ROTEIRO PARA
ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO
[parte I]
Por vezes, a mente é levada a construir complexas construções, as quais se
apoderam do próprio funcionamento do indivíduo. A sua consciência é auto-adormecida,
pela falsa evidência, aparência, ou ilusão, de que a realidade que o cerca se
conforma ao modelo interior, por ele construído.
Por outras
palavras, temos a tendência - forte e generalizada - de interpretar as
informações, tanto o que nos chega pelos sentidos, como o que entra pela via do
«universo medio-cognitivo», duma maneira que se encaixe no modelo interior que
construímos (não conscientemente) do mundo e de nós próprios.
Quando nos
deparamos com evidência de que assim é (como escrevi acima) e, sobretudo, que o
nosso ponto de vista não pode ser senão o ângulo subjectivo do indivíduo, que
interpreta as coisas de acordo com a sua conveniência, podemos ser tentados a
adoptar uma postura cínica, como: «se as coisas são assim, então irei fabricar
a minha narrativa do real, de acordo com a minha conveniência».
Mas, a
narrativa do real, não é o real. O real está para além do alcance da mente
humana, não porque não exista... nem porque a mente humana seja
conceptualmente deficiente para alcançar tal conhecimento.
- Não, a
impossibilidade de ver o real é ontológica.
É o que
nos transmite o Koan seguinte:
«os olhos não podem ver-se a si próprios.»
Dirás: «mas
os meus olhos, que se reflectem no espelho e dos quais vejo a imagem, são
reais, pois os fluxos de ondas luminosas que chegam aos meus olhos, o são ...
Para lá da
explicação imediata, de que os olhos não podem ver senão o reflexo (ou seja,
ondas luminosas) ao espelho, de si próprios.... devemos ter em conta que o
próprio tecido do real é composto de uma grande complexidade.
Estaremos
convictos de que «vemos» algo, que os olhos não nos estão a enganar, no
instante preciso em que estamos a sofrer uma ilusão.
Além disso,
a realidade física, as leis da reflexão dos objectos num espelho, a luz que
incide e é reflectida, o modo como isso acontece, etc...existem, mas, também
elas não proíbem que determinados parâmetros variem, e isso fará com que o
observador interprete - de modo erróneo - uma determinada imagem.
Deve-se ler
a discussão acima, não meramente no sentido literal, mas também metafórico:
compreendemos que estamos permanentemente a nos enganar a nós próprios, com os
«olhos da mente» coloridos por lentes, de cores diversas, como um caleidoscópio
que varia, consoante nossos estados internos.
Poderia
desenvolver e ilustrar longamente o que acima delineei, mas peço ao próprio
leitor para fazê-lo, reflectindo, recorrendo a memórias da sua experiência
pessoal, ao que tem ocasião de observar no mundo que o rodeia.
Assumindo pessoalmente
os pressupostos acima, como é que eu me poderei libertar desta «teia», desta
«matrix», que me impede a ver o real sem «filtro», sem as ilusões de «óptica»
decorrentes da minha própria pessoa?
- Fará
sentido procurar «sair de mim próprio»?
- Será que
posso me desdobrar em «observador do real» e «observador do observador do real»
... num jogo de espelhos sem fim, até ao infinito?
- Não será
melhor eu assumir que - faça o que fizer - estarei sempre imerso nesta matriz,
neste vai e vem entre o mundo real e a minha percepção do mesmo, a qual não é mecânica, nem automática, mas sim uma construção?
O meu
cérebro tende a procurar «fazer sentido» da informação, porque foi feito para
isso, geneticamente. Também foi treinado pela educação, reforçando este
comportamento na vivência de todo o tempo de vida...
Mesmo que
tente descolar do realismo ingénuo - a realidade é «aquilo que vemos» - o
certo, é que não comando as minhas pulsões, o meu «fundo animal», pelo
que - no melhor dos casos, somente poderei «a posteriori», depois duma
ocorrência, tentar compreender o que se passou.
Também neste caso, terei
necessariamente de recorrer às experiências passadas e ao armazenamento das
mesmas na memória, não poderei raciocinar de outra forma, senão da maneira como
me foi ensinado, condicionado, habituado a fazê-lo. Em qualquer
situação, haverá sempre um subjectivismo irredutível, no centro da
interpretação do que vejo.
A
consciência da não-distância ao real, da não-descolagem do personagem que
observa, em relação à informação que lhe chega pelos sentidos (ou mecanismos
cognitivos), poderá ser um princípio.
