tal sistema - a delegação sistemática do poder a uma minoria - acaba por desembocar em guerra. Pois esta é a maneira de uns poucos se manterem no controlo, obrigando todos os outros a obedecer!

 

 

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

UM POEMA É SONHO [OBRAS DE MANUEL BANET]

 



Um poema é sonho...

Não vás procurar racionalidade e lógica

Mas de facto o sonho tem um fio condutor

Esquece as quadras e as rimas

Escolhe a música que brota

Do interior das palavras

E as palavras que são música

E que fluem do peito e da alma 

Canção aflorando na memória

Seja alegre ou nostálgica

Ela irrompe e arrasta-nos

Para terras nunca exploradas


Poeta, seja a música que te guie

E deixa para compêndios de filosofia

Os discursos racionais, demonstrativos

O que tem a demonstrar o cântico

Da ave, senão "olha; estou aqui!"

Assim seja o poema, belo e puro

Melodia natural como um rio!


               
                                                           Melro comum (macho)



 










quarta-feira, 17 de agosto de 2022

FORASTEIRO À BEIRA MAR [OBRAS DE MANUEL BANET]

                            ,Imagem: quadro a óleo de Eduard Honoré Gandon



Forasteiro à beira mar

Longe está meu pensamento

Outrora ensinou-me o vento

Outrora ensinou-me a amar


Indivíduos nos envaidecemos

Não nos ligamos jamais ao ser

Esquecidos de que irrompemos

Em Universo dum único Ser


Aos meus pés a maré vem

Mas não sou o rei da lenda

O horizonte mil sóis tem

Mil luas e uma legenda


Num tempo esquecido

Alguém olhou e adorou

O canto espairecido

Por cima das ondas soou


Basta um gesto, um olhar

 De beleza o coração cheio

Pode na certeza se firmar

Do passado imenso veio






quarta-feira, 6 de abril de 2022

AZUL É O CÉU, NADA MAIS [OBRAS DE MANUEL BANET]

 

Azul é o céu, nada mais

Nada mais que o céu azul

E para além do céu?

Nada mais, só o azul do céu.

Este azul me oprime, de tão leve que se pousa

Este azul «pan-color», de cartaz publicitário

Tão real como uma pincelada num muro

Este azul é mais agressivo do que um céu de chumbo

Que as nuvens ameaçadoras que nos trazem granizo

Este azul é inderrotável é impossível compor com ele

Pode ser que alguns o achem belo, eu não vejo nele

Senão monotonia de azul.

Mas aceito o seu veredicto, não vou argumentar 

Saberei fazer como se ele não existisse

Como se por cima da minha cabeça

Não houvesse nada, absolutamente

Apenas existir sem pensar

Apenas estar sem impor

Apenas olhar sem ajuizar

Somente o céu azul me 

Incomoda, bem sei porquê

Estou condicionado pela sua presença

Mas assumo ser diferente ou indiferente

Enfim, gostava de olhar a terra do céu

É isso que eu não farei tão cedo

Exilado no solo, como ave

Vendo suas irmãs voarem

Muito alto pra horizontes

De calor e abundância

Bandos de aves sem dono

As que riscam o azul do céu

Em volta do globo terrestre

Como eu gostaria de ser

Assim, o azul do céu

Não seria para mim 

senão um meio de viajar

Uma autoestrada sem fim

Jogo também, complexo jogo

De orientação, de saber 

Ancestral das rotas 

E uma aventura inscrita 

Na memória da espécie.

Ah, então eu poderia contar

As formigas humanas que

Olhavam para o nosso bando

Quando ele sobrevoava arrozais,

Ou prados, vilas ou lugares.

Já nem me lembraria muito bem

O que é ser um humano

Seria como uma memória vaga

Sonho ou pesadelo que passa

Com um batimento da asa

E talvez, nesse corpo novo

O céu se engalanasse  

Num esplendor de tons vermelhos 

-doirados, enquanto atravessava 

O oceano, rumo ao paraíso das aves.








