quarta-feira, 20 de julho de 2022

A MELHOR RESPOSTA NO LONGO PRAZO À VOLATILIDADE DOS MERCADOS

POR QUE RAZÃO OS ARAUTOS DO SISTEMA FAZEM TUDO PARA DESVIAR AS PESSOAS DA PROTEÇÃO MAIS ÓBVIA  PERANTE A GRAVE CRISE ECONÓMICA

https://www.mining.com/web/hungary-triples-gold-reserves-as-central-banks-turn-buyers-again/

 À medida que entramos mais profundamente numa zona de turbulência acrescida, na economia e finança mundiais, também as relações entre os ativos de diversa natureza estão a revelar-se mais instáveis. Os índices de volatilidade refletem as incertezas nos mercados e - embora no longo prazo - estes possam achar um novo equilíbrio, nas fases de transição, costuma haver substanciais ganhos e perdas. Como sabemos, nos mercados financeiros, as perdas de uns, são os ganhos de outros, e vice-versa.  A minha previsão é que haverá um considerável número de pessoas que apostaram, ou irão apostar, na economia de casino, nos mercados bolsistas, e terão sua atenção desviada das matérias-primas, dos metais preciosos, em particular.

Ao longo dos anos, o ouro e a prata têm sofrido uma constante supressão (pelos bancos sistémicos, os bancos centrais e os governos ocidentais) destinada a desviar o grande público desses investimentos.  É o que vou tentar explicar neste artigo.

O ouro e a prata têm os seus preços determinados em grande parte, não pelo mercado físico (ouro e prata físicos), mas pelo mercado de «futuros», de «papel». Neste, pode-se apostar num valor futuro de quilo ou onça de ouro ou outro metal precioso, sem que se tenha jamais de concretizar a transação, comprando ou vendendo o referido metal físico. Claro que este mecanismo permite que sejam transacionadas quantias enormes, mas que não têm correspondência física. Uma exceção a esta situação é a do mercado de matérias-primas (incluindo os metais preciosos) de Xangai, onde as quantias transacionadas são reais, não são meras «promessas» de compra e de venda porque todos os contratos-promessa têm de ter subjacente a respetiva quantidade de metal. 

Na economia especulativa, financeirizada, o ouro é por vezes designado como valor refúgio, mas no sentido de se investir em ouro-papel, como alternativa a deter-se «dinheiro-cash». Nos mercados do Oriente, pelo contrário, o ouro e a prata nunca deixaram de ser dinheiro, ou seja, metais cuja posse equivale -essencialmente - a dinheiro. Para termos uma noção de como as divisas (que são chamadas impropriamente «dinheiro») se desvalorizam em relação ao ouro, basta referir que uma moeda de ouro, contendo uma onça troy de ouro puro, tinha o valor de vinte dólares US, em 1913. Nessa altura, com essa moeda, ou com uma nota de banco neste valor (20 dólares US), podia-se comprar um fato de qualidade e nos bons alfaiates, em Nova Iorque. Quem tenha essa moeda de uma onça de ouro, que agora ronda os 1800 USD, poderá comprar  um bom fato, na mesma. Mas, não seria o caso de alguém que só tivesse guardado 20 USD em nota-bancária. A nota de 20 dólares daria para comprar, quanto muito, umas peúgas ! Claro que a relação é ligeiramente diferente para outros itens de consumo, ou para itens industriais mas, no global, estima-se que (em média) o «dinheiro-papel» perdeu desde 1913 97% do seu poder aquisitivo. O ouro conservou, em termos gerais, o seu poder aquisitivo.