Tendo em
conta esta complexidade, não deverei ter a veleidade de saber tudo, nem de ter
uma clara visão do que vejo. Terei uma grande prudência em relação aos meus
juízos. Nomeadamente, de que sendo eu centrado, ancorado, na minha existência
(e isto não pode ser de outro modo), não poderei abarcar a realidade numa visão
global, como se fosse «Deus».
A
impossibilidade de uma parte (nós) ter um total conhecimento e consciência do
todo, no qual está incluída (o Universo), foi demonstrada matematicamente por
Gödel, um dos mais brilhantes matemáticos do século XX.
Eu adopto a
posição de um realismo prudente, não trivial, não «materialista», não ingénuo
em relação à ciência, nem à sua ideologia (cientismo) que muitas vezes nela se
esconde.
Mas sou
realista e reivindico esta minha opção, pois me parece ser a única que poderá
alimentar uma abordagem saudável e construtiva dos problemas éticos, que se me
deparam a cada passo.
Se falamos
de ética e de consciência, estamos a falar de quê?
- Estou a
fazer algo pelo sentido do dever ou do prazer?
- Estou a
auto-avaliar a minha escolha, a minha acção, por valores que poderão ser
adoptados pelo conjunto da sociedade e até do universo, ou estarei meramente a
jogar com as palavras, para me «enganar» a mim próprio?
Muito
poderia e deveria ser dito e escrito sobre estas questões, mas aqui irei apenas
dar uma indicação de caminho: A
consciência de si e a noção do real, da realidade, são dois aspectos
indissociáveis do «ethos» do indivíduo; tal pode também ser aplicado, com
modificações, à ética social, à «moral pública».
[parte II]
Quando me
decidi a escrever algo do «sumo» da minha experiência, relativamente a questões
que só superficialmente são tidas como do foro íntimo - a consciência, a
autonomia do indivíduo, a responsabilidade individual e social - não estava
querendo dar «lições de moral», mas antes motivado pelo desejo de arrumar - na
minha própria cabeça - conceitos e experiências.
Depois
descobri que, ao arrumar este conjunto de questões, estava a tornar tudo muito
mais claro, na minha mente. Este era um «fio de Ariadne» que me poderia
conduzir, no futuro, para fora de situações embaraçosas e de constrangimento,
como acontece nas vidas de quase todas as pessoas.
Este «fio»
talvez seja demasiado frágil e talvez apenas uma hipótese. Porém, se tal
hipótese se confirmar, mesmo que só eu consiga recorrer a ele para sair do
labirinto, já é muito.
Para si, leitor/a, isso significa que o/a leitor/a pode encontrar o seu próprio
método, também! Não será isto uma boa notícia?
As pessoas
todas precisam de um «vestido aureolar», uma roupa invisível que proteja a
nudez do seu ego. Elas deslocam-se na sociedade, exibindo esse traje, embora
estejam nuas, face a alguém com o olhar ingénuo duma criança.
É curioso ver as pessoas imbuídas das suas roupagens e adereços, como se fossem
personagens de teatro, ou de ópera. Serão elas capazes de descolar de suas
próprias «representações teatrais», verem-se a si próprias e o papel que estão
desempenhando?
- Os
personagens da história (os monarcas, chefes militares, etc) construíram
deliberadamente um «avatar» de si próprios, um ser mítico, que os súbditos
adoravam, um símbolo, algo que não tinha realidade, senão na imaginação dos
seus adeptos.
Assim
procedem, igualmente, os «ídolos» do desporto, do cinema, da música pop, da
política-espectáculo, enquanto manipulação hábil desse «vestido-aureolar».
Do lado dos
adeptos, do lado das massas, existe um desejo, não-satisfeito, de amor, de um
amor impossível de satisfazer porque é o amor que uma criança com poucos meses
de vida possui/recebe do seio materno, que o nutre e lhe dá tudo, calor,
carinho, segurança, prazer.
A nostalgia
dos humanos pelo seio materno é universal. Aquilo que não é tão universal
é um desejo sôfrego pela satisfação do retorno ao seio materno, mesmo que seja
de modo totalmente simbólico, ou o mais irrisório, até.
Mas devemos
compreender que em larguíssima escala, na sociedade, existe uma regressão
infantil de certo número de pessoas. São estas pessoas com grande pulsão para
«se entregarem», que procuram uma identificação com um ídolo. Elas colocam-se
(interiormente) na postura do «bebé que mama o seio materno». Isto não deveria
surpreender, pois estas pessoas não conseguem encontrar na sua vida -
que, elas próprias desprezam - algo que supere a quase perfeita felicidade do
bebé. É como uma droga, como a «soma» do romance de Aldous Huxley. E a
isto, pode chamar-se alienação.
