A crise ucraniana é muito pouco palatável, mas funciona como reveladora:
Desde a histérica campanha mediática, insuflada pelos anúncios alarmistas repetidos de Biden e sua administração, de que a invasão russa «estava iminente», que se verifica quão bajuladores os governos da maioria dos países da OTAN/NATO se têm mostrado, em relação ao Senhor feudal, o governo de Washington.
Esta maioria de governos não inclui dois, o da França e da Alemanha, que compreendem que seus países têm nenhum interesse em ver cortadas as relações diplomáticas e comerciais com a grande nação euroasiática. Pelo contrário, compreendem que estão a ser empurrados (mais uma vez) a fazer uma guerra americana por procuração. Quem pagaria o preço de um corte total com a Rússia, já para não falar de uma verdadeira guerra, com armas e bombas, seriam obviamente os europeus. François Mitterrand não se poderia chamar um político destituído de realismo: foi ele que disse, numa entrevista pouco antes de morrer, que existia um inimigo mortal da unidade europeia, e que esse inimigo disfarçado, era tido como nosso aliado: os EUA.
De facto, trata-se da grande paranoia dos estrategas que dominam em Washington, pelo menos desde a época do presidente Clinton.
O perigo soviético manteve a Europa ocidental debaixo do «chapéu-de-chuva» americano, como dissuasor. Era a proteção militar americana que jogava como fator poderoso em manter os governos ocidentais, a maioria das forças políticas e, por extensão, das opiniões públicas, favoráveis à hegemonia americana. Isto manteve-se, decénios depois do fim da IIª Guerra mundial. O povo da República federal alemã, como o de leste, não tinha qualquer laivo de independência, visto que se encontrava ou sob ocupação americana, ou soviética (no caso da Alemanha de Leste). Mas, a unificação alemã veio transformar a geopolítica do continente europeu, «congelada» de 1945 a 1990.
As peripécias políticas e militares da NATO (e fora da NATO) dos diversos «parceiros» europeus, seria um tema demasiado longo para descrever aqui, embora seja muito útil e mesmo indispensável, para se perceber o que se está a passar neste preciso momento.
Assiste-se a uma manobra de desestabilização pelos EUA, ainda não plenamente conseguida e que pode também falhar. Como disse em artigo anterior de análise sobre a crise ucraniana, trata-se de causar um bloqueio do Nord Stream 2, um embargo do gás russo (e doutros bens de exportação), por sanções, cujo preço vai ser pago pelas economias europeias ocidentais. Note-se a coordenação anglo-americana a este propósito, com Boris Johnson a fornecer armas e peritos para treino das tropas, enquanto faz reuniões com Zelensky, sem qualquer outro motivo que não seja aparentar uma «procura da paz». Quanto a Biden, ou melhor, aos que puxam os cordéis em Washington, têm gritado «vem aí o lobo» da invasão russa, dia sim, dia sim. Estão realmente a fazer o papel que lhes é reservado, como atores profissionais ao serviço do lobby do armamento, o maior lobby dos EUA, aquele que tem tudo a ganhar dum renovo da guerra-fria. Com efeito, se nós tivermos em conta análises, não enviesadas, sobre o peso das despesas de defesa nos orçamentos americanos, verificamos que o nível mais alto da Guerra Fria nº1, é ultrapassado no presente. A indústria de guerra, juntamente com a indústria farmacêutica e do entretenimento de Hollywood, são grandes exportadores dos EUA, mas a indústria bélica é - largamente - a maior. Por conseguinte, estamos a assistir a um apodrecimento da situação na «frente leste», com as barragens de artilharia dum lado e de outro das linhas de demarcação das repúblicas do Donetsk e Lugansk, com a Ucrânia. Que isto seja prelúdio para uma guerra mais intensa, com batalhas nesses territórios, só o futuro o dirá, mas existe grande probabilidade que assim seja. Zelensky com todo o seu aspeto simpático de ex-comediante, é refém dos americanos e do setor ultranacionalista ucraniano. Não sei se ele poderá desejar pessoalmente, evitar a guerra e obter uma forma de solução pacífica, através do processo dos acordos de Minsk. Mas, sei que a maioria dos partidos representados do parlamento de Kiev, têm a retoma - por quaisquer meios - das repúblicas separatistas e da Crimeia, como objetivo claro (o que não significa que as populações tenham o mesmo ponto de vista). Assim, a população dos restantes países está refém das intrigas de Washington, que se relaciona com o governo de Kiev como o senhor feudal com os servos. Do lado russo, não há o mínimo interesse em intervir na Ucrânia, pelos motivos já amplamente descritos noutras crónicas minhas. Porém, é perfeitamente compreensível que, ao nível humanitário, estejam a evacuar e dar realojamento às pessoas das repúblicas do Don (crianças, idosos, inválidos e mulheres em prioridade) perante a possibilidade de uma guerra no seu solo. É perfeitamente lícito ajudar a população largamente russófona, vítima de longos anos de guerra ativa ou larvar. Aliás, numerosos cidadãos dessas repúblicas têm dupla nacionalidade, ou seja, têm documentos de cidadania russa, além de serem cidadãos ucranianos e/ou das repúblicas separatistas. Para além dos aspetos legais, é particularmente chocante ver-se que outros russos são discriminados, humilhados, quase remetidos para a clandestinidade, nas «democráticas» repúblicas bálticas que resultaram da decomposição da União Soviética: A Letónia, Estónia, Lituânia (membros da NATO, da União Europeia e doutras instituições). As minorias etnicamente russas, destes países estão sujeitas a tudo isso. Porém, delas não se fala nunca: «Russian lives DON'T MATTER».
De qualquer maneira, se sanções duras contra a Rússia se vierem a concretizar, prevejo que os grandes prejudicados serão os povos europeus. Os alemãs, em particular, privados de gás natural a preço acessível, para seus lares e suas indústrias. Mas, também todas as outras nações europeias, que terão muito a perder economicamente, também pela perda de comércio. Desde os frutos e legumes, aos automóveis, e passando por produtos como perfumes, modas, vinhos etc. todos eles, produtos são exportados agora e poderiam vir a sê-lo ainda mais para o grande mercado russo. Uma enorme área de comércio ficaria fora do alcance das empresas europeias.
Os EUA ficarão contentes, pois irão manter e reforçar as suas partes de mercado, não apenas nos países da Europa ocidental, como terão, mundialmente, menos competição nos seus produtos tecnológicos, em particular.
Estamos, portanto, a assistir às primeiras salvas de uma guerra híbrida, cujo desfecho é incerto, mas que tem como objetivo implícito abaixar a capacidade de autonomia e de concorrência da Europa, nos mercados mundiais. Trata-se, sem dúvida, de uma guerra contra os Estados, os sistemas económicos e os povos europeus.
O seu sucesso ou insucesso depende, em larga medida, de que uma percentagem esclarecida da cidadania acorde e veja, para além de toda a propaganda, os golpes económicos associados a estes desenvolvimentos geopolíticos.
NB1: Um pouco de refrescar da memória, sobre como a NATO e o Império americano coagem os países a pertencer à aliança, que não é defensiva mas ofensiva e claramente orientada contra a Rússia. Leia AQUI. NB2: Da página web de Paul Craig Roberts:
In a televised address President Putin announced this morning a military operation to “demilitarize and denazify Ukraine.”