Quando uma aposta em ouro-papel é perdida, ou seja, quando a aposta vai no sentido contrário do mercado, a pessoa que a fez perde uma percentagem do dinheiro investido, pois tem de vender ou comprar a um preço desfavorável... Muitas vezes, essas quantias são avultadas e os especuladores têm de obter dinheiro de outros investimentos, ou pedir empréstimo para cobrir a perda, com uma tal aposta «a descoberto». Se alguém fizer uma venda a descoberto e se houver um comprador, ela terá de comprar a quantia equivalente de ouro a outro agente, ou dar o dinheiro correspondente para indemnizar esse comprador. Nas bolsas de matérias-primas ocidentais, onde funcionam os mercados de futuros, como o COMEX (Chicago) ou LBMA (Londres), é vulgar, dum dia, transacionar-se em contratos de futuros o equivalente da produção anual mundial de ouro ou de prata. É evidente que, na realidade, aquilo que é transacionado são contratos-de-futuros, ouro-papel, ou prata-papel, que especificam quantas onças (500 ou 1000 onças, por exemplo) de metal  estarão disponíveis para entrega, pelo valor de X dólares, num dado prazo (por exemplo, dentro de 2 meses). Nestas bolsas, só algumas entidades têm acesso ao ouro e prata físicos, um punhado de grandes bancos, que negoceiam com grandes clientes e armazenam esse ouro nos seus cofres. Quanto aos outros, terão de se contentar com dólares, no valor equivalente ao preço estipulado. Muitos não estão sequer interessados em tomar posse do metal físico, contentam-se em receber a diferença de preço, caso tenham acertado na aposta. As quantias transacionadas nestes mercados são centenas de vezes superiores aos metais preciosos efetivamente depositados nas mesmas bolsas. Compreende-se que, nestas circunstâncias, seja fácil para grandes bancos e fundos financeiros, fazerem operações de venda a descoberto (isto é, sem possuir o metal físico estipulado nos contratos), emitindo grande número de contratos. Com esse instrumento de manipulação e com a «miopia induzida» das entidades reguladoras desses mercados, é notório que só raramente são apanhados em fraude. Recentemente, empregados da J P Morgan e também o próprio banco, foram condenados por manipulações do mercado do ouro. Este e outros bancos, têm sido multados por manipulações do ouro e da prata. Os valores das coimas, que parecem somas enormes, são inócuas para eles: Em poucos dias, têm mais lucro do que o montante das multas. Ou seja, há um discreto incentivo para continuar a fazer fraude, tanto mais que um público não esclarecido pensa que só grandes capitalistas ficarão prejudicados com tais manipulações do preço do ouro.

Numa economia em que exista o padrão-ouro, os governos ou bancos centrais não poderão manipular a moeda, visto que a quantidade de ouro que possuem nos cofres dos bancos centrais respectivos não pode ser aumentada a seu bel-prazer. Então, todos os governos que sustentam a especulação desenfreada e os seus agentes corruptos, incluindo os académicos, vão dizer que o ouro é uma «relíquia do passado», que retira muita flexibilidade à gestão económica e financeira, etc. Enfim, é certo que os défices monstruosos, quer nos orçamentos de Estado, quer nas balanças comerciais, serão muito menos prováveis, com um padrão-ouro. Esta é uma das razões porque, entre a derrota de Napoleão em Waterloo e o início da Iª Guerra Mundial, houve 99 anos de desenvolvimento capitalista, com alguns solavancos, mas sem crises comparáveis às crises vividas ao longo dos séculos XX e XXI: 1929, 1971, 1987, 2000, 2008 ... ou 2022! 

Pessoalmente, sou contrário a que uma moeda nacional sirva como «moeda de reserva mundial», porque o país detentor desse privilégio irá - com certeza - abusar dele ao fim de algum tempo, de uma ou doutra forma. Na era do 100% eletrónico, uma operação de câmbio duma para outra moeda é feita instantaneamente, não é complicado. Nem é mais complicado fazer o cálculo do câmbio duma quantia de Rupias para Euros (por exemplo), do que de Euros para Dólares US. Então, que interesse tem uma moeda de reserva? Para medir os preços e compará-los, temos a melhor «moeda de reserva» imaginável, que é o ouro! O ouro é um elemento químico; não é pertença de nenhum Estado (ao contrário de uma moeda). A sua falsificação é fácil de detectar. Podemos referir o preço de qualquer item em termos de ouro. Por exemplo, um objeto que custa 200 euros, traduz-se em 3.72 gr. de ouro puro (à cotação de hoje, 20/07/2022). A conversão de uma soma numa divisa, para gramas ou onças de ouro, é tão fácil como para outra divisa. O ouro é aceite em todas as economias, sendo transacionado com cotações diárias iguais ou muito próximas: Em Londres, Madrid, Moscovo, Xangai, Nova Iorque, Tóquio, ou em qualquer outra parte do mundo. Por isso, este padrão- ouro seria muito conveniente para o comércio internacional; permitiria que as mercadorias fossem avaliadas e transacionadas com preços mais justos. Ninguém poderá, a seu bel prazer, de repente, duplicar a extração, purificação e refinação  do ouro: Isso envolveria muito trabalho, muita energia; por isso mesmo, o ouro é muito estável. Mas, com uns meros «clicks», os funcionários dos bancos centrais podem aumentar para o dobro (ou mais) a quantidade total em circulação duma divisa, como temos visto ultimamente. 