Note-se que,
quanto mais frustradas, mais se agarram à sua «droga» preferida: numas, pode
ser mesmo «droga» no sentido usual de substância aditiva.
Noutras, pode ser a identificação com e adoração do ídolo.
Tal
mecanismo é patológico, na medida em que vai escamotear a realidade: o ídolo,
não é assim na realidade, mas é essa a imagem retida pelos adeptos que o
adoram. Além disso, o reforço constante da imago do ídolo, na media
popular de massas, cria e alimenta em permanência, o mecanismo
de identificação com ele: os adoradores recebem através da imago, um
pouco de sua aura, do seu poder mágico, etc.
As pessoas
podem estar de tal maneira reprimidas ou anuladas, que não têm a coragem - nem
pensam sequer - de viver a sua vida, construindo os seus projectos, aceitando
desafios, lutando pelos seus objectivos. Assim, um pequeno grupo consegue
perfeitamente manter controlo das restantes pessoas, dominadas. A
receita é simples e muito velha:
- Fazer com
que a imagem da(s) pessoa(s) dominante(s) coincida com um mito pré-existente,
vestindo a mesma roupagem do mito, ou um pouco diferente, mas facilmente
reconhecida pelas massas, o vestido-aureolar de que falei acima.
Mas, nada
disto seria possível se não houvesse, profundamente, em todos nós, uma
tendência genética, hereditária, para o gregarismo.
Esta tendência já está presente, antes do aparecimento dos humanos, no
mundo animal, não sendo portanto uma contribuição original da evolução
humana, mas antes uma herança ancestral, transportada pelos homininos,
até a Homo sapiens e presente em todas as culturas humanas,
passadas e presentes.
Irei desenvolver este tema no capítulo seguinte.
[parte III]
Nas espécies animais mais próximas da espécie humana do ponto de vista
evolutivo, os grandes símios antropóides, a existência de comunidades
estruturadas de modo muito idêntico, de geração em geração, reforça a noção de
que existe uma determinação genética nos seus modos de se relacionarem e de se
estruturarem em sociedade.
Nos gorilas,
a estrutura social é diferente da sociedade dos chimpanzés, e nestes difere
grandemente da dos seus «primos», os bonobos. Porém, a distância genética entre
eles não é muito elevada.
Estão todos
muito dependentes do grupo para a criação e integração dos infantes e dos
jovens. A sociedade está estruturada de modo hierárquico e familiar nos
gorilas, hierárquico e supra familiar nos chimpanzés e não hierárquico,
sexualmente promíscuo, nos bonobos.
A
estruturação dos grupos pré-humanos - ou homininos - pode ser inferida pelos
vestígios quer da anatomia, quer de restos arqueológicos, permitindo inferir a estrutura
dos bandos, a partir de uma série de parâmetros.
Mas, só
podemos ter a certeza sobre os detalhes dos modos de organização social, na
nossa espécie - o Homo sapiens - a qual terá cerca de 300 mil anos, segundo as
descobertas mais recentes.
A estrutura
familiar foi - em muitos casos- o único nível de complexidade que muitos
humanos das épocas mais remotas conheceram. Isto não invalida a
existência de agrupamentos supra familiares, como os clãs ou as tribos, mesmo
nas etapas anteriores ao «homem anatomicamente moderno».
Porém, a
estruturação das sociedades em conjuntos maiores é típica das épocas
pós-paleolíticas: neolítico, calcolítico, idade do bronze, do ferro… Nas
sociedades agrárias e pastoris iniciais, já existia uma hierarquia dos géneros,
das idades, do poder e da riqueza.
As relações
eram, porém, quase sempre «cara a cara», havia um conhecimento directo dos
chefes pelos súbditos e vice-versa. A complexidade crescente e o tamanho dos
conjuntos humanos, veio trazer uma distância cada vez maior entre os dominantes
e seus subordinados. Nas sociedades do paleolítico e do início do
neolítico, aquele que se impunha pessoalmente como chefe do bando, do clã
ou da tribo, seria quase sempre um homem forte e respeitado pela sua
coragem e argúcia.
Nas
sociedades agrárias mais tardias, como no Egipto, a casta de sacerdotes
dominava o poder, pondo e dispondo de monarcas divinizados.
Irrompe, nas
sociedades humanas, a partir de há cerca de oito mil anos, a religião
organizada e de estado, um elemento decisivo de organização da sociedade.
