Não há sistemas económicos perfeitos, senão nas cabeças transtornadas de certos indivíduos, embriagados por uma qualquer ideologia.
Tem sido aventada, por muitos analistas financeiros, a hipótese de o ouro retomar um lugar central no sistema monetário internacional, ou seja, como unidade de referência e convertível nas diversas divisas. O problema com o ouro, é a sua extrema concentração de valor. No dia de hoje (05-09-24), um 1gr. de ouro vale cerca de 73 €.
Verifica-se que o ouro é comprado às toneladas pelos bancos centrais de muitos países: China, Rússia, e outros países dos BRICS, ou candidatos; mas também muitos países ditos «ocidentais» têm feito compras avultadas de ouro.
A particularidade do ouro, se visto do ângulo de matéria-prima, é que existe uma enorme reserva deste metal acima da superfície, armazenado não apenas em bancos centrais, como em cofres-fortes de instituições e de particulares. Pelo contrário, o ouro que está nas minas, em condições de ser extraído (cujas operações de mineração têm rentabilidade), é cada vez menor. Outra particularidade, é que a sua utilização industrial e na ourivesaria (joias e outros objetos em ouro) é em muito menor percentagem, do que o ouro que se destina a ser armazenado. Estas particularidades, devem-se ao facto do ouro ser considerado o metal precioso mais apropriado para servir como reserva de valor.
As pessoas estão habituadas a contabilizar o valor das matérias-primas em dólares, mas fariam melhor em converter a divisa fiat (como o dólar ou outra) em gramas, ou onças de ouro. No intervalo de tempo de 1971 até hoje, dólar perdeu cerca de 98% do seu valor em relação ao ouro. Como se pode ver no gráfico abaixo, houve grandes oscilações do preço do crude em dólares. Porém, também foi necessário cada vez mais dólares, ao longo do tempo(1), para comprar o mesmo barril de petróleo. Porém, o valor desse barril medido em gramas de ouro quase não mexeu nos últimos 50 anos.
Os outros metais preciosos - a prata, a platina, o paládio - têm uma utilização industrial muito maior que o ouro. Por exemplo, hoje em dia, a prata transacionada no mercado destina-se, em cerca de 50%, ao armazenamento em cofres-fortes («metal monetário»); sendo a outra metade, utilizada em muitas e diversas aplicações: Painéis solares, medicina, eletrónica, etc.
Provavelmente, quaisquer que sejam as transformações que ocorram no sistema monetário, os bancos centrais saberão o que fazer para inspirar confiança nas suas respetivas divisas nacionais: O ouro pode continuar a ser um metal monetário, armazenado nos bancos centrais, conferindo a garantia do valor das divisas emitidas pelos mesmos bancos centrais. Habitualmente, diz-se que neste caso, uma divisa está adossada ao ouro. Isto é diferente de voltar a haver, como no Séc. XIX e anteriormente, um «padrão-ouro». Nesse tempo havia conversão automática e fixa de certa quantidade de ouro, numa certa quantidade de divisa em papel (e vice-versa).
Dentro da imperfeição das coisas humanas, talvez o melhor sistema monetário fosse um sistema ancorado em necessidades universais, ou seja, coisas que têm importância fundamental em qualquer ponto do Planeta. Estou a pensar em formas de energia.
Todas as formas de energia utilizáveis (o petróleo, a eletricidade, seja ela gerada por central hidroelétrica, por «renováveis», por central a carvão ou por central nuclear) na indústria e nos lares, etc. serviriam. Estas energias servem para produzir trabalho, no sentido geral de uma transformação material.
De facto, isso seria o mais natural, enquanto base para assentar a moeda universal de referência. Não seria a moeda de um país, não estaria baseada na força política, militar ou industrial de uma potência (ou de várias), seria uma equivalência simples e fixa entre uma unidade de energia e o valor monetário respetivo. Se, por exemplo, o Joule fosse a unidade de energia a que a moeda universal estava ligada, haveria uma equivalência simples:
1 unidade monetária = 1 Joule ;
ou
1 unidade monetária = 1000 Joule.
Todas as unidades de energia são convertíveis umas nas outras, mas seria mais fácil que a moeda universal estivesse ligada à unidade do sistema S.I.
A energia consumida sobre a energia total disponível, daria a medida correta do dispêndio de um país, de uma cidade, de uma indústria, etc. A noção de conservação energética levaria a que se efetuasse cada trabalho com o menor gasto possível de energia.
A conversão de quantidades de energia em unidades monetárias seria direta. O trabalho humano seria facilmente calculável, na base da energia que o trabalhador precisaria, não só para o trabalho, como para todos os outros aspetos da sua vida (família incluída). Isto não evitaria nem injustiças sociais, nem a exploração. Seria apenas uma ligação estreita e automática do que chamamos «dinheiro», à quantidade equivalente de energia. Iria tornar mais patente a quantidade de energia fornecida pelo trabalho individual e coletivo.
A energia conservada num trabalho de qualquer tipo e o consumo da energia (pelos humanos e por máquinas) nessa obra, seria um critério objetivo de avaliação. Claro que existem muitos outros critérios pelos quais se pode e deve avaliar, mas a eficiência energética do processo é importante; ela iria tornar-se mais visível.