Muitas pessoas dizem...  «O ouro não serve para nada, é perfeitamente inútil, só dá despesa». Eu pregunto-lhes: «E o papel-moeda, serve para algo mais, além de troca e pagamento, algo mais que o ouro? O ouro tem algumas aplicações industriais e em joalharia; que eu saiba, o papel-moeda não tem.»

- «Mas o ouro consome energia e custos para o manter...». «Sim, é verdade, mas também os seguranças armados guardam cofres-fortes que contenham apenas notas em papel; estas também são transportadas em veículos blindados, etc.» 

-«Mas não haveria bastante ouro para atender às necessidades da economia mundial». «O ouro é um metal-monetário; isso significa que o ser humano atribui um valor ARBITRÁRIO a determinada quantidade de metal (kg, onça, etc.). Se a onça de ouro, agora, equivale a 1800 dólares US, ela está muito desvalorizada, em relação à quantidade total de papel-moeda, devida à impressão eletrónica, nestes últimos tempos. A dívida mundial total atinge, segundo estimativas, mais de 300 triliões de dólares, soma difícil de imaginar, para quem  não está habituado a lidar com números astronómicos!!!

Com certeza que o padrão-ouro não é a panaceia! Mas, curiosamente, há uma grande coincidência entre  os mais acérrimos defensores do sistema, os ditos neoliberais e os inimigos de qualquer mudança para um padrão tangível (e o ouro será sempre o mais conveniente, por razões que não irei referir, aqui). Curiosamente, também, advogam uma moeda- padrão digital obrigatória, que irá submeter qualquer pessoa ao escrutínio dos bancos, bancos centrais e governos. Com as «moedas digitais» emitidas pelos bancos centrais, é o fim da privacidade, da autonomia e da liberdade : Alguém que seja punitivamente desligado do seu «porta-moedas digital», ficará num estado de morte económica. Muito dificilmente poderá subsistir. Este é o futuro que se reservam, a si próprios, os tais «liberais»: Eles terão o poder de decidir quem tem acesso, ou não, ao seu próprio porta-moedas digital. Por outras palavras; terão o poder de decidir sobre as nossas vidas! O 100% digital em mãos dos bancos centrais retira qualquer liberdade aos cidadãos. Afinal, estes tais «neoliberais», deveriam ser designados antes por «neototalitários», ou  algo semelhante. 


terça-feira, 19 de julho de 2022

ASTOR PIAZZOLLA (1921 - 1992) - A MINHA HOMENAGEM

Astor Piazzolla já tinha sido homenageado por mim, neste blog. Porém, achei que era boa oportunidade de mostrar a sua música em todo o seu esplendor. 

Não sei bem como, mas sinto-me em sintonia profunda com ela, embora eu não seja argentino, nem de qualquer outro país da América Latina. Mas, isto só é possível, tal como para outros portugueses e latinos, porque a Cultura Latina é - de facto - a nossa cultura comum, com imensas facetas, dimensões e contrastes. 

Ela, cultura Latina, está distante o suficiente das culturas Germânica, Anglo-Saxónica, Eslava, para se poderem  diferenciar as várias tradições.  Tanto no plano erudito, como no da música popular, noto que os monumentos musicais latinos e anglo/germânicos são perfeitamente  distintos. Ter-se uma boa cultura musical geral, não impede que se tenha preferências estilísticas próprias. 

As minhas idiossincrasias emocionais relacionam-se mais com o Sul e com a Latinidade, embora - por educação e habituação - tenha estudado a boa música anglo-saxónica e germânica (erudita e popular), que tem sido produzida.