Nesta, o exercício do poder estava integrado na ordem cosmológica havendo,
portanto, uma vinculação comum a esse poder, como emanado directamente da ordem
divina.
Só num
período muito curto e recente a humanidade não esteve submetida a um poder
patriarcal, autoritário, fortemente apoiado na religião. O restante, foi o
período das sociedades pré-históricas (cerca de 300 mil anos), mais
o longuíssimo período superior a 5 milhões de anos, em que os homininos
se foram afastando do ancestral comum a estes e aos grandes símios.
Claramente,
isto mostra-nos que os comportamentos sociais têm uma profunda raiz na nossa
história propriamente biológica.
Também as
formas de organização das sociedades humanas, ao longo da História e que
antecederam a civilização contemporânea, mantiveram, de alguma forma, relação
com este fundo comum da espécie.
Para
inúmeras gerações, a questão central da vida não era a liberdade do individuo,
mas a subsistência. O conseguir alimento suficiente para si e para os filhos,
era a preocupação quase exclusiva de inúmeras gerações de homens e
mulheres.
A questão da
submissão ao grupo ou gregarismo nasce dessa situação.
Nunca foi
fácil o ser humano ou hominino sobreviver. Nos primeiros milhões de anos, os
homininos tinham de contentar-se com o que os grandes carnívoros deixavam das
carcaças das prezas mortas por eles.
Existem
muitas indicações de que a humanidade (e as formas que a antecedem) vivia na
carência ou no limiar desta, além de que eram muito mais frequentemente presas
do que predadores: não faltam evidências disso, desde marcas de dentes de
grandes carnívoros nos ossos fossilizados de homininos, até às composições
isotópicas dos dentes, que nos dão uma ideia da composição da sua dieta. As
estimativas da densidade populacional, correlacionadas com a abundância ou
escassez de alimento, mostram uma humanidade no limiar da fome em vastos
períodos históricos.
Tem de
compreender-se então o gregarismo como uma tendência forte, no ramo da
evolução animal ao qual pertencemos. Forte, no sentido de ter havido muitas
forças societais que favoreceram este comportamento, que até o reforçaram com
dispositivos sociais (as castas, as classes, as ordens...) numa superestrutura
ideológica. Mas, as coisas são muito mais complexas, pois em simultâneo,
surgem forças que se exercem no sentido contrário. Estou a referir-me
à plasticidade do comportamento humano, que alguns assimilam ao livre-arbítrio,
mas que - afinal - se pode resumir à capacidade de autodeterminação do
indivíduo, em relação ao grupo no qual está inserido. Esta liberdade face ao
grupo, obviamente, tem mais oportunidade de se exprimir e desenvolver numa
sociedade onde exista uma certa abundância, ou onde os indivíduos não estejam
tão constrangidos, tão dependentes do entorno social, para a sua simples
subsistência.
Os ideólogos
do individualismo colocaram as liberdades e garantias individuais como direitos
inerentes e inalienáveis de todos os humanos, claramente acima de quaisquer
direitos de grupos.
Os direitos
humanos foram assim entendidos como coisa absoluta, independente das
sociedades. Nalguns filósofos, foram tidos como independentes da contribuição
dos indivíduos para as mesmas sociedades.
Porém, pouco
tempo depois, a partir da segunda década do século XX, desenvolveram-se regimes
totalitários, como o nazismo e o bolchevismo, em que o indivíduo era
subordinado ao Estado todo-poderoso.
As guerras e
enormes destruições ocorridas conduziram ao Direito Internacional, aos
princípios da ONU, à sua Carta e Convenções, aos organismos supranacionais.
Infelizmente, todo o edifício está fortemente posto em causa pela própria
utilização abusiva dos poderes dominantes, que violam impunemente esta
legalidade internacional.
O gregarismo
é um mecanismo biológico e não adianta muito contrariá-lo. Mas, deve-se
compreender que a manipulação deste gregarismo, que está na nossa biologia, é
um dos ingredientes da propaganda ou das «relações públicas». Esta manipulação
está integrada no âmago das nossas sociedades, condicionando de forma
inevitável praticamente todas as pessoas.
Através de
mecanismos psicológicos infundem a ilusão nas pessoas de uma liberdade no
consumo, na política, na religião, etc. Isto consiste, claro, num processo
hábil de neutralizar as salvaguardas racionais e a verdadeira autonomia dos
indivíduos, sem que estes tomem consciência disso.
A questão da
propaganda (ou «public relations») na sociedade contemporânea será tratada, em
pormenor, na parte seguinte.
