quinta-feira, 23 de novembro de 2017

A FLAUTA MÁGICA [excertos e comentários]

                                 


A«Flauta Mágica» é muito exigente no plano musical, necessita de: 
- Um grande rigor e clareza de articulação, que ajudem a compreender as palavras do texto, coisa que me parece sempre desejável. 
- No plano instrumental, a interpretação deve ser igual ao valor dos cantores. Desde a Abertura até cada ária acompanhada,  tudo deve ser servido por uma excelente orquestra.

Mozart merece o melhor. Pela minha parte, não me canso de prestar ouvido atento às suas composições: Ao seu excelente sentido melódico, aliado de uma grande frescura expressiva! O seu sentido do humor e uma densidade humana inegável... enfim, um montão de qualidades. 
Porém, há certamente razões pessoais para eu ter uma adoração especial pela «Flauta Mágica», maior que qualquer outra obra, por mais genial que seja.
Esta obra, por sinal, é inesgotável: sim, podemos relacioná-la com uma simbologia maçónica, apenas velada; sim, podemos dizer que está na origem da ópera germânica propriamente dita; e sim, esta obra pode ser lida a vários níveis. Mas é inesgotável, podemos ouvi-la sempre com prazer!

Sempre me acompanhou, na minha vida: posso dizer que constitui um «refúgio»... mas refúgio de quê? - Da fealdade e da estupidez...
... Retemperado pelos acordes solenes ou esfuziantes da «Zauberflöte», fico em muito melhor condição para os «monstros» que tenho de enfrentar, às vezes ! 

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

GUERRA NUCLEAR POR ACIDENTE?


                                

A escalada de tensões entre potências nucleares, levada a cabo, essencialmente, pelos Estados Unidos, com a cumplicidade ou -pelo menos- a complacência dos seus aliados na NATO, é propriamente uma política suicida. 
A prová-lo estão numerosos relatórios, alguns dos quais vindos da Grã-Bretanha, fiel aliada dos EUA, que mostram que uma guerra nuclear, mesmo entre potências secundárias como o Paquistão e a Índia, causaria milhões de mortos diretos e indiretos, estes últimos por rutura dos recursos alimentares em consequência do arrefecimento brusco causado pela emissão de grande quantidade de partículas, que ficariam em suspensão na atmosfera interferindo com a luz solar (inverno nuclear). Claro que num cenário entre os EUA e a Rússia, ou entre os EUA e a China, os resultados ainda seriam mais catastróficos.
A proliferação de armamento nuclear, veja-se o caso mais recente da Coreia do Norte, é decorrente da atitude de bullying de uma super-potência, neste caso os EUA, que estão constantemente a ameaçar (e/ou efetivar) com agressão militar os Estados que não se conformem com a sua hegemonia.
Esta política dá efectivamente alento para estes países, decretados «Estados párias», se munirem da arma nuclear, pois ela funciona como salvaguarda ou dissuasora contra as ambições imperialistas. 
Porém, abandonou-se a política oficial de tentar uma redução e progressiva eliminação de armas nucleares, que foi a doutrina oficial, da ex-URSS e dos EUA, nos anos setenta e oitenta do século passado. Esta doutrina e os tratados de redução de armamentos estratégicos, com toda a série de protocolos destinados a evitar uma guerra «acidental» entre super potências, foram sendo postos em causa, um a um, no presente século. 
É preciso que as pessoas tenham consciência que esta mudança de cento e oitenta graus, na política dos EUA, não foi o resultado de um movimento de massas, duma mudança da opinião pública, ou mesmo, nos principais partidos políticos, no seu conjunto.  

Esta mudança - com potencial catastrófico - deveu-se a um grupo obscuro chamado «Neo-Cons», que advoga no seu documento fundador PNAC ( projeto para um novo século americano, 1997) exatamente todas as políticas que vêm sendo seguidas desde o início do século XXI. 
Isto não pode ser coincidência, tanto mais que este grupo tem peões seus em vários sectores da administração, qualquer que seja o «partido» no poder (Noam Chomsky costuma dizer, nas suas entrevistas, que o poder, nos EUA, é de um partido único, com duas alas, a democrata e a republicana). 
Os neocons conseguiram capturar alavancas essenciais da administração, mormente nos sectores da defesa, espionagem (CIA, NSA, etc.) e diplomacia (ex.: Victoria Nulan, que promoveu o golpe na Ucrânia, com o pleno acordo de Obama).