Desejo-vos uma boa audição!!

Lista de faixas:

segunda-feira, 18 de julho de 2022

A EUROPA, ELA PRÓPRIA, ESTÁ A CAUSAR A MAIOR CRISE ECONÓMICA, ENERGÉTICA E ALIMENTAR DE QUE HÁ MEMÓRIA

 Infelizmente, nunca tivemos dirigentes políticos e burocratas tão incompetentes (corruptos?) como agora. Na altura em que seria mais importante ter muita prudência, a eurocracia (Comissão europeia, Parlamento europeu, Governos da UE) - numa quase unanimidade - tem adotado medidas incomportáveis, que são causa próxima da revolta nos Países Baixos, de inflação incontrolada no espaço europeu e da descida do Euro face ao Dólar. E muito mais, que iremos ver em breve. 

Não digo isto por alarmismo; digo, com a certeza de que nos estão a empurrar para o abismo: O «Great Reset» implicaria rutura total da sociedade? Mas então, não seria uma «renovação», como proclamam, mas um recuo para tempos feudais (neo-feudalismo). Infelizmente, há muitos elementos preocupantes e demasiadas evidências, para que alguém sensato possa desqualificar isto tudo com a expressão displicente de «teorias da conspiração».

Desde há algum tempo, tenho observado - com espanto e preocupação - as medidas tomadas por esta pseudoelite, que parece estarem desenhadas, não para uma «transição energética», como gostam de cacarejar, mas antes para a TRANSIÇÃO PARA A POBREZA, A DESTRUIÇÃO IRREVERSÍVEL DO FRÁGIL TECIDO INDUSTRIAL, AGRÍCOLA E SOCIAL DA EUROPA.

Como é típico dos políticos medíocres, precisam de um «espantalho» (Putin!) para justificar tudo o que vai mal, tudo o que ponha em xeque a mirífica e cor-de-rosa «transição energética», incluindo a generalização de carros exclusivamente movidos a energia elétrica para 2035. 



NB: Os dois vídeos que selecionei são falados em francês. A legendagem automática pode ajudar quem tem maior dificuldade em seguir a conversa. Aconselho o seu visionamento, porque as questões são colocadas francamente e são respondidas sem demagogia. 

PS1 : Veja o comentário de Alexander Mercuris. Foi produzido ANTES de ter sido anunciada (hoje, 18/07/2022) a cessação de envio de gás russo via Gazprom para a Alemanha e mais dois países europeus.  Parece que estava convencido que isto iria acontecer, inevitavelmente: 


PS2: Veja a entrevista realizada por Freddie Sayers, a Louis Gave AQUI: 

«How the West brought economic disaster on itself »

sábado, 16 de julho de 2022

MITOLOGIAS (VIII) MIDAS E A ECONOMIA FINANCEIRIZADA

 


Tenho estado a ler Michael Hudson. Já tinha tido contacto com este autor, desde há alguns anos, através artigos lidos na Internet, bastante esclarecedores e originais*, do ilustre professor de economia. Mas, ler um livro «em papel» é realmente outra coisa. Sobretudo, quando esse livro nos traz tanto conhecimento verdadeiro sobre economia, desfazendo os mitos que enformam a nossa época. 

E que tem isso a ver com a lenda do Rei Midas, que recebera de Dionísio (Deus da embriaguez, do amor sensual e dos excessos...) o dom de transformar em ouro, tudo aquilo em que tocasse? O ouro, nessa altura, era sinónimo de riqueza, a mais óbvia forma de riqueza, a forma de entesouramento preferida por reis e grandes comerciantes.  

Na realidade, o que nos diz o mito, tem a ver com riqueza acumulada que não corresponde a nenhum contributo prévio do seu possuidor. Um proprietário de terrenos aluga esses terrenos a agricultores; estes pagam uma renda. Um proprietário de dinheiro, moedas de ouro e de prata, empresta a juros, aumentando assim seu património, sem que tenha  contribuído com algo, do seu próprio esforço, para o aumento da riqueza geral. 