  

quinta-feira, 24 de março de 2022

MEDITAÇÕES DE UM SOLITÁRIO [OBRAS DE MANUEL BANET]

Estou certo de que existe esse inconsciente de que a psicanálise fala. Parece-me ser a emanação espontânea das pulsões, que todos experimentamos em nossas vidas. Freud hipertrofiou as pulsões sexuais, talvez devido ao seu próprio psiquismo e ao dos seus pacientes. As pulsões dominantes, porém, relacionam-se com o medo da morte, da perda da integridade física, com a conservação do indivíduo e da sua subsistência. No meio social afluente de Viena do início do século XX, as pessoas não se sentiam particularmente ameaçadas, na sua integridade física e na sua subsistência.

A histeria social desencadeia-se de modo semiautomático quando estão reunidas certas condições: A imaturidade, em indivíduos de ambos os sexos, na idade adulta, que foram condicionados a achar que tudo lhes é devido, sem terem de contribuir, de uma ou outra forma, para a sociedade. A ausência de referentes positivos, no que toca ao comportamento. Os referentes, são somente pessoas que enriqueceram ou que se tornaram muito populares. Junte-se a isto, uma infantilização deliberada e constante da cidadania, conjugada com o falsear do debate na média, através de técnicas de manipulação. Os elementos referidos acima, estão na base de 90% das formas de manipulação social das emoções.

As poucas pessoas que escaparam a essa "lobotomia social", seja qual for seu substrato ideológico, serão incapazes de ter uma influência regeneradora no seio da sociedade: Algumas adotarão um quixotismo que os impele a brigar dentro ou fora dos partidos tradicionais. Estas pessoas estão destinadas ou a serem relegadas para a marginalidade cívica, pelo chamado "assassinato de caráter ", ou - como alternativa - servirão como "idiotas úteis" de partidos.

Estamos a anos-luz dos regimes delineados nas constituições, dos vários países  da Europa, embora tal não pareça: Pode-se ver tal degradação em países fortes ou fracos economicamente, grandes ou pequenos, com população culta ou inculta, homogénea ou plurinacional. Todos estamos perante o mesmo fenómeno, porque a difusão da falsa informação  predomina, porque quem está no controlo os meios de informação não precisa de suprimir fisicamente os seus opositores, como nos regimes totalitários do passado. Basta que as suas vozes estejam sujeitas a blackout. Se isso não chegar, usam  a difamação maciça nas redes sociais. Alternativamente, podem comprar vozes dissidentes, de maneira que aparentem continuar a sê-lo, mas sem causar real prejuízo.

O desfigurar dos sistemas de democracia liberal efetua-se por dentro. Seus sabotadores estão no seu centro. Conscientemente, ou não, fazem o papel de seus piores inimigos. Ao serem corruptos, ou transigirem com a corrupção, ao manterem-se graças ao clientelismo, ao comportarem-se como se fossem "monarcas de Direito Divino", em vez de assumir o papel de mandatários, etc. 

Quando toda a política se degrada em politiquice, as pessoas íntegras, nos diversos quadrantes, afastam-se por si próprias, ou são arredadas. Os medíocres, os arrivistas, os oportunistas, os sociopatas têm então sua oportunidade de ouro, os seus  momentos de glória.

Não se pode saber a forma exata da política no futuro. As classificações como fascismo, comunismo, democracia, nacionalismo, etc. não ajudam grande  coisa. Sei que estamos num momento de viragem. Já o sentira há muito tempo, já o tenho exprimido várias vezes neste blogue. Porém, agora oprime-me pensar que as mais negras distopias são verosímeis.

 Tudo o que há de mais abjeto vem à superfície, nestes tempos. A abjeção resulta do facto de que as pessoas estão completamente destituídas de valores, duma forma ou outra de moral. Devemos antes falar de ética, pois a moral invoca necessariamente conformidade com a sociedade. Ora, muitos - pensemos em Sócrates ou Jesus, e tantos outros no passado - foram considerados contrários à moral do seu tempo, ou à maneira de pensar dominante. 

