sexta-feira, 10 de julho de 2020

[OBRAS DE MANUEL BANET] «SÓ ME RESTA ALUCINAR»

               Fenêtre Paysage Vue De Loin - Photo gratuite sur Pixabay

Só me resta alucinar de ver a realidade em frente
A realidade sem fardo ou cenário pintado
A realidade como a que vejo pela janela
A que tão bela me penetra na alma
Serpenteia pelo cérebro como serpente
Lasciva serpente que enrodilha o tronco,
Sussurra sem mal, sem perfídia nenhuma
Nem qualquer suspeita de romantismo
Apenas assim, como é
Como a corda da guitarra que vibra
Ela está em consonância comigo 
E eu com ela, simplesmente sem pensar
Assim de chofre como o azul sem mácula
Deste céu de Verão, acima do muro branco
Das traseiras.

Não esperem algo sobrenatural, não
A realidade das cores e a densidade dos sólidos
Estão para meu entendimento
Como a superfície para a espessura
Como o reflexo para a laguna
Não tem outro mistério, que o de tão aberto
Estar a todos... e se todos são cegos
Que culpa tenho eu, que culpa tens tu?

Já sei que não sei pintar uma paisagem
Mas será para isso que escrevo?
Ou para produzir um milhão de ruídos,
sons, cores, pedras e odores
Da realidade em que me passeio
Pelo sonho de estar aqui sentado e escrevendo
Este chorrilho de palavras e imagens
Soltas.
Que o vento as leve, mas as leve mesmo
Que não fiquem
Aqui, nem por mais um instante!
Que levantem voo, ou serpenteiem ou se escapem
como fumo de lareira pela chaminé
Ou ainda, como a osga que me visitou ontem

Porque só as coisas naturais me importam
Só as coisas e seres que não tenho
De explicar porque elas são
Existem por si e para si
Não preciso de teorias para as entender
Até para dialogar com elas
Portanto, só a realidade me interessa
E o mais é ilusão, cansaço, tédio
Falso esplendor e pouca vergonha
Nada que valha a pena ser meditado

Dizia que a realidade me entra pela janela adentro
Mas ela também jorra de dentro de mim
Para fora
Sim; a verdade é que estou envolvido
No que vejo e percepciono.
Nada que não soubesse!
De momento, estou pouco interessado em filosofar
E menos ainda em filosofar o olhar, o ver

A realidade apresenta-se a mim: eu bebo-a
Sou ébrio de beleza
No estado puro, forte licor de realidade
Incomensurável, estarei sempre sedento de ti
Enquanto estiver cá, neste Mundo
Para além de todas as palavras que eu possa dizer
Para além dos equívocos que delas possam surgir
Para lá também da moral e dos ritos sociais
Contemplo o mar, o meu mar, o céu, o meu céu
A terra, a minha terra, a floresta, a minha floresta
Tudo o que existe
Porque tudo o que existe, eu me aproprio

E não preciso de pedir licença
É o bem de todos, que eles o aprendam também
E dou graças a Deus, pelo que me deu
Sem jogos ou negócios, pagas ou empréstimos

Ele dá verdadeiramente de graça.
Só Ele dá de Graça!
E como não sou nada fora da natureza,
Sou inteiramente criatura Dele
Faça o que fizer, estarei sempre na Sua mão.
















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