Michael Hudson sublinha que a riqueza adquirida por alguém sem que esta tivesse, de uma ou outra forma, contribuído para o acréscimo de riqueza ou bem-estar geral, os chamados «rentistas»,  era uma preocupação central das doutrinas económicas clássicas, desde Adam Smith, David Ricardo, J.S. Mill, Marx e outros. Até ao final do século XIX, muitos estavam a favor do capitalismo industrialista, contra um capitalismo rentista. Este não era senão uma herança do feudalismo, que as revoluções burguesas derrubaram, nos finais do séc. XVIII e ao longo do século XIX. Pois, se houve revolução política com o advento do Estado burguês, ao nível económico subsistiam muitos resquícios de feudalismo, como a classe dos terra-tenentes, tão relevantes na Itália do Sul, na Espanha e em Portugal, nomeadamente. O seu domínio estendia-se sobre aldeias inteiras com seus habitantes, situadas no meio de  quilómetros quadrados de terra pertença do senhor feudal, do latifundiário. 

Hoje em dia, o rentismo, ou extração de riqueza sem ter contribuído com nada de positivo para a economia, para a subsistência, o conforto ou a melhoria da sociedade, pode dizer-se que se estendeu e diversificou como nunca: Com efeito, a economia financeirizada é isso mesmo. A glorificação desta financeirização veio acompanhada de ideologia própria: O reaganismo-theacherismo e todos os seus derivados, incluindo o chamado «socialismo de terceira via» (Tony Blair e muitos outros); sobretudo, com as teorias neoliberais em economia (Milton Friedmann, e tutti quanti...).

Se o mito de Midas não fosse mais que uma fábula moralista, não seria suficientemente estimulante, para mim. Compreendo agora a metáfora, a um nível mais profundo, graças a Michael Hudson. Com efeito, a economia de renda «transforma em ouro (em riqueza)» tudo aquilo em que toca, no sentido do rentista obter acréscimo de riqueza, devido à exploração dos que não possuem meios de escapar à extração dessa renda: Não apenas sob forma da mais-valia salarial, como pela necessidade de recorrer ao crédito, para ter acesso a casa própria (os juros hipotecários dos bancos), ou para pagar os estudos, ou para comprar um carro (muitas vezes instrumento de trabalho do trabalhador precarizado, o «empresário individual»), etc. 

Do ponto de vista do rentista há um acréscimo, ao capturar rendimento, o que - aliás - se vai traduzir por aumento correspondente no PIB dum país, mas sem que tal corresponda a um verdadeiro aumento da riqueza global. Com efeito, se alguém - o indivíduo A -desvia parte do seu rendimento, não para consumo pessoal ou para investimento produtivo, mas para pagar uma «renda», (em termos atuais...) prestações incluindo juros, a quem lhe emprestou dinheiro. Se o rendimento desviado vai para a conta de B, então não houve acréscimo de riqueza. Houve apenas uma transferência, duma conta para outra, do excedente gerado por A. Este excedente corresponde ao que A conseguiu pôr de lado, sem deixar de satisfazer as necessidades básicas próprias e da família. É evidente que, sob o capitalismo, quando a capacidade dos pobres e das classes médias diminui, devido às crises periódicas que o assolam, eles perdem os bens que estavam a adquirir a prestações (incluindo a sua casa própria), ou são espoliados de bens dados em garantia, indo essa riqueza material parar às mãos dos proprietários do capital, em geral, membros da oligarquia: No nosso tempo, a oligarquia é sobretudo a detentora do capital  financeiro e imobiliário;  na Grécia antiga, onde foi originado o mito do Rei Midas, era sobretudo a dona da terra, da propriedade agrária.

O Rei Midas transformava em ouro tudo aquilo em que tocava, mas o ouro não é vida, o ouro é estéril, aquilo que se transforma em ouro deixa de participar na economia produtiva, apenas fica entesourado. Como analogia perfeita, note-se que o entesouramento vai traduzir-se numa perda da sociedade no seu conjunto, porque esse capital não é posto ao serviço da economia. O Rei Midas armazenava-o numa torre, onde ia deliciar-se, tocando nas riquezas que eram dele e só dele. 