[parte IV]
Na parte
III desta série, propunha que nos
debruçássemos sobre a questão da propaganda ou das relações públicas (PR =
public relations), em conexão com o gregarismo; este foi seu fio condutor.
Agora, na
parte IV, é tempo de aprofundar o que afinal liga esse mecanismo largamente
endógeno, o gregarismo, com algo que é - para todos os efeitos - uma construção
das sociedades.
A teoria da
propaganda ou das «relações públicas» foi fundada e desenvolvida por Edward
Bernays, um sobrinho de Sigmund Freud, mas depois dele um grande número de
especialistas - psicólogos, sociólogos, etc. - foram acrescentando e refinando
os conceitos. Se esta teoria foi inovadora no seu tempo (primeiras décadas do
século vinte), ela não é mais do que a versão banal dos achados de Freud sobre
o inconsciente, sobre as pulsões, enfim sobre a psicologia das profundezas, e a
sua aplicação ao homem e mulher comuns, ao cidadão que cruzamos no quotidiano,
com o objectivo de induzir um comportamento, que pode ser de consumir algo, mas
também pode ter a ver com a escolha política ou outra.
Noutro
escrito detalhei bastante este aspecto, pelo que evitarei aqui repetir-me: o
leitor poderá reportar-se ao artigo aqui, deste blog.
O que me
interessa agora detalhar estas técnicas como meios de manipulação, que fazem
com que as pessoas adoptem, em aparência, atitudes e mesmo valores que pensam
ser próprios, resultantes de sua escolha, quando - na verdade - são induzidos e
resultantes de um condicionamento.
Qual a
relação isto tem com a manipulação?
Penso que
tem tudo a ver, pois «manipulação» deve ser o termo apropriado para indução de
certos comportamentos ou ideias, sem que haja consciência disso.
Logicamente,
os métodos abertamente autoritários, repressivos, estão excluídos da minha
definição, embora, mesmo nestes sistemas políticos, os poderes possam recorrer à manipulação, para que as populações adoptem determinado padrão de
comportamento.
Neste caso,
porém, existe uma secreta, mas real, consciência por parte de certo número de
indivíduos dominados, de que tais comportamentos estão a ser forçados sobre
eles, mesmo que eles não possam exprimi-lo.
Mas, a
propaganda ou o «public relations» consiste em algo muito diferente, pois as
pessoas são levadas à ilusão de que escolhem fazer isto ou aquilo, que a
sua escolha da máquina de lavar roupa é inteiramente racional, ou é
inteiramente baseada numa avaliação que elas próprias fazem das suas
características, como produto... Este exemplo é um bocado simplista, mas é intencional;
mesmo nas questões mais subtis, afinal de contas, a propaganda infiltra-se, fazendo as pessoas acreditar que estão a raciocinar por elas próprias. Por
exemplo, se lhes dão notícias que pintam a realidade de determinada maneira, só
uma minoria consegue compreender um escrito ou discurso que venha negar a narrativa habitual
e desmascarar os parâmetros «normais» daquelas notícias. Desta minoria, um número
ainda menor estará capaz de ter outra forma global de encarar a política,
sociologia ou economia.
Igualmente,
a chamada Educação tem muito mais de doutrinação, de amestrar, do que de educação,
no sentido humanista de fornecer instrumentos de autonomia, de raciocínio
crítico, de capacidade de ver o mundo social e natural pelos seus próprios
olhos.
Mas, por que
razão isso resulta? Porque razão resulta a publicidade? Por que razão resulta a propaganda política e ideológica? ... ou qualquer outra forma de incutir
modos de pensar alheios ao indivíduo?
A resposta a
esta interrogação tem necessariamente de passar por vários planos:
- Em
primeiro lugar, passa pelo mecanismo da auto ilusão. O eleitor, o adepto deste
ou daquele, gosta de ouvir as suas «próprias» ideias, nos discursos, notícias,
aquilo que reforça a sua convicção, a sua visão do mundo, a sua escolha pessoal, em todos os campos. Assim, terá tendência a aplaudir e a mobilizar-se por
candidatos que apelem para esses mesmos valores ou ideias, que os reforcem, que
os coloquem de maneira forte, enérgica, ao nível do discurso.
Terão mais
votos, os candidatos que tiverem maior facilidade em produzir o discurso que
agrada ao eleitor, não os que tenham realmente coisas importantes e originais a
dizer, ou que tenham verdadeiras soluções para os problemas, admitindo que
esses candidatos existam.
