terça-feira, 4 de outubro de 2016

QUAL É O PROPÓSITO DA VIDA?


Muitas pessoas devem ter sofrido quando se interrogaram sobre o propósito de sua vida, tal como eu me interroguei, durante décadas…
Uma pergunta aparentemente tão simples, mas capaz de confundir as pessoas porque elas teriam de esmiuçar tudo o que pode ser relevante numa resposta exaustiva, ou, pelo contrário, apenas encontrar uma palavra, um conceito mágico, que exprima a essência do que seria o propósito da sua vida.
Mas eu libertei-me dessa questão, não me deixarei jamais encerrar na armadilha retórica.  
Talvez este problema não vos afete, de modo nenhum, leitor. Neste caso, apenas tereis de ler este texto como algo curioso que descreve fenómenos psíquicos noutros seres humanos. Tenho de felicitá-lo pelo feito, porém. 
Até agora, todas as pessoas que tenho tido oportunidade de conhecer a um nível mais profundo que o superficial, sentem-se incompletas, sentem-se não realizadas, sentem que haverá algo como uma misteriosa missão que devem cumprir para ficarem em paz.
Mas… se fosse tudo uma espécie de imposição autoritária do nosso super ego? Se elas fossem arrastadas a pensar que tinham de ter objetivos pela simples razão de que as pessoas comuns se «entretêm» com isso e aceitam a escravidão assalariada (ou outra) de bom grado, pois aí encontram o tal propósito? Será que nós somos feitos para desempenhar este ou aquele papel na sociedade, aquele que corresponderia à nossa «vocação»? Ou seremos antes seres com um imenso campo de possíveis, o qual se vai estreitando ao longo da vida, desde muito cedo, para que, por fim, nos pareça razoável ou mesmo lógico que nos entusiasmemos com determinada rotina que nos impõem ou que impomos a nós próprios, convencidos de que escolhemos, de que fazemos –nós- o próprio destino, etc.?
É incómodo e politicamente incorreto dizer-se que afinal, não temos objetivos, propósito, metas, fins a alcançar; que viver é um ato sem necessidade de justificação. Ele justifica-se a si próprio. Por que razão precisamos de nos convencer de que existimos para nós próprios? Deve-se compreender «nós próprios» como não-delimitado pela fronteira da nossa pele. É muito arbitrário estabelecer aí os limites, como se o nosso ser existisse a partir de e para dentro dessa fronteira da pele. Aquilo que chamamos «nós», inclui a teia das nossas relações sociais, a própria organização social mais vasta, sem a qual não poderíamos subsistir.
Quem nos quer inculcar essa ideia peregrina de «objetivo», de «propósito» na vida, talvez esteja cheio de boas intenções, porém está a fazer o jogo dos que nos dominam e nos exploram. Estes é que beneficiam das algemas que colocamos a nós próprios. Tal coisa só se torna possível como um mecanismo de denegação. Recorremos à dissonância cognitiva permanente para nos mantermos sempre dentro do medíocre emprego que nos proporciona o «pão quotidiano». Não sabemos esconder de nós próprios, de outro modo, a infelicidade: damos um propósito mais ou menos «nobre» à escravatura do trabalho, até fingindo prazer, satisfação, realização pessoal, para não sermos confrontados com uma realidade demasiado deprimente.
Eu percebo agora que não é necessário o homem livre ter qualquer projeto de vida ou propósito ou vocação. Ele determina-se a fazer algo, quer no momento, quer no médio ou longo prazo, somente de acordo com a sua vontade. Ele está ciente da realidade e a sua existência: confronta-se com a realidade, não a esconde e não se submete passivamente. Se ele estiver nesta postura, não será sempre feliz, mas terá momentos de plenitude, pois será capaz de se autodeterminar e de alcançar o que deseja. Caso não o consiga, está capaz de avaliar as razões de não ter obtido o resultado pretendido e modificar-se a vários níveis, modificando assim também as condições do seu entorno.
Esta pergunta «qual é o propósito da vida?» é bastante trivial afinal de contas. Deve ser desconstruída, pois nós sabemos que a vida vale por si própria; que os seres vivos são todos dotados de instinto vital; que, portanto, a vida é a finalidade última dela própria… não precisamos de falar de busca da felicidade, nem de harmonia, ou de plenitude… Basta dizermos que o próprio viver é que se autojustifica.
Julgo ter demonstrado a inutilidade de toda a infelicidade e angústia associadas a esta questão. Não apenas a questão costuma ser mal colocada, como nos distrai do que conta verdadeiramente.

Quais são os nossos valores legítimos, aqueles que nós próprios construímos, que assumimos como integrando a nossa ética? Essas sim, são questões relevantes para a condução da nossa vida, que nós devemos colocar e responder tentativamente nas várias etapas da nossa existência. São perguntas cuja resposta obriga o indivíduo a situar-se no campo dos valores. Valores esses que a si próprio atribui, conscientemente, como escolha amadurecida. No ambiente social que o rodeia poderá haver concordância ou não com esses valores, porém a sua autodeterminação prevalece, não se deixará subjugar pelos tiques e pelas modas que observa nos outros. Um indivíduo assim é rico interiormente, independentemente de sua riqueza material. Como é dono de si próprio, não será subjugado completamente, mesmo que tenha de sujeitar-se a algum sacrifício para poder sobreviver. Poderá mesmo assim ser escravo, talvez, mas com uma consciência de homem livre. Um homem assim, não será inteiramente escravizado e não perderá a oportunidade de romper as grilhetas da sua sujeição.  

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