O clima de suspeição e de constante bullying às potências nucleares menores, ou com capacidade de se tornarem nucleares a breve trecho, não apenas vem contrariar a doutrina da não proliferação de armas nucleares e de destruição massiva, adotada pela ONU e pelos Estados que têm assento permanente no Conselho de Segurança, vem também aumentar a probabilidade de «guerra nuclear por engano», ao fazer subir a tensão a níveis nunca antes vistos, mesmo no auge da guerra-fria, no início dos anos 60, aquando da crise dos mísseis de Cuba.

Se não houver uma inflexão política entre os aliados da NATO, limitando e depois eliminando a influência desta tenebrosa máfia dos «neocons» nas administrações dos EUA, sejam elas democratas ou republicanas, o mundo continuará à beira da destruição. 
Como indicam muitos relatórios oficiais sobre questões de defesa, a probabilidade de uma tal ocorrência é maior envolvendo pequenas potências nucleares e/ou por um encadeamento de falhas, de acidentes infelizes, nos dispositivos de controlo, do que num cenário onde as principais potências se confrontam diretamente e acabam por recorrer às armas nucleares, na sequência de uma escalada bélica.

As pessoas de boa vontade, que lutam pela transformação das políticas no sentido de uma proteção do ambiente, preocupadas com o efeito de estufa antropogénico (não irei discutir aqui se ele é, ou não, tão grave como advogam, apenas me refiro à mobilização que este tema desencadeia) deveriam pensar que, sem segurança global, sem eliminação metódica e controlada dos armamentos de destruição massiva, todo o futuro do planeta, da espécie humana, está posto em causa. 
Assim sendo, que sentido tem não fazerem com que todo o peso das campanhas de opinião e de movimentações de massas se oriente para a urgente tarefa de desativar o perigo de uma guerra nuclear?
Não serão eles cúmplices, por estarem objetivamente a dar campo aos que advogam e produzem um retorno às políticas de «guerra fria»? 
A política, seja em que domínio for, mede-se pelas prioridades que se dá: é escrutinando essas prioridades que se consegue conhecer as verdadeiras intenções. 
Eu, sinceramente, já não acredito na sinceridade de certos ecologistas, os que advogam a mudança para um modo de viver saudável, a redução da «pegada de carbono», etc.,  mas que não se emocionam, não fazem nada, viram a cara e assobiam, quando se coloca a questão da guerra e da paz, dos esforços que têm de partir da cidadania para pressionar governos a mudar o rumo de suas políticas. 

Também bastante ridículos me parecem os que se dizem radicais anti-autoritários, que não aceitam entrar em coligações (sem dúvida limitadas, mas efetivas) com outros, com genuína boa-vontade, para erguer um poderoso movimento pacifista. Com efeito, mesmo que não existissem armas nucleares e que a ameaça de destruição global não se colocasse, o facto é que os sistemas de organização de guerras, de militarismo, de exércitos, tanto para flagelar os exércitos inimigos, como populações indefesas, incluindo as próprias, sempre foram o essencial  do autoritarismo.

O fracasso ou a não-priorização dos ecologistas e dos anti-autoritários, com outros grupos e tendências, para erguerem um sólido movimento pacifista, é a maior falha que aquelas correntes exibem. É com imensa tristeza que verifico esta situação, muito ao contrário das tradições e dos valores próprios das referidas correntes.  


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O PODER A NU: MERKEL OBRIGADA A RENUNCIAR A NOVA «GRANDE COLIGAÇÃO»

                

Ela é odiada por muitos à esquerda e à extrema direita; e os que estão no centrão, cada vez menos apostam nela...
As razões de uns e de outros são por demais conhecidas. Não vou aqui repisá-las. Vou antes apresentar o meu ponto de vista.

A minha visão do «reinado» de Angela Merkel é a de uma Alemanha que teme e deseja tomar as rédeas da independência em relação à super-potência tutelar.
Na política externa, agradou aos americanos quando se envolveu no vespeiro ucraniano e no golpe do Maidan. Mas teve de enfrentar a contestação dos meios industriais alemães,  face a umas absurdas sanções contra a Rússia, as quais fizeram mais mal à UE que à Rússia.
Desagradou profundamente a Erdogan, fazendo com que a base da NATO de Irklit na Turquia ficasse praticamente fechada para tropas alemãs.
Na UE, tratou com uma severidade absurda a questão das dívidas excessivas da Grécia, de Portugal, Espanha, Itália, sendo certo que a Alemanha foi quem beneficiou mais dessa situação durante mais de um decénio. Quando há um défice num prato da balança, é que existe um superavit no outro. Pena que o prato do défice estivesse cronicamente nos países do Sul e o superavit  em países do Norte.