A «escolha»
tende a ser inteiramente emotiva, baseada na impressão que tal ou tal
candidato causa, junto do eleitor, não havendo relação nenhuma com o conteúdo
concreto do discurso ou prática.
Se analisar
os discursos eleitorais em várias décadas, verá que os conteúdos se tornam cada
vez mais banais, mais insípidos de ideias, mais abrangentes, de forma a agradar
a «gregos e troianos», com o tempo. Notará também que esta tendência se
verifica em todos os partidos e correntes políticas que concorrem aos actos
eleitorais.
Podia-se
também verificar um processo análogo com o fetichismo da mercadoria: por
exemplo, o consumo de luxo, de prestígio, teria a virtude mágica de colocar o
consumidor entre a «elite» dos «muito ricos» e «superiores», visto que assinalaria
o «status» de excepção do mesmo consumidor. Para outra categoria de produtos a
sua utilização daria, ou restituiria, a juventude, o charme, o «sex-appeal»,
etc...
O mecanismo
da auto ilusão é muito forte. Podem muitas pessoas auto-convencer-se das coisas
mais extravagantes, desde a sua aparência física (naturalmente, a sua beleza é
vista pelos próprios olhos...), aos seus dons intelectuais ou morais.
Outro
aspecto importante, é o que se prende com a pressão grupal ou - dito de outro
modo - com a pressão de conformidade ao grupo, relacionado com o gregarismo.
Nos
adolescentes, em particular, é comum observar-se sua colagem com uma norma
geracional implícita... para serem aceites dentro do grupo, da sua faixa
etária. Esta forma de coação social pode ser benigna, no melhor dos casos,
resumindo-se ao uso de determinada indumentária, de certas expressões na
linguagem, de gostar de determinadas músicas, etc. Mas, também pode ter
aspectos muito menos anódinos, que passam pela criminalidade de grupos, ou gangs,
pela sistemática utilização do interdito, do socialmente condenado, do
vandalismo, do uso de drogas, da utilização de motas e motociclos de forma
perigosa (para os próprios e os outros), etc. Tudo isto, para afirmarem, ou
serem aceites, ou manterem, uma dada posição (hierárquica) dentro do grupo...
A tendência
para o gregarismo é muito forte. Os psicólogos e sociólogos, ao serviço do
sistema, sabem manipular os sentimentos das «massas» no sentido delas adoptarem
este ou aquele padrão de comportamento.
Ninguém, ou
quase, gosta de sentir-se excluído do convívio com os seus semelhantes. O medo
da exclusão, de ser apontado a dedo, inibe muitas pessoas de tomar certas
atitudes, de fazer as coisas de acordo com sua consciência, por causa desse
receio. É, portanto, uma força de coação social e psicológica muito
importante. O esforço para uma pessoa se libertar de tal complexo, não é
algo que se observe correntemente. A conformidade, para não dizer o
conformismo, é a norma.
As pessoas são induzidas a conformar-se com a norma, «adaptando-se», quer na
escola, quer na empresa, a essa norma, mesmo a mais absurda ou
contra-produtiva. Os críticos são vistos, no melhor dos casos, como maçadores…
nos piores, como loucos ou subversivos.
A sociedade
tem mais tendência para reforçar comportamentos gregários (ficar dentro do
rebanho), do que encorajar a inovação, a criatividade, a procura de novas
formas de abordar as questões.
O
conservatismo das sociedades permitiu que - nas eras remotas, em que, de
geração em geração, a vida era perfeitamente semelhante - houvesse um máximo de
estabilidade.
Mas, agora,
nas sociedades sacudidas pelo caos, onde nem nos podemos inteirar, quanto menos
adaptar, aos efeitos das inúmeras mudanças, a educação conformista, autoritária
e repressiva, surge como um anacronismo, como factor de regressão.
Não admira
que a educação, enquanto instituição, esteja em crise profunda e que não haja
muita gente, dentro do sistema, capaz de tomar um recuo e perceber quais as
causas profundas das disfunções. Este fenómeno ocorre de forma mais ou menos
intensa, ou dramática, consoante os países, mas está patente em todas as
sociedades.
Diria que a
educação é a questão nº1, mas não o digo no sentido de preconizar a «enésima
reforma do ensino». Acho que é hoje a questão
pior tratada, de todas as questões, nos discursos políticos ou pseudo
filosóficos, que se possam ouvir ou ler. Nos dias de hoje, a crise da
educação é varrida para debaixo do tapete, é um claro caso de denegação.
