Porque razão os bancos centrais asiáticos estão a comprar toneladas de ouro? - Não é ouro em si mesmo que lhes importa neste momento, mas é a forma mais expedita de se livrarem de US dollars!!

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

POEMA EM PROSA «ABSINTO» (obras de MANUEL BANET)

 ABSINTO (AB-SINTO)*
 O doce amargo, que sabe a conchas entreabertas, quando a maré se retira sobre a areia... o teu corpo nu, resplandecente sob o Sol... o horizonte está raiado de mil estrelas que anunciam a madrugada que nunca chega... a poesia ergue-se como Vénus dos fluxos ondulantes, astro roxo e sempre pleno de mistério... a tua pele de âmbar, os teus olhos vagos, negro da China... a beleza do luar banhando estas paragens desertas... vento que varre a penumbra de todos os restos de pudor da virgem... seu seio cor de malva ilumina as alforrecas, velhos senhores que o mar não deixou subir as escadas do céu... nos canaviais do meu desespero uma esperança desponta... cresce como o fluxo que arrasta montanhas até aos lugares delineados por veios de esmeralda... grés quando se toca no fundo do mar... longe de tudo o que alma humana jamais viu... nem sequer restam as esferas, poliedros e outras figuras que declinam a sua secreta identidade... assim se constrói o final de uma canção sussurrada por vozes longínquas mas sempre presentes no lugar mais escuro da mente...nas salvas de marfim, os reflexos nacarados dos corais emprestam uma bruma ao seu mais precioso segredo... amor de seixos rolados por eras de lágrimas choradas sobre a túnica vestigial da única sombra que enche o ar da noite... não descerres os olhos, ó poeta de olhar triste, lábios carcomidos pelos vermes, não sabes que o teu fim se aproxima? ...E nem sentirás o perfume de uma flor selvagem colhida no desespero do gélido paradigma da Ciência? Não recuses a palavra do que te salvou das trevas obscuras ... as estrelas falam calmamente de alguns terrestres que ficaram esquecidos das suas origens de anjos... as coisas vibram e o teu corpo não pode senão se entregar ao suplício de Grande Perversidade, escrevendo o destino nas veias até atingir as carótidas como a flor do lótus... a mediocridade invade o Mundo, mesmo que lutes, nada a fazer... tomaram tudo, despiram a Noite do sonho, o sonho que Édipo sempre escondeu, mas não desesperes. A manhã chegará. – Não sejas tão presunçoso! Ou será que o Ascaris não tem guarida no teu mundo intestino?! ...Na poesia a única pétala que pode ser colhida é aquela que se desdobra em mil delírios de ópio com os seus estranhos espectros. No entanto, a crueldade não poderá moldar jamais  a tremenda voz do que se nomeia do nome de Deus. Nas fráguas do Oceano, o puro ar ecoa de gritos: Sem réstias de ternura, os dentes da pantera rasgam a pele dos pequenos príncipes... Dizei-me caminheiro, de onde vem o vosso bornal escrito nas areias sempre móveis do deserto? ...Nas faldas de um tam longo sonho só enxerga a luxúria o que passou a instrumento do temível astro da alba... percorre o fundo da abjecção, ó abutre que te nutres de carne podre, de restos ainda quentes de meus irmãos... – Abutre, não temas os caçadores; apenas estão aqui para te avisar que o azul do céu engana mesmo os mais fortes... E que é a vida senão um curto instante derramado duma cuba de vinho cujo mosto se leveda, para jamais retornar ao estado de uva... – Sim, jamais.
                 No vazio de todas as tuas especulações, a tua mente ergue uma muralha de invencível orgulho que a impede de sorrir no momento exacto em que milhares de pessoas atingem as margens da luz... não durmas; a tua salvação reside no ténue fio de uma aranha tecido... só podes fazer o que o destino não te ordena... cobre do teu véu o espanto de teres nascido neste tremendo lamaçal  que te envolve, que te toma a garganta e te faz clamar: “ A Vida é uma grande ilusão!”
             - Dêem-me  um círio, quero perder toda e qualquer esperança de inverter a marcha temerosa do Grande Frenesim da Noite...
             ... A minha pena escreve sem saber que tudo o que derrama se está perdendo num mar de loucura.
 

* Publicado em 1984 nos «Cadernos O Fingidor» (edições MIC), faz parte da coletânea de poemas «Lábios do Vento»

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