Agora, perante a crescente onda de repúdio pela abertura indiscriminada das fronteiras, aos refugiados das guerras (causadas  ou atiçadas pela NATO!) do Norte de África ou do Médio Oriente, a sua posição era demasiado frágil com os seus 32% dos votos. Os outros partidos que encetaram conversações, compreenderam que uma coligação assim teria vida curta e seria para esses pequenos partidos mais penalizador, em termos eleitorais, ser solidários com as medidas de austeridade que estão na forja, apesar da tentação de participar no governo, o que dá sempre um reforço de «imagem de Estado» aos mesmos.

A coligação com o SPD teve como resultado que nem o SPD conseguiu infletir significativamente a política, de acordo com o desejo de suas bases, nem conseguiu ganhar uma validação posterior nas urnas, pelo «sacrifício» de ter participado no anterior governo.

As eleições antecipadas, vão desenrolar-se perante incertezas e instabilidade:
- a nível geoestratégico, com uma NATO que não tendo missão clara a cumprir, está porém renitente em «largar mão» do sector europeu, a uma entidade ainda  vaga, mas que agrupa os comandos militares de 23 Estados membros da UE. 
- a nível industrial, a sobre capacidade de produção vai resultar em falências e desemprego, pois vastas camadas da população estão empobrecidas, tanto os consumidores dos países ditos periféricos como os alemães da classe pobre (a leste sobretudo, no território da antiga RDA). No contexto internacional (extra-UE), também, os mercados estão cada vez menos recetivos.
- O modelo social, instaurado com um pacto entre os sindicatos, o patronato e o governo em como o patronato evitaria os despedimentos em troca de uma aceitação por parte dos trabalhadores de tabelas salariais realmente baixas e mantidas constantes,  está prestes de explodir, pois as pessoas mais pobres, que têm pensões de sobrevivência muito baixas (para o nível de preços da Alemanha) vêm os refugiados receberem mais do que eles, além de alojamento e assistência médica gratuitos, e viram-se para a extrema direita.  

Parece-me que tudo o que os líderes políticos dos países mais poderosos e da burocracia da Comissão de Bruxelas fazem se vira contra eles. 
Esta situação é típica de sistemas complexos quando estes são tratados como se fossem modelos - lineares, ainda por cima. A fragilidade é máxima. Qualquer pequeno acidente de percurso é suficiente para fazer descarrilar todo o comboio de políticas laboriosamente negociadas entre as diversas fações da oligarquia.

Temos, portanto, uma crise multidimensional à porta de 2018. 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

UMA MUDANÇA VIRÁ NAS NOSSAS VIDAS...


As belas e fortes canções populares são de todos os tempos, mas esta, em particular, indica-nos um estado de espírito, aquando da sua composição e da sua primeira edição discográfica por Sam Cooke. 
No ano de 1964 era de batalha pelos direitos civis, a luta pela igualdade constitucional e real, dos não-brancos, com os brancos. O estatuto das minorias não-brancas nos USA era de opressão, sujeitos a práticas racistas, por vezes violentas. 
Os EUA nunca souberam tirar as lições do seu passado esclavagista. Nisso, infelizmente, não estão sós.

  

A Diva do Soul introduz o tema com uma pequena frase, talvez em homenagem a Sam Cooke: «There's an old friend that I once heard say something that touched my heart ...»

O Rei do Soul, Otis Redding, prematuramente desaparecido, tem aqui um desempenho inultrapassável.
Talvez seja demasiado nostálgico, mas as minhas músicas preferidas na adolescência incluíam esta, na versão de Otis.

Quanto à esperança na mudança, por muito calejados que estejamos, não devemos deixar de promovê-la, a partir dos nossos corações. Acho que é esta a mensagem sincera e sempre actual da letra.