Perguntareis: Quem és tu para te fazeres difusor de sabedoria, duma visão profética, de soluções para os males que afligem a sociedade? 

É uma pergunta legítima. «Eu sei que não sei» e que estamos, quase todos, num mesmo grau de ignorância. Mas, no meu entender, o estudar os fenómenos do passado, adotando um pluralismo deliberado, ou seja, não nos autolimitando a uma corrente de opinião, seja ela qual for, parece-me o melhor para não cairmos nas ilusões, nos cantos das sereias das ideologias. 

O pior inimigo da nossa clarividência, do rigor do nosso pensar, somos nós próprios: Seria bom que as pessoas se debruçassem sobre o que dizem os mais eminentes intelectuais (que os há, sempre) do campo contrário ao nosso.  

Acredito que os profetas da Bíblia e os outros, foram pessoas clarividentes, que tinham uma inteligência aguda do que se estava a passar nas suas sociedades e conseguiram chamar a atenção do seu povo. 

Diz-se que não há bons profetas no seu próprio país; que os santos e os profetas são sempre de fora: Esta ideia tem por base um certo desprezo das pessoas, por tudo o que lhes seja demasiado familiar, não conseguindo distinguir valor, talento ou génio, em pessoas que estejam próximas. Será porque se desencadeia um mecanismo de inveja, a maior parte das vezes inconsciente e, portanto, mais forte? 

Tudo o que vem do estrangeiro tem um certo fascínio, sobretudo se trouxer consigo a auréola do «sucesso». Isto passa-se a todos os níveis em Portugal, um país muito «aberto» ao exterior, mas muito pouco atento aos valores que brotam no seu seio. Mas, o contrário disto não é ter um comportamento xenófobo. Devia-se adotar uma avaliação crítica de uma produção, seja qual for a sua origem. Não faz sentido, nas letras, nas artes, nas ciências, haver «preferência nacional». Mas, também não faz sentido manterem os valores de um povo, de uma nação, injustamente ignorados, enaltecendo toda a bugiganga e fancaria que venha com o selo do estrangeiro.  


terça-feira, 22 de março de 2022

ESCREVENDO PARA UM DISTANTE FUTURO [OBRAS DE MANUEL BANET]

                                      

Detesto que me ditem a moral, que imponham o que é bem ou mal!

Alguém que guarde a sua capacidade de pensamento independente, grande parte das mentiras que lhe chegam aos ouvidos, ou que lê, pode desmascará-las. Mas, para isso, é fundamental a aprendizagem do pensamento crítico, o estudo sério da filosofia, da história e muitos outros domínios do conhecimento. Com tais instrumentos intelectuais, uma pessoa dificilmente será sujeita a «lavagem ao cérebro». Esta reveste-se, muitas vezes, da forma de hipnose coletiva, como a que observamos na histeria do COVID e na histeria anti-russa.

Não devemos escolher qualquer um dos lados numa guerra. Ambos os lados têm culpas; sempre foi e será assim. É a guerra - em si mesma - que se deve ser impedida, contrariada. Numerosas pessoas, muitas delas contra a sua vontade, são envolvidas e instrumentalizadas pelas fações opostas. 

Não transijo nem diminuo a humanidade dos outros: ponho-me no lugar dos soldados de ambos os lados: Matar e estar sujeito a morrer, por causa da gula de poder de uns e de outros; haverá destino que seja mais lamentável? 

Agora sei qual o grau de alienação das pessoas. Pode-se dizer que cedem à pressão da constante propaganda de guerra.  Mas, em muitos casos, o que observo é que se tornam veículos entusiastas dessa propaganda, esquecendo todas as suas supostas raízes liberais, humanistas, cristãs, etc. que afinal funcionavam como mera capa social.

