Tudo ou quase tudo, me separa do Che Guevara.
O seu romantismo revolucionário não o impedia de ter o prazer sádico de executar ele próprio os «traidores» à revolução. Muitos adoradores do Che não sabem do seu estalinismo furioso e da sua detestação de Kruschev: Com efeito, sob o novo secretário-geral do PCUS, a União Soviética estava a orientar-se na senda da paz e da coexistência pacífica com o outro superpoder, os EUA. Mas, o Che estava convencido que somente uma nova guerra mundial iria implantar - por fim - o socialismo à escala do planeta. Quer trouxesse ou não o socialismo, o certo é que as armas nucleares usadas numa guerra total entre as superpotências, fariam da Terra um local tão inóspito, que tornaria invejável a sorte dos que tivessem falecido imediatamente no holocausto nuclear.
Sua teoria do «foquismo», de criar muitos focos de guerrilha, fazendo com que as forças militares dos EUA e seus aliados acabassem por ser derrotadas por «100 ,1000 Vietnames...» foi um desastre completo, que levou à sua própria morte na Bolívia, além da morte de muitas outras pessoas. Está por fazer o balanço da sucessão de erros trágicos, causados pelo Che ou inspirados pelo guevarismo: É que, tanto sua prática como sua teoria, são as mais elitista-vanguardistas que se possam imaginar.
Aliás, o foquismo rejeita, no fundo, a luta de classes, pois condena o trabalho legal nos sindicatos, que tentam unir trabalhadores em torno de objetivos concretos.
A teoria foquista impregnou a mentalidade de muitos jovens da minha geração, tomaram isso pelo suprassumo revolucionário.
Naturalmente, a incapacidade de compreenderem a luta de massas, foi um bónus para a burguesia, para a classe capitalista e os imperialistas.
Só ingénuos podem acreditar que ser-se realmente revolucionário, é ser-se mais extremista que o vizinho do lado, ou que o seu companheiro.
Em Portugal, após o 25 de Abril de 74, tal disputa fútil, infantil, de autoproclamados «revolucionários», foi causadora de muito mal nas fileiras dos jovens que estavam com a revolução, que queriam sinceramente uma transformação para o socialismo.
Eles estavam emocionalmente com o socialismo, mas não compreenderam que líderes sem escrúpulos os estavam encaminhando para um beco sem saída, quanto não para a negação total e completa, teórica e prática, do socialismo.
Não admira portanto, que, passados os anos mais entusiastas pós-revolução, muitos se tenham acoitado em partidos burgueses.
Eles eram como amantes dececionados: viram que a revolução comunista romântica, que os fez sonhar, era só um devaneio e que tinham sido jogados, manipulados. Em consequência disso, começaram a odiar todas as correntes que propugnassem o derrube do capitalismo, sem distinção.
Mas, o maior prejuízo que os elitistas-vanguardistas de inspiração guevarista causaram, foi o repúdio duradouro pelo socialismo, numa parte importante do país, o país rural, o país provinciano, «atrasado» segundo os padrões esquerdistas. Os «atrasados», afinal, tinham sido os grandes sacrificados do regime de Salazar e Caetano.
Estes elitistas-vanguardistas assustaram os pequenos camponeses, o chamado «povo miúdo». A partir daí, foi muito fácil serem arregimentados para combater (de armas na mão, em muitos casos), tudo o que fosse «comunista»...ou andasse lá perto.
Este papel contra-revolucionário do esquerdismo foi menosprezado pela maioria dos historiadores:
- ou porque simpatizavam com o campo vitorioso do 25 de Novembro; então estavam satisfeitos pelo facto do povo ter escorraçado, ter derrotado o «comunismo»,
- ou porque estavam no campo oposto, e consideravam que a derrota no golpe de 25 de Novembro, foi consequência da força superior dos «contra-revolucionários», nunca aceitando que os elitistas-vanguardistas tinham cavado a sua própria sepultura, e isso, meses antes do 25 de Novembro, no chamado «Verão Quente», num clima de guerra civil.
Esta forte dissociação do campesinato, mas também dos pequenos funcionários e camadas mais modestas dos empregados de serviços, nas cidades, teve consequências que vão até hoje.
Por exemplo, a forma como estão estruturados e como funcionam os movimentos dos trabalhadores e dos agricultores: mais que em qualquer outro país da Europa, nota-se uma estrita obediência partidária das organizações.