Hoje, como exemplos de capital não produtivo, temos «buy backs» ou auto-compra de ações de empresas cotadas em bolsa, que assim desviam potencial investimento produtivo para manterem as suas ações artificialmente altas. Temos os capitais especulativos (hedge funds, bancos de investimento) que «vivem» do saber antecipado dos movimentos e oportunidades dos mercados, normalmente, pelo insider trading, pois não possuem uma «bola de cristal»! E também, as muito importantes e generalizadas rendas de monopólio, é o caso dos preços praticados por  grandes empresas de informática e de tecnologia da informação entre outras, que conseguiram eliminar os concorrentes. Nestes casos, o preço cobrado não tem qualquer relação com o custo e produção do bem ou serviço, mas com aquilo que a empresa monopolista estima ser a capacidade aquisitiva e/ou o desejo do consumidor, condicionado pela publicidade. Tudo isto, são diversas formas de extração de «renda», ou seja, um rendimento não resultante de input real  do proprietário do capital.  

Michael Hudson, recentemente, deu uma conferência  em que fez o historial das diferenças entre civilizações da antiguidade. Nos impérios do Médio-Oriente e da Ásia, havia a noção de que ser credor dava demasiado poder e que as dívidas tinham, de tempos a tempos, de ser perdoadas (os anos de jubileu, ou de Shemitah) para que reinasse a paz social. Enquanto nos reinos e impérios do Ocidente (Grécia e Roma), a oligarquia conseguiu impor a sua lei: O credor tinha sempre o direito do seu lado. A restituição do que estava em dívida, tinha prioridade jurídica absoluta. Foi assim que os agricultores endividados ficaram espoliados das suas terras e  foram transformados em proletários, em servos ou em escravos.

Esta interpretação jurídica do direito de propriedade e da prioridade que têm os credores sobre os bens das pessoas endividadas, continuou até hoje, no Ocidente,  através do direito romano e logo do direito anglo-saxónico, atualmente imposto como a norma em grande parte das relações mercantis, económicas e financeiras internacionais. 

Este processo, onde o credor tem um poder de vida e de morte sobre o devedor (a etimologia do termo inglês para hipoteca, «mortgage», vem do francês antigo, literalmente: «fazer um juramento sob pena de morte», caso ele não seja cumprido), abafa as forças produtivas em qualquer sociedade submetida a ele. 

Muito capital é desviado para as mãos dos credores. Este capital, é (em grande parte) entesourado, não é reinvestido na economia produtiva: O resultado é o empobrecimento geral da sociedade visto que o rendimento disponível global (o capital disponível para ser investido) vai sempre diminuir.

Como tentei explicar, a lenda do Rei Midas poderá ser muito mais rica de significado, do que uma banal história moralista sobre a ganância e os males que advêm aos gananciosos.

*Por exemplo, From Junk Economics to a False View of History ,recentemente publicado, que resume algumas partes do livro The Destiny of Civilization

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MITOLOGIAS (VII) O GRANDE MITO DO NOSSO TEMPO

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MITOLOGIAS (VI): ASTROLOGIA

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MITOLOGIAS (V) : COSMOGONIAS, OS MITOS DAS ORIGENS

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MITOLOGIAS (IV)TRANSFORMAÇÕES ZOOMÓRFICAS

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MITOLOGIAS (III) QUIMERAS

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MITOLOGIAS (II): PROMETEU AGRILHOADO

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MITOLOGIAS (I) : OS CICLOPES

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sexta-feira, 15 de julho de 2022

BALADA DAS CONTRADIÇÕES* [OBRAS DE MANUEL BANET]

                      

                     BALADA DAS CONTRADIÇÕES* 


Quem diz do branco cisne, que é corvo negro 

É meu amigo, com enganos me defende

Diz todo o mal de mim, assim me elogia

Sensato parece quem procede com loucura


De todos bem acolhido, por todos escorraçado


Perto da fogueira treme de frio

Muito deseja o que mais despreza

Se faz elogios rasgados, com eles insulta

Quem nos trai, ao nosso lado se posiciona


De todos bem acolhido, por todos escorraçado


Quereis saber, cavaleiro, a verdade?