Como este
problema é particularmente importante, a meu ver, merece que nos debrucemos
sobre ele no próximo escrito (parte V), pois está no cerne de problemas sociais
e das repercussões nos indivíduos contemporâneos.
[parte V]
Nos capítulos anteriores vimos alguns
dos métodos que permitem ao sistema de escravidão contemporâneo se apoderar das
alavancas fundamentais das sociedades e - a pouco e pouco - ir controlando os
indivíduos. Poderia insistir e desenvolver, detalhando os métodos de
controlo social que estão despontando, com muita eficácia, em países muito
diversos. Mas esta sequência de escritos propõe-se ser, antes de tudo, um
roteiro para escapar da matrix ou labirinto...
Trata-se de
uma afirmação arrojada, pois não pode haver duas situações iguais, quaisquer
duas pessoas são diferentes, neste mundo; cada qual terá de construir a sua
escada metafórica, para se evadir da ilusão, da falsa realidade que o cerca e
lhe faz andar sempre, em infindável caminhar, pelos corredores do labirinto,
sem jamais vislumbrar a saída do mesmo.
No entanto, creio que se nos
centrarmos naquilo que é efectivamente idêntico no ser humano, por muito que
cada um de nós seja único, podemos chegar a algum lado, podemos encontrar o fio
de Ariadne que nos permita sair do Labirinto.
As
necessidades básicas têm de ser satisfeitas, será esse o primeiro nível de
auto-transformação. O reconhecimento de que o equilíbrio de todo o ser passa
por uma alimentação, um estilo de vida, uma regularidade nas horas de repouso e
sono, uma harmonia essencial do indivíduo consigo próprio, que se vai traduzir
também por maior harmonia com a Natureza e com tudo aquilo que o cerca.
Uma
disciplina adequada ao nosso próprio ser, levada a cabo no longo prazo, tem de ser interiorizada por convicção profunda, não por mera atitude de entusiasmo
momentâneo. Pois, se o nosso ego se sobrepõe ao verdadeiro eu, comandando e
dominando todos os aspectos da nossa vida (hoje em dia, isso é muito mais
frequente do que se pensa), não haverá possibilidade de um indivíduo sair da
matrix. Note-se que a matrix é completamente interiorizada por nós próprios. É
assumindo os seus parâmetros inconscientemente, devido à nossa persistente
adesão ao seu mundo falso, ilusório, que estamos encerrados nela.
A matrix
é (... ou tornou-se parte de ... ) o nosso ego.
No segundo
nível, corresponde ao acordar para o facto de que as realidades que nos cercam,
não são tão poderosas como parecem. De novo, estamos muitas vezes condicionados
a imaginar coisas - geralmente inibitórias - sobre a realidade social que nos
cerca, sobre os outros. A realidade do entorno social, o seu funcionamento, é
como uma meta-linguagem, tem de ser compreendida, para ser desencriptada.
Enquanto linguagem, tem uma gramática e uma sintaxe próprias. Quem está atento e
consciente desta realidade básica, não poderá ser apanhado de surpresa, nem
ficar indefeso, porque está desperto e atento a todos os sinais que vêm do
entorno, dando-lhes uma «leitura» adequada.
A leitura do
real, analogamente à linguagem, é como quando analisamos a fundo um texto: não
olhamos para as palavras isoladamente. Vemos as relações entre elas, avaliamos
a importância relativa das mesmas, na estrutura do texto. Sublinhamos as
palavras-chave, as que nos dão a chave para a compreensão global do texto em
análise. Este modo de proceder, aplicado ao entorno social, não se aprende
senão com muita experiência, com ensaios e erros. Mas, podemos acelerar muito a auto-aprendizagem, caso desejemos realmente nos emancipar, não da
sociedade em si mesma, mas de nossa relação de submissão doentia aos que
a dominam.
O
conhecimento verdadeiro de si próprio e da sociedade leva-nos à consciência das
múltiplas instâncias em que nos auto-condicionamos e em que somos
condicionados. Tais mecanismos não são, em si mesmos, benéficos ou
maléficos. Os indivíduos que já alcançaram aquele patamar de consciência, irão
instituir - para si próprios - determinados condicionamentos e anular, ou
neutralizar, outros.
Os
condicionamentos exteriores são poderosos, se adoptados e interiorizados
inconscientemente. Porque, a partir desse momento, levam o indivíduo, sem que
ele se aperceba, a adoptar automatismos, a ter respostas estereotipadas no seu
comportamento em sociedade. Penso que a maior parte, senão todos, os
condicionamentos escravizantes, têm origem na sociedade. Eles foram
«naturalizados» de forma inconsciente, ao ponto de parecerem fazer parte de nós
próprios.
