sábado, 21 de maio de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] Frottola «Vergene Bella», Bartolomeo Tromboncino





Versos a Afrodite, Deusa da Geração do Amor e da Vida

A cada passo meu, dentro deste jardim, se vai aproximando o coração da luz. Em ti encontrei o fruto escondido do amor sem pecado. Do amor que se estabelece entre dois seres de luz, fora do tempo e do espaço, porque estão no plano universal do amor de Deus.

As guerras que nos atormentavam, as de ferro e fogo, as de corações inflamados pelas paixões terrenas, não desapareceram, mas não nos causam já esse abalo que nos desvia de Ti.

No meu coração te transporto sem o dizer a ninguém, pois o que há de bom e precioso deve ser preservado do olhar cobiçoso.

O ouro que é meu, esse que é verdadeiro, não é o que se encontra nos cofres e nas baixelas. O ouro que está em mim, não reluz e nem se pode cambiar, tem só uma existência: a do espírito comparticipando no Todo.

Estou em comunhão contigo, Deusa, com a beleza imóvel e intensamente compassiva do teu olhar poisado sobre mim. Em teu coração eu me refugio, recebo tua proteção. Sou teu, dou-te a minha fidelidade e a verdade de meu ser.


[NO PAÍS DOS SONHOS] Tento do Primeiro Tom, Manuel Rodrigues Coelho




O horizonte está entrecortado por colinas, onde tufos incertos de bosquedos teimam em assinalar a sua presença. O rio está quase seco, apenas serpenteando um fio de água por entre pedras e juncos. Oiço gritos ao longe, de uma aldeia ou quinta a duas léguas do ponto onde descanso. O cavalo entretém-se com os raquíticos pastos, ressequidos pelo longo Verão da meseta. O calor ainda é demasiado para nos pormos a caminho. Não consigo pregar olho, pois as moscas zumbem em torno de nós, sem descanso. O Sol ainda está acima do horizonte; quando o crepúsculo chegar, retomarei caminho na estrada de Toledo.

Penso no que acabo de deixar para trás, os olhos humedecem-me. Desterrado, por mim próprio, para o todo sempre, condenado pelo amor impossível que me atormenta. Leal e dignamente, apenas me resta a opção de tomar o hábito de monge numa ordem religiosa.
Ela sabe onde me irei acolher, somente ela e mais ninguém. 
Ao entrar nesta fraternidade monástica irei receber um nome, atribuído pelo superior: somente ele saberá a minha identidade, o meu nome civil, o título nobiliárquico de que sou portador, desaparecerão. As minhas propriedades, todos os meus bens terrenos, pertencerão à ordem monástica. 

Isto custa-me infinitamente menos do que o facto de nunca mais vê-la, a Dona e Senhora de meu coração, a única.



[NO PAÍS DOS SONHOS] Fantasia em Fá menor Op.49, Chopin






Num subterrâneo mundo, onde as águas são iluminadas por debaixo, vogam algumas canoas com misteriosos movimentos ondulantes, muito suaves. Tudo o que se pode entrever do local é adivinhado aquando de brevíssimos clarões azulados, que mostram instantâneos de cenas petrificadas. 
Homens nus reclinados, com a cabeça rapada, deixam-se transportar nas canoas. Estas movem-se sem nenhum gesto de seu passageiro. Cada canoa acosta, sucessivamente, a um pequeno cais. Aí, mulheres muito belas, nuas, vistas de costas, entram sucessivamente, uma em cada canoa. Afastam-se e perdem-se as suas silhuetas no fundo da gruta, que é afinal um rio subterrâneo, que serpenteia por debaixo da terra, silencioso. 

Agora estou numa dessas barcas. Ela dirige-se a uma abertura ao longe, enquadrada pela vermelhidão de archotes. O rio subterrâneo desemboca numa enseada. Observo a paisagem calma da noite com estrelas e sem luar. Oiço claramente o ruído suave da onda a lamber a areia da praia. O vai e vem da maré deixa um rasto fosforescente, desenhando um contorno sempre em mudança a cada ondulação levemente esboçada no limiar das águas. 

Os vultos que caminham desde umas rochas a uns duzentos metros, vão-se aproximando do ponto onde me encontro. Todo o grupo está silencioso, apenas se ouve o ruído do chapinhar da água ao nível de seus calcanhares, pernas, coxas e por fim, mergulham, num deslizar calmo. Nadam longamente, mas a uma distância curta do ponto onde estou. 

Emergem por fim e aproximam-se da praia, fosforescentes, corpos esplêndidos, bem proporcionados, apenas se distinguindo o seu contorno. Tudo é magnífico e nada assustador. Estes corpos espectrais passam perto de mim, mas sem notar-me.

O sonho deixa-me uma sensação de alegria serena; estou envolto num halo de luz e contemplo o céu estrelado, com profunda gratidão.