Após o conflito, as pessoas que assumiram acriticamente as narrativas oficiais, vão autoabsolver-se com total hipocrisia, vão varrer para debaixo do tapete quaisquer incongruências entre as realidades e a ficção que construíram, ou que lhes foi inoculada pela media. É assim que constroem a sua boa-consciência.

A media foi designada como «o quarto poder», para significar que funcionava como contrapeso aos outros corpos do Estado (executivo, legislativo e judicial). De facto, ela transformou-se em corpo destinado a influir nos outros corpos, não no sentido de lhes contrapor uma hipotética «vox populi», mas como veículo do poder económico e sem o qual não seria fácil governar. A media está nas mãos de um punhado de bilionários ou de grandes empresas de capitais privados, mesmo nos países mais poderosos e com larga tradição de «democracia liberal». São os interesses concretos dos grandes capitalistas ou dos grupos económicos e financeiros que são preservados nas narrativas, cuidadosamente talhadas para moldar a opinião pública.

Eu escolho a «liberdade», diziam alguns. Mas, não existe liberdade, sequer. Agora, é mais que evidente  que temos somente uma pseudo- liberdade, perante a mais monstruosa desigualdade. É isso que vemos atualmente. Alguns, têm o poder de moldar as opiniões, os sentimentos, a própria personalidade de milhões de indivíduos anónimos. Que a multidão de indivíduos tenha seu comportamento padronizado e conformista é o fim desejado por todo o aparato doutrinador: O governo e suas agências, a media mainstream (em mãos de magnates) e a escola, em todos os níveis de ensino, sendo mais perverso o ensino universitário e sua suposta «liberdade académica».  

A minha náusea existencial resulta de constatar o facto de que as pessoas não evoluíram nada. São tão primárias e mesquinhas como nos séculos passados; talvez mais, até. Como roupagens que as vestem, as suas ideologias de pacotilha são mudadas ao sabor das conveniências. Não mudam por dentro, só superficialmente. Estas pessoas podem mudar facilmente de posições políticas, com única condição de que percebam que o vento mudou e que é mais favorável outra postura. 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

REGRESSO

 [OBRAS DE MANUEL BANET]

 Regresso ao conforto do porto de abrigo,  depois de vaguear por serras e vales, no meio de vida selvagem, ou não domesticada, cheio de fervor pelo ambiente verdadeiro e real da biologia no seu esplendor, desde a árvore pujante e secular, à ave fugidia; desde o pequeno inseto, ao rochedo coberto de musgo.

Tudo resplandece de vida. Nada sai fora da Lei Natural da Palavra Divina, onde coelhos e perdizes espreitam entre ramas e tufos. Que se escondem de nós, intrusos. Eles, por instinto, nos sabem evitar.

Estou agora mais firme na convicção de deixar para trás a ilusão das coisas efémeras, objetos maravilhosos, mas de uso muito limitado no meio dos campos infinitos, ou das serras.

Mas, bem preciso de instinto e juízo seguro, na viagem exterior e interior, é disso que preciso, como Bússola, Canivete, Mapa em papel, Binóculos e Botas de caminhar. Talvez algo mais eu deva carregar, mas evitarei coisas inúteis, estéreis, demasiado frágeis, ou corruptíveis.

De que te serve aqui um relógio?  

- SIM, PODEREI SER «MINIMALISTA»: QUANDO ENCHER A MOCHILA, QUERO QUE ELA SEJA O MAIS LEVE POSSÍVEL, PARA CONSERVAR A  ENERGIA, PARA NÃO ME FATIGAR NOS PRIMEIROS QUILÓMETROS PERCORRIDOS.

Esta meditação vale também para as coisas do espírito. Temos muita bagagem na mente, mas pouca deveras essencial. A bugiganga mental, tal como a outra, impede-nos de movimentar o espírito com agilidade, é um estorvo: E julgamos ser ela uma parte indispensável do nosso pensamento! 

Cada vez mais, quero pensar como o ser natural que sou, afinal de contas: Pensar com as moléculas do meu ser por inteiro, não com toneladas de lixo cinzento, que me foram impingidas e que eu comi, sem perceber.


