domingo, 22 de abril de 2018
sexta-feira, 20 de abril de 2018
[OBRAS DE MANUEL BANET] EXCERTOS DE «ARQUEOLOGIA»*
[*Recolha de poemas inéditos de 1987 a 2016]
1- A Revolta dos Anjos
-
Quem somos nós? Quem sou eu, quem és tu?
Somos
instantes perdidos na imensidão do tempo
Somos
transitórios como a carne
Somos
menos estáveis que um grão de areia
Somos
somente um elo duma cadeia que se estende desde um ser vivo primitivo…
…
Sou tudo isso e temos a vaidade de reclamar a imortalidade!
-
Segui estrada fora… conheço-lhe os prazeres e os perigos…
…
Toda a verdadeira caminhada é solitária
Que
este pensamento não sofra contestação
…
Bem louco seria aquele que emprestasse os pés em vez das botas!
2- Quando…
… Todas as profecias se
gastaram no vão desejo do amanhã
… As bocas se calaram no
súbito ruir da noite em tom de incêndio
… As fontes secaram
fechando as gargantas sedentas de cristal
… A Terra foi a enterrar
no espaço sideral
3- Tudo…
… Nasce, cresce e morre;
Se transforma,
Se vai escoando, se vai
esvaindo
Se vai crescendo, se vai
desenvolvendo
Se vai… …
… E tu, pra onde vais?
Tu, alma desvalida
Feres onde, vida?
Vives onde, ferida?
Do chão até às nuvens
Clamam vidas
Em seus quatro sentidos
Na água também,
Que é túmulo e fonte de
Ti,
- Ó Vida!
quinta-feira, 19 de abril de 2018
quarta-feira, 18 de abril de 2018
[OBRAS DE MANUEL BANET] excertos de «UM CORPO MERECE SEMPRE VIVER»*
* poemas da colectânea inédita intitulada «Um Corpo Merece Sempre Viver»
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SÃO HORAS
São horas de fumar o presente
E arrumar o passado num baú
Com versos em tons de malva
Só colhidos nas horas mortas
Em postais ilustrados, com beijos
muitos,
Xicorações e lenços de seda
antiga,
Amarelecida como folhas de um
outono
Vindouro; cada frase desbotando
no vão
Do portal escancarado, sob chuva
de março,
Irrigando os senteiros entre
rochas
E troncos
retorcidos...
|São horas de fumar o presente
São horas de perder as horas
São horas de contemplar o umbigo
São horas de ouvir os pêlos da
barba crescer
São horas de afogar o cansaço no
regaço
De uma noite onde se esconde teu
rosto
E se empresta um tempo ao
silêncio
E se goza a tragos ansiosos a
estupidez
De nos preocuparmos com coisas
vãs
São horas de fechar o livro
São horas de sonhar...
GNOSE
Via surgir esses rochedos do mar
Se retirando em oração rouca;
Eram modelo da Verdade pouca
Que aos olhos é dado contemplar.
Os olhos cerrou, que assim
guardavam
Melhor a visão, analogicamente
Certeira, do combate que a mente
E a matéria entre si travavam.
Mergulhado em meditação ousada,
Atravessou oceanos, atmosferas,
Espaços estelares, até ao Nada
Dilatando sua visão das esferas
Ao Todo Universal, a razão
empolgada
Descobriu por fim que Tu eras!
ÉS O MENINO QUE SE INTERROGA
És o menino que se interroga
sobre os campos submersos – as misteriosas profundezas oceânicas- revolvendo na
praia as conchas, os búzios, essas frágeis concreções que juncam a areia,
trazidas pela paciência coleccionadora da maré...
Assim o saber que ao Homem se
oferece:
Lá está exposto, qual carapaça
fóssil
De um ser no Universo...
Mas quando poderão novos Newton,
Darwin ou Jacques Monod,
Reconstruir do fundo oceano da
nossa memória genética, o “Homo”
Ainda não “sapiens”,
Mas já menino
Interrogando as conchas e seixos
rolados
Até à praia pela força
Das marés?