A verdadeira
educação é sobretudo uma auto-educação. É uma educação da vontade, da
capacidade de dirigir o barco do nosso ser... Aliás, a palavra «cibernética»
deriva daí, na sua raiz grega: a palavra cibernética em grego, designa o
saber ou a ciência daquele que está ao leme dum navio. Por outras palavras, a
nossa autonomia consiste na auto-condução do nosso ser pelos mares da
vida.
A falsa
educação, que nos é imposta por anos e anos de condicionamento na escola, na família, na igreja, etc, tende a suprimir
qualquer aspiração a exercitar nossa potencialidade cibernética.
O condicionamento skineriano ou pavloviano utiliza técnicas de amestramento,
recorrendo à recompensa e à punição. Pode acontecer sem que as pessoas que
protagonizam este amestrar tenham plena consciência do que estão a fazer. Elas
estão convencidas de que isso é «educação» e de que o fazem «para o bem» da
criança ou jovem.
Como poderá
imaginar, não faria sentido nenhum eu propor-lhe um comportamento, seja ele
qual for, pois somente o leitor/a está em condições de avaliar o seu próprio
estado, a sua situação.
Sugiro apenas uma metodologia geral que lhe permita deslindar os problemas que tem
encontrado na sua vida pessoal:
- Procurar
ver os próprios fracassos sem contemplações, mas compreender o que está na sua
origem.
- Ter clara
noção do poder que está encerrado em cada um de nós, sem o hipertrofiar ou
diminuir.
- Avaliar as
nossas qualidades, os nossos trunfos. A nossa avaliação deve ser realista e
prudentemente optimista.
- Devemos
assumir o papel de «mestres» de nós próprios.
A postura
correcta face aos outros, face à sociedade, também se aprende e se aperfeiçoa. Imagine-se
um guerreiro com um escudo e uma lança: O escudo simboliza as tácticas
defensivas e a lança, as ofensivas (ou contra-ofensivas). Para que seja
bem sucedido num combate (imaginário), ele terá de guardar a boa distância, a
que permite proteger-se dos golpes do adversário, mas conservando a capacidade
de desferir - ele próprio - um golpe.
Esta analogia deve ser interpretada, não como algo bélico, mas como
metáfora...O combate pode ser uma troca amistosa, uma relação amorosa, etc...
Não fiquemos demasiado presos pelas palavras.
Para
que a vida não seja uma luta incessante e inglória, a postura de que falei
acima não chega. Tem de ser complementada com outra, a qual se traduz no mais
profundo Mandamento que existe.
Ele é reconhecido e ensinado, desde tempos imemoriais, em todos os povos, em
todas as regiões. Pode-se formular do seguinte modo:
«Trata o outro, como queres que te tratem a ti próprio».
Isto significa o reconhecimento de uma série de coisas:
- a
igualdade humana (em dignidade);
- a
necessidade de ver o outro (sairmos da nossa redoma, do nosso egoísmo);
- a troca
igual, a ajuda mútua, a sociedade baseada na entre-ajuda...
Deste mandamento extrai-se um sem fim de corolários.
Estou convicto de que é retomando este fio condutor, que podemos,
colectivamente, ser felizes, pois a felicidade está absolutamente ligada
ao bem-estar dos outros, ao estado de harmonia da sociedade que nos rodeia. É
impossível ser-se feliz no meio da infelicidade, no meio da desgraça...
Nesta série
de textos «ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX», preconizo o conhecimento para o
auto-governo (autonomia), assim como o conhecimento do entorno (a ecologia
social), a capacidade de avaliar a situação em que nos encontramos, do modo
mais objectivo possível, a firme decisão de sermos mestres de nós próprios, o
que não implica rejeitar o que nos vem de fora.
O mundo
exterior deve ser visto como algo que nos enriquece, como fonte, não só de
informação, mas de aprendizagem.
Mas, tanto
no plano individual como social, devemos ter como finalidade ética o que é
realmente elevado...
Pois, não se
trata de nos colocarmos acima dos outros, mas de adoptarmos o princípio da
reciprocidade, como base das relações pessoais. Este princípio pode e deve
estender-se a toda a sociedade humana: quanto mais for praticado, numa dada
sociedade, mais essa sociedade estará próxima dos ideais de equidade, respeito,
justiça. Portanto, estará proporcionando as melhores condições para a
felicidade dos indivíduos.