ABSINTO (AB-SINTO)* O doce amargo, que sabe a conchas entreabertas, quando a
maré se retira sobre a areia... o teu corpo nu, resplandecente sob o Sol... o
horizonte está raiado de mil estrelas que anunciam a madrugada que nunca
chega... a poesia ergue-se como Vénus dos fluxos ondulantes, astro roxo e
sempre pleno de mistério... a tua pele de âmbar, os teus olhos vagos, negro da
China... a beleza do luar banhando estas paragens desertas... vento que varre a
penumbra de todos os restos de pudor da virgem... seu seio cor de malva ilumina
as alforrecas, velhos senhores que o mar não deixou subir as escadas do céu...
nos canaviais do meu desespero uma esperança desponta... cresce como o fluxo
que arrasta montanhas até aos lugares delineados por veios de esmeralda... grés
quando se toca no fundo do mar... longe de tudo o que alma humana jamais viu...
nem sequer restam as esferas, poliedros e outras figuras que declinam a sua
secreta identidade... assim se constrói o final de uma canção sussurrada por
vozes longínquas mas sempre presentes no lugar mais escuro da mente...nas
salvas de marfim, os reflexos nacarados dos corais emprestam uma bruma ao seu
mais precioso segredo... amor de seixos rolados por eras de lágrimas choradas
sobre a túnica vestigial da única sombra que enche o ar da noite... não
descerres os olhos, ó poeta de olhar triste, lábios carcomidos pelos vermes,
não sabes que o teu fim se aproxima? ...E nem sentirás o perfume de uma flor
selvagem colhida no desespero do gélido paradigma da Ciência? Não recuses a
palavra do que te salvou das trevas obscuras ... as estrelas falam calmamente
de alguns terrestres que ficaram esquecidos das suas origens de anjos... as
coisas vibram e o teu corpo não pode senão se entregar ao suplício de Grande
Perversidade, escrevendo o destino nas veias até atingir as carótidas como a
flor do lótus... a mediocridade invade o Mundo, mesmo que lutes, nada a
fazer... tomaram tudo, despiram a Noite do sonho, o sonho que Édipo sempre
escondeu, mas não desesperes. A manhã chegará. – Não sejas tão presunçoso! Ou
será que o Ascaris não tem guarida no teu mundo intestino?! ...Na poesia a
única pétala que pode ser colhida é aquela que se desdobra em mil delírios de
ópio com os seus estranhos espectros. No entanto, a crueldade não poderá moldar
jamais a tremenda voz do que se nomeia
do nome de Deus. Nas fráguas do Oceano, o puro ar ecoa de gritos: Sem réstias
de ternura, os dentes da pantera rasgam a pele dos pequenos príncipes...
Dizei-me caminheiro, de onde vem o vosso bornal escrito nas areias sempre
móveis do deserto? ...Nas faldas de um tam longo sonho só enxerga a luxúria o
que passou a instrumento do temível astro da alba... percorre o fundo da
abjecção, ó abutre que te nutres de carne podre, de restos ainda quentes de
meus irmãos... – Abutre, não temas os caçadores; apenas estão aqui para te
avisar que o azul do céu engana mesmo os mais fortes... E que é a vida senão um
curto instante derramado duma cuba de vinho cujo mosto se leveda, para jamais
retornar ao estado de uva... – Sim, jamais. No
vazio de todas as tuas especulações, a tua mente ergue uma muralha de
invencível orgulho que a impede de sorrir no momento exacto em que milhares de
pessoas atingem as margens da luz... não durmas; a tua salvação reside no ténue
fio de uma aranha tecido... só podes fazer o que o destino não te ordena...
cobre do teu véu o espanto de teres nascido neste tremendo lamaçal que te envolve, que te toma a garganta e te
faz clamar: “ A Vida é uma grande ilusão!” - Dêem-me um círio, quero perder toda e qualquer
esperança de inverter a marcha temerosa do Grande Frenesim da Noite... ... A minha pena escreve sem saber que tudo
o que derrama se está perdendo num mar de loucura.
* Publicado em 1984 nos «Cadernos O Fingidor» (edições MIC), faz parte da coletânea de poemas «Lábios do Vento»
NB: Na difícil escolha de obras para ilustrar a qualidade impar do mais importante modernista portugês, guiei-me apenas e somente pelo meu gosto pessoal, mas deixo aos visitantes do blog a tarefa de encontrarem suas telas ou gravuras preferidas.
1/ O cavalo branco apascentava calmamente no monte, lá
ao longe, na orla de um formoso bosque. Ele apareceu-me várias vezes. Nunca
pude decidir se o cavalo era alucinação ou se era real. O monte e o bosque são
visíveis nas traseiras da minha casa. Sempre que olho para lá, lembro-me da
estranha visão, que nunca mais voltei a ter.
2/ No pino do Verão, vi uma linda serpente, de mais de
um metro de comprimento, estendida sobre o muro do jardim. Eu tive todo o tempo
para a observar da janela. Depois dum pedaço, deslocou-se com movimentos
ondeantes. Rastejou para um matagal nas traseiras, uma propriedade abandonada.
Não tive receio; fiquei fascinado com a ondeante sensualidade de sua locomoção
tranquila.
3/ Os gatos das redondezas, embora eu não lhes dê
comida, vêm ao jardim, terreno seguro e calmo para eles. Eu não os enxoto.