I was born by the river
In a little tent
And just like the river
I've been runnin ever since
He said it's been a long time comin'
But I know my change is gonna come
Oh yeah
He said it's been too hard livin'
But I'm afraid to die
I might not be if I knew
What was up there
Beyond the sky
It's been a long, a long time comin'
But I know my change has got to come
Oh yeah
I went, I went to my brother
And I asked him, brother
Could you help me, please?
He said, good sister
I'd like to but I'm not able
And when I, when I looked around
I was right back down
Down on my bended knees
Yes I was, oh
There've been times that I thought
I thought that I wouldn't last for long
But somehow right now I believe
That I'm able, I'm able to carry on
I tell you that it's been along
And oh it's been an uphill journey
All the way
But I know, I know, I know
I know my change is gonna come
Sometimes I had to cry all night long
Yes I did
Sometimes
I had to give up right
For what I knew was wrong
Yes it's been an uphill journey
It's sure's been a long way comin
Yes it has
It's been real hard
Every step of the way
But I believe, I believe
This evenin' my change is come
Yeah I tell you that
My change is come
Autores de la canción: Sam Cooke
Letra de A Change Is Gonna Come © Abkco Music, Inc

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

DEFESA: UM DEBATE PELA SOCIEDADE CIVIL QUE TARDA

                      Infographic: The EU's Biggest Standing Armies | Statista

Clemenceau dizia (ou é-lhe atribuído) que «os assuntos da defesa são demasiado sérios para serem deixados nas mãos dos militares». 
A constante choramingueira sobre os mauzões que são os eurocratas, quando se está a beneficiar directamente do sistema instituído, por exemplo, ao nível do Parlamento Europeu, torna a «esquerda» portuguesa particularmente pouco credível. 
Querem uma participação na UE, «ma non troppo»... enfim!

Com seu anti-militarismo e pacifismo de fachada, apenas, mas não querendo que os seus próprios adeptos e simpatizantes percebam o papel que os eleitos dos partidos de «esquerda» desempenham no sistema institucional bruxelense, só lhes resta fazerem - eles próprios - o black-out de notícias. 
Nada mais fácil! Não se fala disso, não se coloca ninguém a falar no parlamento ou fora dele, não se enche nenhuma tribuna de opinião, nenhuma coluna de jornal partidário, com tal assunto!

                         EU Creates New Defense Pact to Reduce Dependence on US

Foi assinado o protocolo de criação da PESCO em Bruxelas, no passado dia 13 de Novembro. 
A PESCO é um importante passo, dado por 23 países, para forças armadas integradas europeias, em complementaridade, mas fora do controlo da NATO. 
Não aderiram a este pacto a Grã-Bretanha, Dinamarca, Malta e Portugal.
Os países mais furiosamente pró-americanos e pró NATO, na UE são, além da Grã-Bretanha que está em vias de sair, Portugal e a Dinamarca. 
A Dinamarca tem detido o lugar de secretário-geral da NATO, posto que não é meramente honorífico e que implica que os senhores do Império confiam plenamente nestes vassalos. 
Quanto a Portugal, é um caso de mera venalidade da sua «classe» política, a qual se tem contentado com as «migalhas» que lhe são atiradas (não ao povo português), pelos que comandam ao nível supremo (acordo da Base das Lages, nos Açores), ou pelos seus mandatários em Bruxelas (a «Comissão Europeia» é um conjunto de burocratas não eleitos, inteiramente fiéis aos grandes grupos económicos europeus e transatlânticos).

A PESCO tem como objectivo reduzir os diferentes sistemas e equipamentos militares presentes ao nível regional. Também está vocacionada para fornecer treinos conjuntos aos quadros militares. 
A criação de capacidades de coordenação próprias irá permitir que os exércitos europeus levem a cabo operações de forma autónoma, ou em coordenação com a NATO. Esta, formalmente, apoia o projeto, pois vê aí um meio de reforçar as capacidades dos exércitos europeus, parte integrante da Aliança Atlântica.

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

HELÈNE GRIMAUD: 4º Concerto para piano de Beethoven

Beethoven - Concerto para Piano em Sol opus 58

Piano- Helène Grimaud


Orquestra de Paris- Christoph Eschenbach


Dizem que «onde há vida, há esperança» e eu assim desejo que seja. Talvez por isso, não escuto certos acordes sem um frémito. 

Um frémito devido à transcendência que flui desta música, num caudal imenso. Um frémito de esperança, sim! Por causa da grande arte imortal de alguns, a que literalmente transcende a morte.

A vida está disseminada pelo universo e concentra-se em certos indivíduos, onde coalescem as energias universais. 

As mentes e sensibilidades fora do comum, superam os limites  do espaço e do tempo, transportam-nos para outras dimensões do espaço-tempo.

Eu sinto-me a flutuar ou a ser transportado no espaço inter-estelar, consoante o andamento, quando oiço este concerto para piano nº4 de Beethoven. 

Mais uma vez, Helène Grimaud é exemplar. A expressão enérgica e dinâmica, aliada à precisão e pureza de técnica, são impressionantes. 
A grande arte do compositor de Bona exige os melhores intérpretes; é o que acontece com esta talentosa solista.