[NO PAÍS DOS SONHOS] Bachanias Nº5, Heitor Villa-Lobos

- Estou numa barca, ela desliza pela água, com a brisa que a transporta. Em cada margem há floresta, caprichosas formas de árvores de todos os tamanhos, tons e formas…
A minha memória, saturada da beleza deste sol poente vai ao encontro de uma estrela que luz no céu, tão alva e tão singela, apenas visível por alguém que eu amo profundamente:
- Essa mulher está no interior do canto de uma ave, existe neste rincão de selva escondido. Está e chora a sua solidão, pois seu amante está sempre ausente. Porém, deteta-lhe o rasto nos fragores da maresia, nos cânticos das aves e no restolhar das folhas nas árvores. Quando ela ergue o olhar para a estrela, a sua alma fusiona com a do seu amor.
- A espera transmuta-se em encontro … recebi a carícia suave da amada, o peito estremece-me com a brisa fresca do ar matinal.





quinta-feira, 19 de maio de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] Largo do Concerto para Dois Violinos de J. S. Bach



Obrigado, Bach! 

A doçura deste Largo do concerto para dois violinos é um veículo de transporte mágico para o meu passado. Estou a vogar para o sítio onde os meus anos floresceram. Estou embalado e enlevado pela beleza que se abre, desabrocha, no seio desta música… tal e qual quando a ouvi pela primeira vez. É como se abrisse os olhos à visão do espírito. Deus está em cada partícula e em cada vibração do som, como está no meu coração, quando o abro a esta música.
Obrigado, Bach! Agora estou a pensar em ti, em ti, em ti… estou, eu mesmo, a aproximar-me do teu coração… estou dentro dele como quem está escondido numa gruta, muito calma, muito secreta. Sou eu, o mensageiro dos sonhos, que venho dar-te um abraço longo, como tu abraças o gato, este felino que gosta de se espreguiçar… assim…
Serei felino ou serei homem, não importa.
Estou aqui nesta música, como veículo de teu encontro com o Universo.
Assim, podes dizer-me o que quiseres, na resposta a esta mensagem. Certamente, será ouvida a tua voz… certamente, ela receberá acolhimento e resposta. De minha lavra ou de alguém, de alguma entidade espácio-temporal. Não é necessário especificar mais, nós sabemos… que

…A ciência é boa por essência, somente a preguiça e falta de cuidado dos humanos insiste em distorcer e ver outro maravilhoso onde está a maior de todas as maravilhas: a realidade do universo, a nossa existência e a nossa inteligência de humanos em perceber e comungar com este TODO.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] MOZART Andantino p/ flauta e harpa K299

Sonhado, ouvindo flauta


 




Capto o instante, num olhar reflexo de nuvem, nos olhos da Deusa que nos acorda dentro do sonho e nos conduz ao país em que a realidade e nosso verdadeiro Eu se unificam.


Mas o mistério está muito para lá do instante, pois perdura nos meus ouvidos e não estou a ouvir apenas a música de Mozart, mas a música do chilrear de todas as aves da alvorada.

Neste país sem fronteiras, o meu entendimento maravilhado satisfaz-se com o simples enunciado dum gesto.
Perdura o instante que sempre existiu, desde todo o tempo que existe humanidade.

O coração reaprende a bater o ritmo, em perfeita sincronia com o suave tanger de uma harpa. 





[NO PAÍS DOS SONHOS] Concerto para Piano Nº3 , Prokofiev

Ofegante corria como um louco, até ao portal da casa. Teve de parar, a respiração faltava-lhe. Foi nesse preciso momento que a porta da datcha se abriu e apareceu Nadja, resplandecente na glória os seus dezassete anos. Vestia uma camisa de cores variadas, saia castanha e tinha o cabelo mal apanhado num carrapito, caíam-lhe madeixas pelos ombros. Seu cabelo loiro acobreado enquadrava um rosto muito oval, com lábios desenhando um sorriso discreto, a maior parte do tempo, quando escutava aquele estroina: Inclinava ligeiramente a cabeça, como que para melhor adivinhar o que ia sair dessa cabeça oca e seus olhos cintilavam ou tornavam-se nevoentos, consoante o seu estado de alma. Como se toda a expressão do rosto se concentrasse nos olhos.
Não havia nada de especial naquele relacionamento. Ou melhor, tudo era especial. O jovem e a jovem tinham um pacto não dito de total entrega espiritual e total castidade corporal. Como é isso possível em jovens saudáveis e sem preconceitos? Impossível de explicar. O facto é que ambos se sentiam muito à vontade nessa situação de «não namoro» e nada poderia mudar a disposição dos dois, por mais que as famílias respetivas e os amigos achassem que as coisas não iriam permanecer nesse pé.
Este Verão seria o último, mas eles não suspeitavam de nada. Abraçaram-se e olharam-se nos olhos. Depois, com um sorriso muito terno, Victor poisou um beijo na fronte de Nadja.
Esta desprendeu-se logo do seu abraço, tomou-lhe a mão e arrastou-o numa corrida através do salão, atravessando a porta sempre aberta da cozinha e mostrou-lhe …
 - «Olha! Sua ninhada de oito gatinhos»…
 A gata siamesa estava deitada na alcofa e lambia a cabeça e dorso de um dos gatinhos, numa toilete interminável de mãe-gata.
…...
[não sei como foi a seguir… nada! Apenas me lembro de ter acordado deste sonho com uma opressão no peito, como se algo de terrível tivesse ocorrido. Não sei o quê…]