Ninguém diz o que pensa,  todos mentem

É amarga lição que não se dispensa

Um grande favor que devemos agradecer


De todos bem acolhido, por todos escorraçado


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*Inspirado na «Ballade du Concours de Blois» de François Villon



quinta-feira, 14 de julho de 2022

A INJUSTIÇA DA TAXA CARBONO



 Lembram-se das medidas a favor do ambiente, de luta contra o aquecimento climático, produzidas e reiteradas nas sucessivas COP

Eu aposto que, no concreto, quase ninguém se lembra doutras «medidas urgentes», além das famosas taxas carbono, como se fossem a salvação da humanidade. Em boa hora, avisei os bem intencionados ecologistas de que esta taxa carbono era apenas um esquema perverso dos grandes empórios financeiros, os bancos «sistémicos» e dos governos ao seu serviço, para se capitalizarem, à nossa custa. Impostos carbono, geridos por bancos «sistémicos», capitais disponíveis para distribuir em projetos de «energias verdes» (verdes como as notas de dólar, entenda-se), entre amigos. Isto tudo, sobre o dorso dos pobres.

Desde logo se compreendia que as famosas taxas carbono não tinham logicamente a ver com qualquer redução efetiva da emissão de CO2, mas antes com mais outra forma dos muito ricos extraírem renda da sociedade. 

Agora, vem o próprio símbolo e líder da política económica neoliberal, o Banco Mundial afirmar no seu blog que existem razões sensatas e lógicas para os governos não quererem implementar taxas carbono:

“There are good reasons why governments may not want to use carbon taxes, and one of them relates to their welfare impacts. For example, a carbon tax on fossil fuels is often regressive in its impact- hurting poorer people relatively more than richer ones. Even when it might be progressive, poorer people still suffer a welfare loss when prices rise, making their consumption basket more expensive.”
(Tradução: existem boas razões pelas quais os governos podem não querer implementar as taxas carbono e uma delas relaciona-se com os impactos sociais. Uma taxa carbono sobre combustíveis fósseis é frequentemente regressiva, no seu impacto - atingindo mais os pobres, em termos relativos, que os ricos. Mesmo quando ela seja progressiva, as pessoas mais pobres irão sofrer maior perda de poder aquisitivo, quando os preços  sobem, tornando o seu cabaz de compras mais caro.)
Notável, não é ?
 ... Como passado cerca duma década e meia, o Banco Mundial chega, agora, às mesmas conclusões a que tinham chegado os verdadeiros militantes ecológicos, que nos tinham publicamente alertado. 
Vamos acabar com as paródias de «luta» climática, como as encenações obscenas de «Extinction Rebellion», de Greta Thunberg e doutras formas de desviar pessoas da verdadeira luta. Vamos olhar a realidade em frente e compreender o que se está a passar. Todos temos a capacidade de o fazer, se nos distanciarmos das máquinas de propaganda, chamadas órgãos de «informação», incluindo tudo o que passa por «defender» o ambiente, mas «omitindo» o principal e mais grave poluidor e destruidor dos recursos:- O capitalismo, a plutocracia riquíssima, que quer sempre mais, seja por que meio for.


quarta-feira, 13 de julho de 2022

O IMPÉRIO «WOKE» QUANDO O MOVIMENTO PELA JUSTIÇA SOCIAL CONFLUI COM O NEOCONSERVATISMO


 Esta conversa em profundidade ajuda a compreender como a esquerda (pelo menos, a institucional) tem sido cooptada. 
Não se aplica apenas aos EUA. A influência estende-se muito para além do público e da política interna americanos. 
Muita da chamada «esquerda» europeia está completamente capturada e funciona dentro dos moldes mentais do chamado intervencionismo «humanitário». 
O crime de guerra na Jugoslávia, em 1999, onde a NATO levou a cabo um ataque não motivado, contra um país que não atacou nenhum dos seus membros, foi o ato inaugural do imperialismo, na sua nova fase: 
- As intervenções «humanitárias» sucederam-se durante vinte e poucos anos, após aquele ato bárbaro contra a ex-Jugoslávia: Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iémen, Ucrânia, e os vários golpes e tentativas de golpes em todo o mundo para derrubar governos que não agradavam ao estado profundo neocon.