Nesta mudança, haveria um grupo de indivíduos que ficaria a perder: refiro-me aos especuladores. Estes, jogam com variações bruscas nos diferentes mercados, para comprar por preço artificialmente embaratecido, ou vender por preço inflacionado, quando existem ondas de pânico no grande público.
Os preços da energia, nas suas diferentes formas, teriam muito mais estabilidade. Isso seria afinal o melhor para toda a sociedade. A estabilidade dos preços dos produtos é um importante objetivo. Ora, os produtos mais diversos precisam de energia para serem fabricados e transportados.
Sabemos como as crises petrolíferas são causadoras de graves ruturas na produção e causam uma séria agitação e revolta nas pessoas. Pois a adoção do padrão de energia, ou o equivalente monetário da mesma, iria tornar muito menos suscetível que o mercado da energia, ao nível global ou regional, fosse seriamente perturbado.
Para fundamentar esta afirmação, basta ver, em pormenor, o que se passou desde 1971, há pouco mais de meio século, com o preço do petróleo em dólares e em onças de ouro (consulte o gráfico acima).
Nessa altura, os dólares deixaram de estar acoplados ao ouro através da relação: 1 onça de ouro/35 dólares. Tendo disparado a impressão monetária a partir dessa altura, os dólares tinham necessariamente de entrar numa espiral de desvalorização (2).
Pelo contrário, o ouro manteve aproximadamente a mesma relação com o barril de petróleo, ao longo de mais de 50 anos. Como foi isso possível?
O ouro, tal como o petróleo, é um produto da Natureza, existe em quantidades finitas. Não se pode fabricar. Mesmo que cientistas inventassem um processo para realizar o que os alquimistas supostamente faziam, "transmutar chumbo em ouro": Este processo, com certeza, seria muito mais dispendioso do que a simples mineração do ouro.
Repare-se que, tal como o ouro, o petróleo é um recurso finito. Existe muito petróleo mas, ou ele está em locais de difícil acesso, cujo custo de extração é proibitivo, ou situa-se em zonas mais acessíveis, mas a quantidade que daí se pode extrair é demasiado pequena para rentabilizar os custos de foragem e de exploração. O restante, é o petróleo explorável: Aquele que satisfaz tanto as exigências técnicas, como económicas, para tal. É apenas uma fração do petróleo total.
Note-se que o sistema monetário que proponho não está indexado ao petróleo, mas a todas as formas de energia exploráveis, como referi acima. O dinheiro, na forma como o concebo, deve legitimamente ser visto como «a forma de expressar a titularidade de uma certa quantidade de energia».
Neste Mundo, apesar de tudo, continuariam os conflitos e as injustiças, eu sei. Mas, eu não estou a propor uma «panaceia», uma solução mágica para os males do Planeta! Como disse atrás, estou convencido que a nova unidade-padrão de valor iria permitir uma maior lucidez e racionalidade nas escolhas das pessoas, das empresas e dos Estados.
As nações que souberem salvaguardar e utilizar os seus recursos de maneira sábia, poderão melhorar em todos os campos: Os recursos humanos e os recursos energéticos, devem estar na primeira linha das preocupações da cidadania e de um governo competente.
Talvez demorasse duas ou três gerações, até as pessoas mudarem seus comportamentos, mas tal acabaria por acontecer: Já não estariam tão ansiosas por acumular; teriam maior capacidade em gerir suas vidas, suas economias, suas despesas. Teriam também maior facilidade em avaliar os projetos ou os programas, que os políticos lhes apresentassem.
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(1) Poucas pessoas compreendem que a inflação é sempre um fenómeno monetário. Isto é: quando a entidade emissora da moeda (banco central, em consonância com o governo) aumenta a quantidade de dinheiro em circulação, existe inflação.
A inflação é - também - um «imposto» e o mais injusto dos impostos. Proporcionalmente, os pobres sofrem muito mais do que os ricos. Em situações de elevada inflação, os preços dos alimentos são os que mais sobem. Mas, para os ricos, a alimentação é apenas uma fração pequena das despesas; para os pobres, é a despesa quase exclusiva, ou a mais importante.
(2)*A cotação do ouro mais frequente é em dólares por onça de ouro. Atualmente (05-09-24), esta cotação ronda os 2510 dólares US/ onça de ouro (cerca de 72 vezes a cotação no início de 1971).
2 comentários:
Pode consultar alguns artigos, neste blog, sobre o sistema monetário:
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2023/11/os-quatro-pontos-fracos-do-imperio.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2023/02/o-segredo-da-economia-capitalista.html
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2023/01/moedas-digitais-de-bancos-centrais.html
https://www.goldmoney.com/research/brics-and-its-trade-currency-problem
Alasdair Mcleod coloca bem o problema duma divisa adossada ao ouro: Com efeito, será 40% suficiente? porque não 50, 60 ,90%? De facto, bem melhor que uma divisa adossada ao ouro é o ouro como reserva de valor de CADA país (como tem sido) e uma divisa de troca que esteja emparelhada com o valor da energia, no modo como eu delineei: NÃO FAZ SENTIDO SUBSTITUIR UM CARRO AVARIADO, POR UM QUE VAI CAIR AOS BOCADOS NA PRIMEIRA CURVA APERTADA.
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