As
dinâmicas da política, especialmente neste início de milénio, embora já muito
patentes no século anterior, têm mais que ver com «soundbytes» do que com
argumentos racionais. O efeito global da hegemonia da média corporativa de
massa é o de relegar o discurso político à sua mais simples nudez.
Transforma-se
o debate numa fantasiosa listagem de defeitos ou virtudes, apresentando os
candidatos em tons carregados ou róseos, consoante se pretende demonizar ou
promover os mesmos.
Assim,
na imprensa que se autointitula «de referência», as pessoas que se arrogam o
papel de «opinadores», não fazem uma discussão minimamente séria das medidas preconizadas
nos programas dos candidatos: limitam-se a «pintar» o retrato e a opinar sobre a
«personalidade» de A ou B. Esta atitude mostra como se chegou ao «grau zero» do
debate e reflexão políticos, pelas bandas do poder. Evidentemente, isto leva a
maior parte das pessoas, qualquer que seja a sua sensibilidade política, a
entrarem dentro do jogo, a reproduzir e amplificar o fenómeno. A coisa política
deixa de ser uma luta em torno de diversas ideias, de diversas soluções, para
uma «avaliação» de qualidades e defeitos ao estilo da imprensa «people». Quando os «opinadores» vêm que os seus candidatos preferidos são rejeitados pelas massas, justamente
porque eles têm a «marca do poder», ficam indignados, ofendidos, são
transportados pela retórica do poder omnipresente e omnisciente, pelo
pensamento único.
Poderia
parecer, à primeira vista, que - ao contrário das políticas- as
dinâmicas naturais e as macroeconómicas estão essencialmente independentes do
discurso.
São
forças naturais que impelem as variações climáticas. Mas, o contributo humano nas
alterações climáticas é indiscutível segundo uns, enquanto é uma espécie de
artimanha para outros. Longas polémicas, apaixonadas e nada fáceis de seguir –
mesmo para alguém com formação científica razoável – substituem-se ao debate
entre especialistas. Também aqui os «soundbytes», o conseguir trazer para seu
lado um número maior de órgãos de comunicação e de «fazedores de opinião»,
parece ser a atitude típica dos contendores.
No
caso da macroeconomia, as explicações mais banais das causas das disfunções
presentes nas economias mundial e dos diversos países não fazem mais do que
reproduzir as versões daqueles que estão – por assim dizer – com a mão na
massa.
Não
existe, nem nunca existiu «ciência económica» propriamente dita, existe sim,
uma série de discursos, de narrativas, que tentam racionalizar o que é
essencialmente caótico, mantendo o mito da existência de mercados, como «deuses»,
como se fossem os mercados autorregulados e sempre capazes de fazer com que o
sistema capitalista tenha um «progresso» indefinido, mesmo que destrua alguns!
No
mesmo espírito, atribuem-se «leis» aos mercados… Mas estas narrativas, já de si
míticas, estão – elas próprias - assentes sobre ficções tais como o PIB, taxas
de inflação e de desemprego, dados completamente viciados, fabricados, manipulados, ao ponto de não servirem para estabelecer um diagnóstico de um país, de um
setor produtivo.
Quando se sabe isto, assistir a um «debate» sobre as
«realidades» da economia tem uma dimensão de algo grotesco e absurdo, pois se
baseia em premissas carentes de rigor. Além do mais, quaisquer especialistas
sabem muito bem que isso é assim. Ficam, portanto, os tais «economistas» a
perorar entre eles, perante as câmaras, avançando previsões e análises
decorrentes de «modelos» que utilizam estatísticas, gráficos, etc.
São
«científicos, rigorosos, matemáticos» somente para as pessoas mais ingénuas, que se
deixam impressionar pela parafernália que acompanha esses discursos. Porem, tal
como no caso das alterações climáticas, é um facto que a economia se transforma,
há forças produtivas que se desenvolvem, que impelem as sociedades, etc.
Somente, esse substrato real não é analisado no mainstream. Uma pessoa comum
teria de fazer um grande esforço, para procurar ativamente em fontes
alternativas, diferentes formas de avaliar as realidades económicas:
normalmente, não tem tempo e/ou paciência para o fazer.
O
fluxo incessante de pseudoinformação anula a informação verdadeira. O que pode
ser significativo enquanto elemento para a nossa análise fica afundado numa
catadupa de «notícias» sem valor. O cidadão atual não está informado, de modo
nenhum. Está manipulado. Esta manipulação é apresentada como «informação». Os
cidadãos não são totalmente ingénuos, têm suspeitas, têm desconfianças. Eles
percebem que estão a ser manipulados, mesmo que não saibam analisar exatamente
em quê e como. Mas sabem que não podem confiar nestas informações. Há um hiato
entre a cidadania e as «lideranças», quer face aos órgãos de governo, quer aos da opinião pública.
O
facto de que muita gente se desinteresse, não participe, se concentre nas
coisas mais imediatas da sua vida privada, não é um fracasso do sistema. Pelo
contrário, é um sucesso, é uma condição para se perpetuar.
Há
algum tempo, compreendi que a não participação, a incultura cívica, são
desejadas, proporcionadas pelo poder. Assim, os políticos podem clamar que tudo
está «nas mãos» dos eleitores, etc. quando na realidade sabem que não é assim.
Não
existe real cidadania, existe uma «massa» amorfa, que é preciso manipular
(normalmente, pelo medo), levando-a a fazer aquilo que os poderosos pretendem. Assim
se perpetua o poder.