Costumam preguiçar à sombra das tuias. Não fogem quando entro pelo portão do
jardim, apenas me fixam tranquilos com o seu olhar.
4/ Um cão de guarda da vizinha, um são bernardo, está
sempre a vigiar quem passa atrás do portão. Considero-o um amigo pessoal, que
cumprimento de formas diversas, sempre que passo frente deste portão. Ele
exprime alegria efusiva, pulando e ladrando, quando me vê, no meu regresso,
após uma curta ausência de alguns dias.
5/ Sonho, frequentemente, com aves; sobretudo com gaivotas,
com maçaricos e outras aves da orla marítima. Estou sempre atento às aves
selvagens, esteja eu onde estiver.
6/ Estava uma vez, num cocktail, no último piso dum
hotel em Lisboa. Vi através da larga vidraça o que me pareceu ser um falcão ou águia
de pequeno porte. Aterrou num rebordo imediatamente abaixo da janela
envidraçada do restaurante panorâmico. Depois desta insólita visão, decidi
investigar se aves tipicamente selvagens
fazem incursões dentro das cidades. Foi então - e só então - que soube
tratar-se de um fenómeno relativamente vulgar...
7/ Ouvi, num recinto público, o canto melodioso duma
ave, muito diferente de tudo quanto estou habituado a ouvir. Tentei observar a
ave canora pela janela, mas não consegui. Gosto de ouvir o canto das aves e
tento identificar as espécies correspondentes. Estranhamente, o mesmo fenómeno
ocorreu algumas semanas depois, exactamente no mesmo local.
8/ Sonhei com uma estrela-do-mar, que se encontrava na
zona de rochas entre duas praias, próximo de minha casa. Na manhã seguinte, como
de costume, fiz um passeio à beira-mar. Lá estava ela, morta ou moribunda, sobre
a areia da praia, virada para cima. Escrevi um conto/poema sobre este encontro.
9/ Na mesma zona costeira vi um grande cardume de
peixes bastante grandes, do alto de falésias, durante uma das minhas caminhadas
quotidianas. Olhei para baixo e vi o mar, o substrato rochoso, as zonas que
ficam acima e abaixo do nível do mar. Nunca tinha observado tal espectáculo
embora muitas vezes veja o dorso prateado de peixes que aparecem à superfície
das ondas. Mas desta vez, cada peixe era perfeitamente visível à transparência
das águas calmas. Contei para cima de uma dúzia. Aproveitavam a maré para se
chegar à zona intertidal. Nunca mais vi algo assim, pelo que talvez tenha
observado o raro momento da desova, neste recanto calmo e nutritivo para a nova
geração.
A Sinfonia nº3 em Si bemol Maior Op. 55, a famosa Eróica, foi estreada em Viena a 7 de Abril de 1805, sob a direção do compositor. Foi um momento de viragem de primeira importância dentro da história da música, não apenas da vida pessoal de Beethoven.
A história da dedicatória da obra, já é em si mesma, uma HISTÓRIA LENDÁRIA, SIMBÓLICA. Beethoven inicialmente dedicou a sinfonia a Bonaparte, mas quando este tomou a coroa imperial, deitando por terra as esperanças democráticas do compositor, este decidiu substituir a dedicatória incial por algo não explícito, «em memória de um grande homem».
A escolha do termo «eróica» não aponta para uma inovação fundamental. Porém, hoje em dia, se esta sinfonia é celebrada, deve-se sobretudo ao sentido «heróico» do próprio compositor, refletido dos vigorosos ritmos e na intensa originalidade da orquestração.
Sem dúvida, tornou-se ela um «clássico»; porém, na sua época, esta sinfonia foi vista como uma coisa horrível, intragável, pela crítica contemporânea.
Foi, bem vistas as coisas, uma revolução na música, no sentido de que, desde então, começou-se a compor para a posteridade e não apenas para o instante.
Abaixo, um link para um excelente filme sobre Beethoven e a Eroica:
Na Fábrica de Alternativas (Algés), perante uma pequena assembleia, realizou-se, na noite de quarta-feira passada (dia 18 de Janeiro de 2017), uma estreia.
Refiro-me à estreia dos «cafés
literários», uma actividade com periodicidade mensal, na Fábrica de Alternativas. O conceito e realização deste evento estiveram a cargo do grupo redactorial dos «Cadernos Selvagens».
Foram nossos convidados especiais os amigos poetas Fernando
Pessoa, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo dos Reis e também o tradutor e prefaciador da obra de Alberto Caeiro, Thomas Crosse.
Realmente, de tudo um pouco se falou, embora sobretudo das
relações da poesia com a filosofia.
Também se falou de «materialismo», «deísmo»,
«paganismo», mas não como meros «clichés», que se costumam substituir a qualidade tão
rara de reflexão.
Alvaro de Campos e Ricardo Reis tiveram ocasião de aprofundar para a assistência as idiossincrasias, nem sempre evidentes, da filosofia, estilo e poética do seu mestre comum, Alberto Caeiro.
O próprio Mestre Caeiro também nos presenteou com reflexões fortes, quando entrevistado em directo por Pessoa, seu admirador e compilador.
MÉNILMONTANT Ménilmontant mais oui madame C'est là que j'ai laissé mon cœur C'est là que je viens retrouver mon âme Toute ma flamme Tout mon bonheur...