JAZZ
Gemido, sofrido, no mato
Carne pisada na roça
Dor, humilhação na choça
Rasgão, sangue pisado no corpo
UM CORPO MERECE SEMPRE VIVER
Um corpo merece sempre viver
Será este o meu derradeiro
Grito quando moribundo ‘stiver.
terça-feira, 17 de abril de 2018
segunda-feira, 16 de abril de 2018
[OBRAS DE MANUEL BANET] ODE À RIBEIRA*
*Da recolha inédita «Lábios do Vento» (1979-1982). A «Ribeira» corresponde à zona do Mercado e do Cais da Ribeira, em Lisboa, locais de trabalho árduo e de vida boémia.
ODE À RIBEIRA
Cais onde desaguam verduras mil
Sinfonia de cores, odores e gritos
Mulheres de olhar experiente
Observam o seu cliente
Gritando os seus pregões
Homens de sacas às costas
Atravessando um mar de alfaces
De couves
lombardas, de aipos
De cenouras, de cravos
De todas as cores
Sob a luz iridescente
Dos candeeiros, os boémios
Sorvem o café, olhar vago,
Madeixa desgrenhada
E ao balcão de esmalte
O rapaz mexe o açúcar nos galões
Vendedeiras com batas pretas
Sobre as saias de roda
Seios abundantes arfando
Faces coradas como pimentões
As últimas prostitutas
Põem rímel e bâton
Nas suas máscaras como na tragédia antiga
Uma algazarra de buzinas
Faz levantar voo a um cortejo de gaivotas
Que debanda para os bordos dos navios
Mastodontes atracados
De onde saem cascatas de peixe prateado
E nisto, o céu começa a clarear
E lá ao longe um rubro clarão de fogueira
Abrasa o fino rendilhado do casario
E as nuvens, róseos animais que o vento deforma
Este vento fresco que sopra de manhã
Trazendo o odor a maresia, a cio e a suor
As negras em filas
Vão carregando canastas de peixe
Que se acumula nos camiões frigoríficos
Os trabalhadores, de cara tisnada, olhar cansado
Mordem o pão, bebem um gole
De vinho do Ti Zé
Aquecendo-se a um braseiro
Puxando umas passas do cigarro
Um zumbido de azáfama
Invade o campo auditivo
E nesta orgia de cores,
Cheiros e sons o espírito levanta voo
Ó homens da noite,
Rudes, sulcados de rugas,
Mãos sempre prontas a afagar as coxas abertas
De alguma sereia nocturna presa no vosso cordame
O chão está juncado de escarros, de beatas e de papéis
Oferece uma consistência mole ao andar
Os tamancos, as rodas dos carros carregando caixotes
A abarrotar de pescada luzente,
Com os seus guinchos estridentes, o seu raspar
O surdo tropel da cavalgada nocturna
E o rio sempre mansamente ondeando
Palpando o cais de seus dedos aveludados
Vai deixando alguns cacilheiros, luzes tremeluzentes
Deslizar suavemente sob o olhar fixo das gaivotas,
Sentinelas sempre alerta
Sobre o cimo dos mastros dos barcos
Balouçando ao ritmo da canção do vento
As alforrecas melancólicas dizem adeus
No meio das ondas aquelas jovens virgens
Que derramam a sua frescura sobre a amurada
No caminho do mar
O navio vai convidando do seu casco amarelo
Os marujos a subirem ao som das sirenes
As escadas de pedra carcomida vão dar
A uma mole de frutas de odor capitoso
Que nos envolve, nos lança um pregão,
Que nos recorda os passos daquela varina
Descendo a calçada, ancas dengosas, as saias alevantando-se
E deixando entrever as pernas rijas
Bebei este Mundo
Penetrai neste grande arraial nocturno de olhos cerrados
Para melhor sentir o cheiro que vos sobe às narinas
domingo, 15 de abril de 2018
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