Este sectarismo, pode situar-se sua origem nessa época, na partição entre sindicatos na Intersindical, fiéis a uma clássica tradição «comunista» (PCP, mais grupos «revolucionários») por um lado; e por outro, na UGT, cujos dirigentes estavam em partidos como o PS, o PSD e o CDS, aceitando inteiramente o capitalismo.
Está tudo por analisar na história do fracasso da última tentativa de revolução leninista na Europa. Sobretudo, não tenho a impressão de ter havido uma reflexão madura, apenas de autoabsolvição, duma parte da «extrema esquerda».
Infelizmente, estão imbuídos de mitologias guevaristas, muitos esquerdistas: Provavelmente, numa fase ou noutra do seu percurso, envolveram-se com organizações deste tipo.
Entre estas pessoas e organizações, Otelo Saraiva de Carvalho foi a figura carismática. Ele agradava aos que já tinham o «mito do herói», sendo o modelo, Che Guevara.
Otelo, membro destacado da revolução dos capitães de 25 de Abril de 74, tornou-se o derrotado Otelo, primeiro militarmente, com o 25 de Novembro, depois nas urnas, aquando da eleição do General Ramalho Eanes.
A sua figura serviu, na ideologia confusa de parte do esquerdismo português, como chefe «anti-autoritário»: isto é, de facto, uma contradição nos termos, mas não se pode «culpar» disso o falecido Otelo.
Não sou eu que irei fazer a História do descalabro, do esfacelar da revolução portuguesa. Isso não me dá nenhum gosto. Fico triste quando penso na enormidade dos disparates que os que se proclamavam do lado da revolução, fizeram.
Enterraram, precisamente, a revolução verdadeira, a que implicaria participação esclarecida de um máximo de pessoas, não violentando crenças, costumes, religião, atendendo às necessidades verdadeiras e reais dos pobres.
Essa história triste vem-me à memória, agora, que oiço um coro de «carpideiras» na morte de Otelo. A tragédia nasceu na Grécia. Porém, migrou tardiamente para as paragens da Ibéria, primeiro com a Revolução Espanhola, depois, com a Revolução Portuguesa.
O preço da estupidez dos alucinados «revolucionários», foi muito alto, mas foi pago pelo conjunto da população portuguesa. Por isso, não me sinto inclinado à indulgência na análise do seu papel nesta época conturbada do pós-25 de Abril.
Portugal, país europeu, ficou para neocolónia das Nações europeias mais fortes, que puderam explorar os recursos naturais e o trabalho dos portugueses.
2 comentários:
Leio com todo o interesse e admiração, em geral, muitas das suas observações. A propósito da morte de Otelo, o seu texto tem notas pertinentes sobre Guevarismo (Guevara pôs-se a jeito para ser assassinado), sobre a infantilidade dos Esquerdismos, mas para falar de Otelo, ou do Oficialato Português que combateu nas Colónias e depois viu o que significava a guerra que fazia ao serviço de um repugnante regime de Direita (a Direita é o que é, não tem emenda), para falar do 25 de Novembro, de Vasco Gonçalves, de Eanes, do trágico ridículo de um Spínola um filo-nazi honrado por um regime liderado or uma figura como Mário Soares, ou da hipocrisia de muitos dos que falam das contradições dos Otelo, dos problemas dos Povos, sejam eles quais forem, é preciso ir mais longe na análise feita. O Manuel Banet é capaz de o fazer. O 25 de Abril e os Otelo exigem-nos mais. A terminar: Portugal está encalhado há séculos e o seu estatuto de nação "independente" é um equívoco. Claro que o Luxemburgo também é, como outros, um falso estado independente. Etc. Fico por aqui e lembro a observação de Romain Rolland:"Um herói é aquele que faz o que pode, os outros não o fazem". Saudações cordiais do Maximiano Gonçalves
Muito grato Maximiano Gonçalves: eu faço o que posso, sempre. Mas não me tomo por herói, que não sou, realmente. Sou apenas um prof. de biologia reformado e vivendo nos arredores da capital. Dito isto, amo muito Portugal e o seu povo. Por isso mesmo, não perdoo aos que desbarataram a oportunidade do século XX, para Portugal, e agora se fazem de «vítimas»!
Enfim, já leu o meu ensaio publicado em Luta Social, nº4 : Portugal, país neocolonial?
https://manuelbaneteleproprio.blogspot.com/2017/04/portugal-pais-neocolonial-caderno-luta.html
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