Murtal, 19 de Fevereiro de 2022





sexta-feira, 10 de julho de 2020

[OBRAS DE MANUEL BANET] «SÓ ME RESTA ALUCINAR»

               Fenêtre Paysage Vue De Loin - Photo gratuite sur Pixabay

Só me resta alucinar de ver a realidade em frente
A realidade sem fardo ou cenário pintado
A realidade como a que vejo pela janela
A que tão bela me penetra na alma
Serpenteia pelo cérebro como serpente
Lasciva serpente que enrodilha o tronco,
Sussurra sem mal, sem perfídia nenhuma
Nem qualquer suspeita de romantismo
Apenas assim, como é
Como a corda da guitarra que vibra
Ela está em consonância comigo 
E eu com ela, simplesmente sem pensar
Assim de chofre como o azul sem mácula
Deste céu de Verão, acima do muro branco
Das traseiras.

Não esperem algo sobrenatural, não
A realidade das cores e a densidade dos sólidos
Estão para meu entendimento
Como a superfície para a espessura
Como o reflexo para a laguna
Não tem outro mistério, que o de tão aberto
Estar a todos... e se todos são cegos
Que culpa tenho eu, que culpa tens tu?

Já sei que não sei pintar uma paisagem
Mas será para isso que escrevo?
Ou para produzir um milhão de ruídos,
sons, cores, pedras e odores
Da realidade em que me passeio
Pelo sonho de estar aqui sentado e escrevendo
Este chorrilho de palavras e imagens
Soltas.
Que o vento as leve, mas as leve mesmo
Que não fiquem
Aqui, nem por mais um instante!
Que levantem voo, ou serpenteiem ou se escapem
como fumo de lareira pela chaminé
Ou ainda, como a osga que me visitou ontem

Porque só as coisas naturais me importam
Só as coisas e seres que não tenho
De explicar porque elas são
Existem por si e para si
Não preciso de teorias para as entender
Até para dialogar com elas
Portanto, só a realidade me interessa
E o mais é ilusão, cansaço, tédio
Falso esplendor e pouca vergonha
Nada que valha a pena ser meditado

Dizia que a realidade me entra pela janela adentro
Mas ela também jorra de dentro de mim
Para fora
Sim; a verdade é que estou envolvido
No que vejo e percepciono.
Nada que não soubesse!
De momento, estou pouco interessado em filosofar
E menos ainda em filosofar o olhar, o ver

A realidade apresenta-se a mim: eu bebo-a
Sou ébrio de beleza
No estado puro, forte licor de realidade
Incomensurável, estarei sempre sedento de ti
Enquanto estiver cá, neste Mundo
Para além de todas as palavras que eu possa dizer
Para além dos equívocos que delas possam surgir
Para lá também da moral e dos ritos sociais
Contemplo o mar, o meu mar, o céu, o meu céu
A terra, a minha terra, a floresta, a minha floresta
Tudo o que existe
Porque tudo o que existe, eu me aproprio

E não preciso de pedir licença
É o bem de todos, que eles o aprendam também
E dou graças a Deus, pelo que me deu
Sem jogos ou negócios, pagas ou empréstimos

Ele dá verdadeiramente de graça.
Só Ele dá de Graça!
E como não sou nada fora da natureza,
Sou inteiramente criatura Dele
Faça o que fizer, estarei sempre na Sua mão.
















sábado, 21 de março de 2020

[OBRAS DE MANUEL BANET] O DIA EM QUE MORREU A CIVILIZAÇÃO DO DINHEIRO


[Por ocasião do Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2020]

                           
                             (imagem: mural de Banksy «Decadência Sustentável»)





Esta esgotada civilização já só se arrasta pelo mundo das aparências
Abandonámos o encanto da Natureza, o encanto do mistério cósmico, a troco de quê?
Duma arrogante e vazia pretensão de saber? Mas de que saber?
Um saber apostado em destruir, em desfazer o que é produto da Natureza.
O próprio saber ancestral dos homens - tudo!- foi espezinhado
Em proveito do deus dinheiro, o deus impiedoso,
Que sacrifica os humanos, os submete aos piores sofrimentos:
Estes ainda suspiram por suas cadeias, por seus alçapões fedorentos...

Há quem diga, perante esta esmagadora evidência, que a humanidade foi um erro do Criador, 
Que, em breve, ela se vai auto-extinguir neste planeta ínfimo, insignificante, nesta galáxia banal.
Mas, eu estou em desacordo com isso - não por ter esperança ou ilusão na bondade intrínseca dos humanos. 
Não; apenas que as civilizações são mortais, que esta civilização está a morrer
Em frente dos nossos olhos. Pois que morra! e nos libertemos! 

A civilização que vier, que não esqueça os abismos de estupidez  Destes longos decénios de decadência... 
Espero que saiba encontrar seu caminho
No respeito dos ecossistemas e do Cosmos. 
Caso contrário, nem valerá a pena construir nova civilização ...

Não sei quanto tempo irá durar a transição; 
Sei que virão grandes perturbações, haverá muita destruição, 
Mas será também um novo amanhecer. 
Que se cumpram as promessas mais belas: 
As que brilham no olhar das crianças.

domingo, 27 de janeiro de 2019

[OBRAS DE MANUEL BANET] COMPOSIÇÃO


Fazer poesia com as mãos
Moldar estátuas de fumo branco
Entoar as horas pelos valados
De noite escalar as dunas
De dia ouvir zumbidos no lugar

Assim irei rente ao rio 
Canoa sem mastro e sem remos
Serei aquela ave de falcoaria
Ou aquela raposa assustada
Clandestina senha do juncal

Mais não saberei que meus dias
Minhas errantes caminhadas
Aquelas visões de poente

E me extinguirei sem dor
Sem assumir dívida ou herança
Apenas assoprado como vento
Da alma entregue ao universo

(Murtal, Parede, 23 de Janeiro, 2019)

quarta-feira, 11 de abril de 2018

[OBRAS DE MANUEL BANET] 2 CANÇÕES *


*Estas duas canções pertencem a uma recolha chamada «Tenção», de poemas escritos entre 1973 e 1978, aproximadamente. 


E QUE RESTA DO PASSADO...


Mote:

                    E que resta do passado,
                    Senão um sulco no olhar?

Glosa:

Já vivi, indiferente,
Nem de todo satisfeito,
Nem e todo descontente,
Só um pouco contrafeito.

É por igual que aceito
Este amplexo ardente
Da morte que tão fremente
Toma meu corpo desfeito

Já meu olhar não distingue
Se é do Sol no poente,
Esta luz que se extingue,
Se é da alma doente.

As tuas mãos que com jeito
Lavam as manchas de sangue
Não evitarão que vingue
A fera que roí meu peito.

Já sobre a espádua,
Não pelo muito pelejar,
Mas pela vida árdua,
Desejo por fim repousar.

Nada me pode já salvar
Pois se estou à míngua
De calor nesta frágua,
Deixa a morte me levar!

“E que resta do passado...”
Já se esvai como água,
Como pranto sussurrado
Em secreta mágoa...

- Que mais resta do lampejar
Após ter-se apagado
No horizonte rasgado,
“Senão um sulco no olhar?”




DAI-ME O MOTE

Mote:
Ó voz, dai-me o mote
Que a glosa, a farei eu
“Nesta solidão de breu
Acendei o archote!”

Glosas:

Quando – minha Mãe – à luz
Me destes, não sabias
Que a teu filho trazias
A dor humana na cruz

Quando – meu Amor – beijei
Teu peito, ignoravas
O homem a quem te davas
- Amor, tudo esbanjei!

Obstinado quis saber
O sabor amargoso
Do vinho e do gozo
Falso de quem o beber

Não temo o chicote,
Assumo o que é meu:
“Nesta solidão de breu
Acendei o archote!”